Assim como o Brasil vive suas eleições presidenciais agora
em outubro, a Bolívia também deve eleger seu novo presidente, bem como a
Assembleia Legislativa Plurinacional, que conta com 130 membros na Câmara de
Deputados, mais 36 integrantes do Senado. A votação será no dia 12 de outubro e
será a segunda dentro dos novos marcos constitucionais do estado Plurinacional.
Disputam os cargos quatro partidos e uma coalizão. Na
corrida presidencial o Movimento ao Socialismo (MAS), apresenta como candidatos
os atuais presidente e vice, que disputam reeleição: Evo Morales e Álvaro
García Linera. O Movimento Sem Medo tem a frente um ex aliado de Morales, que
foi prefeito de La Paz, Juan del Granado. A Unidade Democrática é liderada pelo
multimilionário Samuel Doria Medina. O Partido Democrata Cristão traz como
candidato o ex-presidente, de expressão neoliberal, Jorge "Tuto"
Quiroga, que sequer vive no país embora volte a cada quatro anos para disputar
eleição. Por fim, o Partido Verde apresenta como candidato um representante das
demandas indígenas, que teve atuação importante na luta do TIPNIS (Território
Indígena Parque Nacional Isidoro Sécure), Fernando Vargas Mosua.
Conforme análise de Alfredo Serrano Mancilla, no sítio da
Agencia Latino-Americana de Notícias, é provável que Evo Morales vença as
eleições bolivianas com uma ampla vantagem, talvez até superior a sua marca
anterior, em 2009, que foi de 64,2%. Para Alfredo, praticamente nenhum dos demais
candidatos parecem ser capazes de oferecer uma oposição real. A comunidade os reconhece
como representantes de um passado que poucos querem ver de volta. "Para a
maioria está em jogo um processo de mudança de época pós neoliberal. Não
passaram nove anos de governo da Revolução Democrática e Cultural, e já se pode
dizer que a Bolívia desfruta de uma década de ganhos, depois de várias décadas
perdidas". O sentimento é de que a Bolívia não só avançou economicamente
como conseguiu consolidar um sentido comum, não mais importado, mas
completamente boliviano.
É importante lembrar que Evo Morales levou adiante a
proposta de uma nova Constituição, enfrentou a direita golpista, garantiu
mudanças sociais e estruturais importantes, reduziu a taxa de desemprego, tornou
real o exercício da plurinacionalidade, garantiu o fortalecimentos das
propostas de unidade latino-americana aproximando-se do Mercosul e participando
ativamente da Alba, da Unasur e da Celac.
É fato que também enfrentou duras batalhas com as
comunidades indígenas, principalmente no que diz respeito a estrada que pretende
cortar o parque nacional Isidoro Sécure, território dos povos originários. A
proposta era passar por dentro do parque, quando os indígenas insistiam na
intocabilidade do território, oferecendo outras opções, como a passagem ao
largo. A queda de braço custou a Evo muitas manifestações e protestos. O caso
ainda não se esgotou.
Parte da esquerda boliviana também tem severas críticas a
Evo e Linera, acusando-os de entregarem as riquezas nacionais a empresas
estrangeiras e de liderarem um processo que é neoextrativista e exportador, que
força a migração de comunidades tradicionais, que desrespeita os direitos humanos,
o que estaria em franca oposição ao conceito de Sumac Camaña (o bem-viver)
deliberado na Constituição. Uma expressão dessa crítica aparece com o candidato
Fernando Mosua, que vem da terra indígena em disputa.
O fato é que a Bolívia é um pouco tudo isso. O governo de
Evo Morales mudou muitas coisas para melhor, distribuiu renda, usou os recursos
do gás, que sempre estiveram na mão da elite, para alavancar políticas públicas,
garantiu uma nova Constituição, avançou no debate da plurinacionalidade,
possibilitando mais poder aos povos indígenas. Mas, também é certo que ainda
não conseguiu sair da lógica que parece ser a marca dos países
latino-americanos: o desenvolvimento gerado à custa da exportação de matérias
primas. Também no caso da estrada que se pretende passar por dentro do parque
nacional indígena houve muita falta de habilidade para lidar com o problema e
Evo chegou a amargar algumas derrotas por conta das atitudes autoritárias.
A Bolívia é ainda uma dos países mais pobres do continente,
mas é também fato que conseguiu reduzir os índices de pobreza extrema nas áreas
urbana e rural. Segundo dados do documento "Memórias da Economia
Boliviana", de 2012, hoje, 10 de cada 100 bolivianos vivem com um dólar ao
dia, enquanto em 2005 o índice era de 24 para cada 100. No campo, onde 65 de
cada 100 viviam com um dólar ao dia em 2005, hoje são 41, o que significa uma
queda de 22%. São dados significativos, mas ainda parece intolerável que alguém
possa sobreviver nessas condições, e os que permanecem na pobreza extrema ainda
são muitos. Por isso a necessidade de avançar na distribuição da renda, mas que
fique além do benefício, que trate de emancipar de verdade as pessoas.
O governo de Evo Morales criou mecanismos como o "Bono
Juancito Pinto" - uma espécie de Bolsa Família - que garantiu renda a um milhão e setecentas
mil crianças, a "Renta Dignidad", que alcançou 956 mil famílias e o "Bono
Juana Azurduy", distribuído a 64 mil mães e 101 mil crianças. Coisas
jamais vistas na Bolívia, daí sua popularidade junto aos empobrecidos.
Por conta dessas mudanças, que ainda são poucas e não mexem
na estrutura, Evo é o favorito nas pesquisas. O que não é muito difícil visto o
perfil dos demais candidatos que, excetuando Fernando Mosua, são todos velhos
conhecidos dos bolivianos, aliados aos regimes que colocaram a Bolívia no
triste patamar de ser o país mais pobre da América do Sul.
A disputa presidencial, pelas pesquisas divulgadas, parece
estar consolidada, a menos que algum elemento conjuntural mude as coisas de
última hora. A expectativa fica por conta das eleições legislativas, nas quais
o voto - como no Brasil - segue preferências pessoais e não partidárias,
podendo influenciar na correlação de forças dentro do parlamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário