quinta-feira, 14 de maio de 2015

Você tem medo de quê?





















Cheguei à Câmara de Vereadores por volta das três e meia. Ia para a uma sessão especial de entrega da Medalha Cruz e Sousa. Estranhei a porta fechada. Lá dentro, funcionários indicavam: “entrada lá por baixo”. Na porta, alguns guardas municipais, inquietos. Entrei. Alguma coisa estava fora da ordem. Foi subir a escada e já comecei a ouvir um barulho de gritos, distante ainda. Entendi. Dentro da Câmara, o clima era de medo. Certamente se aproximava o povo.

E foi fato. Os trabalhadores da prefeitura municipal de Florianópolis tinham realizado uma assembleia geral para discutir o andamento das negociações com o prefeito César Souza. Eles estavam numa mesa exigindo reajuste de salário, melhores condições de trabalho e principalmente, que o dinheiro público seja investido no serviço à população. Nos materiais de informação aos florianopolitanos, indagavam: “O prefeito Cesar Souza Junior diz que não tem dinheiro para atender a pauta dos trabalhadores. No entanto, queremos saber: onde foram parar os 35 milhões de reais desviados na operação “Ave de Rapina” – processo de corrupção que envolveu compra de votos de vereadores - em novembro do ano passado? E o dinheiro gasto para a criação de novas secretarias e para manter o reajuste de até 30% das 498 funções gratificadas e 543 cargos comissionados da Reforma Administrativa aprovada em abril? E para onde foi o dinheiro arrecado com o IPTU que sofreu um aumento de quase 50%?”.

A resposta do prefeito aos trabalhadores, depois de duas reuniões de negociação, foi pífia: sem acordo na maioria das reivindicações. Assim, sem saída, a única alternativa encontrada pelos trabalhadores foi a deflagração da greve. Acertada a paralisação a partir de então  - quarta-feira, dia 13 – os servidores municipais saíram em passeata pela cidade e caminharam em direção à Câmara de Vereadores, onde seria votado o pedido de arquivamento da denúncia de quebra do decoro pelo vereador César Faria, um dos envolvidos na operação Ave de Rapina.  

Com cartazes e dezenas de caixas de pizza, os trabalhadores queriam se manifestar no sentido de exigir da Câmara de Vereadores o não arquivamento e a apuração – até o fim  - do envolvimento de todos os vereadores  citados. Era essa multidão que se aproximava da “casa do povo” quando, eu, tranquila, esperava as medalhas. 

Os trabalhadores chegaram e vieram para a porta central, que já estava fechada desde as 15h. Ninguém entraria no plenário. Lá dentro já estavam os homenageados, as famílias, os amigos e os vereadores. Entre os trabalhadores da casa começa a correria. A Guarda Municipal é chamada e vários deles correm para a porta, já com os cassetetes a mão. Carregam ainda armas de choque e gás de pimenta. São trabalhadores municipais, colegas dos que estão lá fora. 

Os trabalhadores de fora gritam e batem na porta. Os trabalhadores de dentro aprumam o corpo e se preparam para reprimir. As funcionárias da Câmara fecham as portas internas, correm para dentro. Há medo. Difícil definir a sensação. Os vereadores – na maioria  - temem o povo, isso é necessário mesmo. Mas, os trabalhadores temerem seus colegas? Por quê? Acompanho em perplexidade. 

Desisto de ficar do lado de dentro vendo a multidão agigantar. A porta de vidro treme. Desço pelo outro lado e saio para acompanhar a mobilização. Os trabalhadores querem acompanhar a sessão. Querem presenciar a votação. Mas, são impedidos. Não podem entrar. A porta lá em cima segue tremendo. Então, a guarda municipal abre a porta. Mas não é para que entrem. Gás pimenta é espargido na cara de quem está mais à frente. Alguns denunciam que também levaram choque. Sufocados, os trabalhadores recuam. Sobra a profunda tristeza. Os colegas, que deveriam estar ali, com eles, lutando, são os que reprimem. A velha estória de sempre. 

As coisas se acalmam, os trabalhadores insistem e ficam ali. A luta começa e já enfrenta a fúria do poder dominante. Lá dentro, os vereadores rejeitam o arquivamento da denúncia contra César Faria e encerram a sessão. Nada de povo dentro da Câmara. Por outro lado fica a lição de que o poder teme o povo, teme demais. E, muitas vezes, as gentes não se apercebem do seu poder. 

Lá fora, as gentes. Os que nos atendem nos balcões, nos postos de saúde, nas escolas, nas repartições. Os que realmente fazem a “maquina” andar. Lutam por salário, por vida digna. Alguém pode dizer: “bando de vagabundo que não trabalha”. E estará mentindo. Não fossem os trabalhadores, que muitas vezes precisam tirar leite de pedra, a tal da máquina nem se arrastaria. A batalha pelo serviço público é diária. Alguns há que não dignificam essa coisa bonita que é “servir o público”, mas são poucos, muito poucos. A maioria é como essa gente que está na rua, lutando pelos seus direitos. Lutando pelos nossos direitos. 

A greve dos trabalhadores da prefeitura municipal começou ontem. Abriu forte, abriu guerreira. Com eles, estamos. Que o dinheiro público seja para o público. Que se abram as “caixas-pretas” do financeiro, que se deem condições de trabalho a quem tem de ficar à frente de um serviço que, no mais das vezes, é ruim. Não por culpa dos trabalhadores, mas por responsabilidade dos que dirigem e não dão prioridade a ele.




2 comentários:

telma disse...

excelente matéria. Elaine, sempre atenta! solidariedade aos funcionários da PFM.

Telma Piacentini

Scheila Amado disse...

Ótimo texto, visão lúcida e não deturpada pela mídia!!!