A pessoa começa a
passar mal e a primeira opção é, sem dúvida, apelar para a memória histórica
dos chás das avós. Afinal, buscar um médico no sistema público é sempre um
grande estresse. Mas, os dias se passam a e coisa só piora. Não há o que fazer.
Toca ir para a fila do Posto de Saúde do Morro das Pedras. Chega lá no meio da
manhã para saber como estão as regras. É que elas mudam todo o tempo. A moça: “Pode
vir todos os dias, mas são apenas cinco fichas. Tem de chegar cedo”. Tudo bem,
volta para casa sem atendimento.
Passam-se dois dias e
tudo piora. Não há remédio. Toca enfrentar a fila de novo. Dessa vez acorda
cedinho, antes das sete, afinal são só cinco fichas. Chega no Posto e a fila
está grande. Mas, enfim, a necessidade obriga a ficar e tentar uma vaga. São
sete horas e tudo está fechado. As oito e cinco começam a chegar os funcionários.
A médica, bem jovem, chega num carrão, às oito e meia. A fila vai andando,
todos com aquela cara de sofrimento que só os sem-nada têm.
Chega a vez da pessoa.
Ela consegue a tal da vaga para ser atendida. Mas, há que esperar. São nove
horas quando é chamada. Explica o problema. A médica sequer a olha nos olhos. “Tem
que fazer um procedimento, mas não temos sala”. Como não tem sala? E o que é
aquilo onde estão? “Não dá para fazer, procure outro posto”. Como procurar
outro posto? A pessoa só pode ser atendida no posto da sua jurisdição. O Posto
do Campeche não atende quem mora na região do Morro das Pedras. “Não posso
fazer nada”, diz a mocinha, possivelmente recém-formada. E a pessoa sai,
atordoada, sonhando com um médico cubano.
A pergunta que baila
é: por que algumas pessoas precisam amargar o sofrimento da falta de atenção
enquanto outras tem os melhores médicos à sua disposição? A resposta é fácil: o
sistema que comanda nosso viver define isso. A forma como se organiza o mundo
capitalista determina que os ricos se apropriem de todos os avanços da ciência,
das melhores coisas, do nelhor cuidado. Os pobres são meras peças de reposição
na grande engrenagem. Se morrerem, não farão falta. Outro vem e ocupa o lugar.
Há pobres demais no sistema de vida que o mundo ocidental impõe.
Assim que os postos de
saúde nos bairros, construídos para atender aos pobres, são meros espaços de
enganação. Para que as pessoas digam: Mas, temos os postos e médicos à
disposição. Temos as políticas públicas de saúde. Tudo farsa. É da natureza do
mundo capitalista que uns explorem e outros sejam explorados. Que uns vivam e
outros morram para que esses vivam. Assim, as medidas compensatórias sempre
serão véus de Maya (a ilusão).
Por isso que aos
pobres restam poucas opções. Resignação, aceitar que a vida é assim mesmo e
esperar a morte tomando, no máximo, um paracetamol. Lutar para mudar o sistema,
coisa difícil demais num mundo em que a resignação é regra e aquele que luta é
visto como anormal. Quebrar tudo no posto de saúde. Ajuda a aliviar a tensão,
mas piora a saúde, uma vez que nem o atendimento e ainda a prisão. Quebradeiras
solitárias não são eficazes.
Então, para alívio da
doença há que encontrar alguma saída individual ou morrer. Mas, para o fim do sistema que
explora e oprime as soluções precisam ser coletivas. Novas escolas de medicina
precisam nascer. Outra medicina precisa vingar. Mas, isso não pode ser feito de
forma isolada, dentro do sistema que temos. Há que fazer vingar outra forma de organizar
a vida, porque as coisas precisam mudar na sua totalidade. Não basta uma
mudança pontual, aqui ou ali, isso só faz com que a exceção fortaleça a regra.
Há que se reconhecer o sistema de vida que temos, entender seus meandros, suas
leis. E, depois, coletivamente, encontrar formas de mudar tudo. Se não for
assim, seguiremos morrendo como ovelhas no sacrifício para o deus do capital.
Um comentário:
Elaine
Excelente post, é exatamente isso!
Tomarei a liberdade de colocá-lo em meu blog para que um maior número de pessoas possam ler esse texto, espero que não se incomode.
Um grande abraço minha amiga
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