quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Aventuras de um sem-saúde


A pessoa começa a passar mal e a primeira opção é, sem dúvida, apelar para a memória histórica dos chás das avós. Afinal, buscar um médico no sistema público é sempre um grande estresse. Mas, os dias se passam a e coisa só piora. Não há o que fazer. Toca ir para a fila do Posto de Saúde do Morro das Pedras. Chega lá no meio da manhã para saber como estão as regras. É que elas mudam todo o tempo. A moça: “Pode vir todos os dias, mas são apenas cinco fichas. Tem de chegar cedo”. Tudo bem, volta para casa sem atendimento.

Passam-se dois dias e tudo piora. Não há remédio. Toca enfrentar a fila de novo. Dessa vez acorda cedinho, antes das sete, afinal são só cinco fichas. Chega no Posto e a fila está grande. Mas, enfim, a necessidade obriga a ficar e tentar uma vaga. São sete horas e tudo está fechado. As oito e cinco começam a chegar os funcionários. A médica, bem jovem, chega num carrão, às oito e meia. A fila vai andando, todos com aquela cara de sofrimento que só os sem-nada têm.

Chega a vez da pessoa. Ela consegue a tal da vaga para ser atendida. Mas, há que esperar. São nove horas quando é chamada. Explica o problema. A médica sequer a olha nos olhos. “Tem que fazer um procedimento, mas não temos sala”. Como não tem sala? E o que é aquilo onde estão? “Não dá para fazer, procure outro posto”. Como procurar outro posto? A pessoa só pode ser atendida no posto da sua jurisdição. O Posto do Campeche não atende quem mora na região do Morro das Pedras. “Não posso fazer nada”, diz a mocinha, possivelmente recém-formada. E a pessoa sai, atordoada, sonhando com um médico cubano.

A pergunta que baila é: por que algumas pessoas precisam amargar o sofrimento da falta de atenção enquanto outras tem os melhores médicos à sua disposição? A resposta é fácil: o sistema que comanda nosso viver define isso. A forma como se organiza o mundo capitalista determina que os ricos se apropriem de todos os avanços da ciência, das melhores coisas, do nelhor cuidado. Os pobres são meras peças de reposição na grande engrenagem. Se morrerem, não farão falta. Outro vem e ocupa o lugar. Há pobres demais no sistema de vida que o mundo ocidental impõe.

Assim que os postos de saúde nos bairros, construídos para atender aos pobres, são meros espaços de enganação. Para que as pessoas digam: Mas, temos os postos e médicos à disposição. Temos as políticas públicas de saúde. Tudo farsa. É da natureza do mundo capitalista que uns explorem e outros sejam explorados. Que uns vivam e outros morram para que esses vivam. Assim, as medidas compensatórias sempre serão véus de Maya (a ilusão).

Por isso que aos pobres restam poucas opções. Resignação, aceitar que a vida é assim mesmo e esperar a morte tomando, no máximo, um paracetamol. Lutar para mudar o sistema, coisa difícil demais num mundo em que a resignação é regra e aquele que luta é visto como anormal. Quebrar tudo no posto de saúde. Ajuda a aliviar a tensão, mas piora a saúde, uma vez que nem o atendimento e ainda a prisão. Quebradeiras solitárias não são eficazes.

Então, para alívio da doença há que encontrar alguma saída individual ou morrer. Mas, para o fim do sistema que explora e oprime as soluções precisam ser coletivas. Novas escolas de medicina precisam nascer. Outra medicina precisa vingar. Mas, isso não pode ser feito de forma isolada, dentro do sistema que temos. Há que fazer vingar outra forma de organizar a vida, porque as coisas precisam mudar na sua totalidade. Não basta uma mudança pontual, aqui ou ali, isso só faz com que a exceção fortaleça a regra. Há que se reconhecer o sistema de vida que temos, entender seus meandros, suas leis. E, depois, coletivamente, encontrar formas de mudar tudo. Se não for assim, seguiremos morrendo como ovelhas no sacrifício para o deus do capital.


Um comentário:

BURGOS disse...

Elaine

Excelente post, é exatamente isso!
Tomarei a liberdade de colocá-lo em meu blog para que um maior número de pessoas possam ler esse texto, espero que não se incomode.


Um grande abraço minha amiga