quinta-feira, 10 de julho de 2014

O metrô de Moscou


























É fato que a novíssima geração de russos não quer nem saber de socialismo. Tudo o que sabem desse tempo é o que contam os pais. A maioria fala mal do sistema, principalmente contra Stalin e o racionamento de comida. Mas mesmos esses que falam mal, não viveram na pele esses momentos. Na cidade, onde fica mais visível a taxa média de crescimento do país, 7%, as obras estão em toda parte num frenesi de desenvolvimento. O comércio é variado, e todas as marcas mundiais estão à disposição de quem tenha dinheiro para comprar. Os grandes centros comerciais se espalham, com as mesmas marcas  que fazem sucesso nos EUA e na Europa. Assim, os russos sentem-se comodamente no centro do furacão capitalista e estão achando bom. Mas, no campo, onde ainda sobrevivem os mais velhos, que viveram o auge do sistema soviético, há quem lembre com saudade. As granjas eram coletivas e a terra era trabalhada, apesar das grandes dificuldades de fazer parir um terreno pantanoso e pouco fértil. "Agora estamos sozinho. Não há auxílio e ninguém tem condições de alimentar a terra para que ela viceje". Não é sem razão que aos camponeses foi novamente relegado o preconceituoso termos de "inúteis e beberrões".

Uma vendedora em frente a um dos centos de templos da igreja ortodoxa, velhinha já, apontava com um sorriso o ícone de Stalin, como a dizer que seria de bom tom comprar e levar para casa. Com todas as dificuldades de comunicação, ela conseguiu me passar a ideia de que quando o velho georgiano governara, os camponeses tinham sido bem tratados. Agora ela estava ali, vendendo bugigangas. Já a guia, que desconfortavelmente fizera a tradução, não deixou de arrematar: "Stalin matou muita gente, era um beberrão, como todos na Geórgia".

Outro que perdeu seu glamour na nova Rússia é Lênin. Apesar de suas estátuas continuarem firmes em cada cidade do país, seu nome, por agora, não remete a nada importante. Ainda assim, é ideia dele uma das obras mais lindas da capital russa: o metrô. Quando a revolução bolchevique foi vitoriosa foi Lênin quem decidiu que o espaço de transporte dos trabalhadores deveria ser como o de um palácio. O projeto do metrô já existia desde o tempo do império, mas foi só em 1923 que realmente começou o planejamento efetivo da obra. Anos antes, Lênin já imaginara cada estação decorada com o que havia de mais bonito na Rússia: seu mármore e a arte dos artistas locais. Ele queria que o trabalhador se sentisse como um rei, já que era o protagonista da então nova Rússia.

Lênin não chegou a ver a obra que pensou. Mas os planos seguiram conforme ele planejara. A primeira linha foi inaugurada em 1932, sob o comando de Stalin. O sistema é simples e rápido, hoje transportando mais de nove milhões de pessoas por dia. Os trens saem a cada um minuto nos dias de semana, e a cada cinco no domingo. São 194 estações, 12 linhas e 325 quilômetros. A passagem ainda hoje é barata, 40 rublos (cerca de 2,50 em reais) e se não sair do sistema pode-se visitar cada estação.

O metrô é conhecido por todos com um nome bastante significativo: "palácio subterrâneo". As estações são gloriosas, todas cobertas por mármore, decoradas com colunas douradas bem ao estilo do palácio de Catarina II. Há mármore branco e vermelho. Cada estação tem um estilo diferente, mas todas elas ressaltam a figura do trabalhador. São desenhos, afrescos, mosaicos, estátuas, que revelam a face mais bonita daqueles que ousaram tirar a Rússia das mãos dos czares. Camponeses, soldados, trabalhadores urbanos, é sobre eles que está o foco. Também há cenas da própria revolução,  passeatas, comícios, festas populares. Uma verdadeira beleza. É como se estivesse ali, gravada, a impressão digital daquele tempo que tantos querem apagar. Impossível ficar impassível diante de tanta formosura. Mesmos para os moscovitas, acostumados ao vai e vem cotidiano, ainda causa estupor toda aquela magnificência sob a terra.

Contam que ali Stalin instalou seu estado maior na época da II Grande Guerra, pois o metrô também foi construído com a função de servir de abrigo aos moradores de Moscou em situações como aquelas.

Hoje, o metrô é ponto turístico e não há quem passe pela capital que não se maravilhe com o palácio subterrâneo imaginado por Lênin. Talvez por isso tenha sido tão triste ver, numa das estações, o busto daquele que sonhou com uma pátria socialista, esquecido em meio a móveis velhos e escadas quebradas. Os guias turísticos que conduzem os grupos pelos intricados caminhos das estações sequer o citam. Ele passa batido, apagado da história. Eu, atenta, o vi, perdido lá no fundo e fui fazer uma reverência. O metrô é uma grande maravilha e diz muito do que ele pensava sobre aqueles que até então eram considerados seres insignificantes.

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