Nesses dias em que o corpo grita
e nos obriga a des-andar, nada mais me restou que a televisão. Assim, entre
dores e delírios, fiquei a revirar os malfadados canais. Então, algumas
notícias foram me deixando ainda mais doente. Desisti. Melhor ficar olhando
para o nada. Mas, o nada não existe. Sempre há algo e, de inopino, aparece uma pequena
aranha a tecer sua teia delicada e cruel. Fiquei a matutar sobre isso. Essas
teias que vão enredando, sem dó nem piedade aqueles que andam por aí,
despreparados. Voltei à notícia que tinha provocado engulhos. Na Europa, tão
logo chegou, Neymar foi levado para fazer uma cirurgia de retirada das
amígdalas. Segundo diziam os repórteres nada havia de errado com elas. Apenas
que, sem as ditas, ele teria mais velocidade, sabe-se lá por que, a ciência
explicaria ou quem sabe um desses feitores de escravos que levam guris
brasileiros para a Europa.
Fiquei imaginando o garoto, longe
de casa, numa mesa de operação, transformado em coisa. Tudo bem que ele não é
uma vítima inocente. Sabe muito bem onde está metido. Mas, mesmo assim, senti
dó. Diziam ainda os repórteres que a proposta era fazer com que ele adquirisse
mais massa muscular, deixando, então, de ser quem é. O garoto miudinho, de
pernas finas, a fazer maluquices com a bola. O que virará Neymar, pensei, entre
delírios de aranha e bola. Um milionário transgênico, talvez. Assim como
Ronaldo. Bichado antes dos 30.
Mais febre, mais delírios, a
aranha sumiu. De novo, a TV ligada e, nos canais abertos, só o esporte me
salva. Foi a vez dos comentários sobre o lutador de MMA, aquele, de fala fina,
que era o xodó de todo mundo até ontem. Não vi a luta, não olhei as imagens,
acredito que aquilo não é esporte. Igualmente me apena que alguém precise fazer
aquilo para viver, sobre-viver. Não pode haver sentido em provocar dor em
alguém. Mas, enfim, era a conversa. De olhos fechados ouvia que a luta teria
sido uma armação. Que a derrota foi comprada. Que não havia como o rapaz ter
perdido. Muito dinheiro haveria de estar em jogo. Fiquei pensando no cara.
Teria vendido o cinturão? Teria recebido muita grana para viver o que vivera.
De herói passou a nada em poucos meses. E o que diria ao filho? Aos vizinhos,
aos amigos? Como irá à padaria, ao mercado? Ficou sobre ele a mancha indelével.
Vendido!
Humilhados pelo capital, Neymar e
Anderson. Um, transformado numa bola de carne, rasgado, maculado, para virar
uma máquina de fazer gols. Suprema estupidez. Ele já é. O outro, vilipendiado, estupidificado,
obrigado a perder para que o show não perdesse o brilho do inesperado. Veio-me
à cabeça aquela velha canção de Simon em Garfunkel: The boxer.... Um homem, em
pé, diante das lembranças da glória, um menino pobre apenas querendo ir para
casa, dizendo a si mesmo: estou indo, estou indo... Mas o lutador permanece. Então,
comecei a chorar.
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