A direção do Sindicato dos Trabalhadores da Universidade Federal de Santa Catarina (Sintufsc), hegemonizada pela política do PCdoB e PT, conseguiu um feito histórico durante o XI Congresso da Categoria. Terminou o principal fórum dos trabalhadores sem uma tese guia para dar direção política ao sindicato, sem um plano de lutas e protagonizou um golpe sem precedentes na história da entidade. Sem que qualquer discussão tivesse sido feita nas reuniões que elegeram delegados foi apresentada a proposta de reeleição ilimitada e aumento do tempo de mandato, numa ação casuística e oportunista, legislando em causa própria, uma vez que os atuais diretores, por conta de uma cláusula de barreira (agora derrubada), não poderiam disputar novo mandato. Praticando a velha política de cabresteio de delegados, a força que controla o sindicato (PCdoB e PT) protagonizou o que há de mais miserável na prática política, além de, numa ação arrogante e antissindical, mudar o nome do sindicato visando abocanhar trabalhadores de outras bases. Agora, o Sintufsc passa a se chamar Sindicato dos Trabalhadores das Instituições Públicas Federais do Ensino Superior do Estado de Santa Catarina.
O Congresso começou bonito, com um amplo debate sobre a conjuntura, no qual os delegados puderam analisar a realidade e os desafios colocados para os trabalhadores diante do governo de Dilma Roussef. É que o Congresso tem por finalidade discutir qual o rumo político que a luta dos trabalhadores vai tomar nos próximos dois anos. Na mesa estavam duas forças políticas. Uma representando o apoio ao governo de Dilma e outra que teceu críticas sobre como o governo vem conduzindo o trato com os trabalhadores. Na plenária, as forças em debate também já se configuravam muito claramente. No lado direito da sala, os delegados da situação e no lado esquerdo, a oposição.
Na parte da tarde, a discussão foi sobre a EBSERH, a empresa criada pelo governo para privatizar os hospitais universitários. A fala da professora Sara Grenemann, da UNB, desvelou toda a sorte de problemas que advirão caso as universidades aceitem ter os HUs geridos por essa empresa. Mostrou claramente como a fundação vai roendo por dentro o sistema público, a criação das duas portas de entrada (para os particulares e para o SUS), a divisão dos trabalhadores entre celetistas e estatutários, e o desastre que isso vai representar para o ensino da medicina, uma vez que desde a formação, o aluno já estará sendo moldado para o mercenarismo médico. Aí também os discursos foram inflamados e mesmo a força da situação do sindicato derramou críticas contra a empresa e contra o governo. Tudo parecia se encaminhar para uma boa análise política da situação e lutas acirradas contra os ataques governistas.
O reinado do assistencial e coronelismo
Mas, no segundo dia de Congresso, o véu caiu. A direção do sindicato mostrou o quando o discurso que faz está descolado da prática, deixando claro que tudo não passa de um jogo de cena visando encobrir os verdadeiros interesses. O primeiro ponto do dia foi a prestação de contas da direção. Ali, estampado no balancete, já era possível perceber o caráter assistencialista e coronelista da prática sindical da atual direção. Absolutamente nenhum centavo foi gasto em formação ou discussão dos problemas nacionais, estaduais e locais que tem interferência direta na vida dos trabalhadores. Nenhum debate sobre a previdência privada, nenhuma discussão sobre as eleições municipais, nada sobre os projetos do governo que atacam a classe trabalhadora. A única ação política puxada pelo sindicato em dois anos de gestão foi uma frágil luta contra a EBSERH e isso porque teve de cumprir as decisões de assembleia que sempre exigiu essa luta. Ainda assim, a ação limitou-se a realização de atos rituais, com um simples chamamento pela página do sindicato, sem visitas aos setores para informar dos riscos e sensibilizar para a participação.
Em compensação, o sindicato gastou 271 mil reais em festas, e 59 mil reais em prêmios, consolidando uma prática nefasta de cooptação a partir de concessão de pequenos privilégios. Foram nove grandes festas, com distribuição de televisão, micro-ondas e notebooks, tudo financiado com dinheiro da categoria. A direção argumentou que as festas servem para chamar os filiados para dentro do sindicato, o que é fato, mas, na prática, não significa que eles venham para as lutas, até porque elas nem aconteceram, excetuando a greve, é claro. A verdade é que esse tipo de ação recupera práticas anacrônicas de domínio que, ao longo dos anos foram derrubadas pela ideia de que sindicato existe é para lutar. Mas, toda essa concepção sindical foi sendo esgarçada pelo grupo que atualmente dirige o sindicato e, hoje, a face assistencialista reassume com força total.
A segunda parte da manhã esteve reservada para a apresentação e discussão das teses que definem a direção política do sindicato para os próximos dois anos de gestão. A atual diretoria, segura do controle dos delegados, simplesmente não apresentou qualquer tese, acreditando que poderia neutralizar qualquer crítica ao governo e a si mesmo. E foi aí que se deu a morte da política. Apenas duas teses foram apresentadas, todas duas de oposição. Nelas, os filiados faziam avaliação da conjuntura internacional e nacional, avaliavam a ação do governo e a relação com os trabalhadores, teciam críticas a política da atual direção do sindicato e apontavam um plano de luta. No debate, a direção e seus aliados fizeram seus comentários e ao final ficou definido que as duas teses iriam compor uma única tese, uma vez que não havia contradição nem divergência entre elas.
Mas, no final do congresso, o inusitado aconteceu. Como as atividades tiveram de ser suspensas para a realização da assembleia estatutária, os dirigentes do sindicado tiveram tempo de avaliar melhor a tese apresentada. Na hora da votação, o diretor Antônio Lopes, disse que a direção aceitava a análise de conjuntura, mas queria retirar a parte do texto que tecia críticas ação do sindicato. Foi aberto o debate. Só que outro filiado, Dilton Rufino, decidiu apresentar a proposta de recusa total da tese porque não admitia a crítica ao PT nem a menção do "mensalão". Segundo ele, a tese assumia a opinião da revista Veja e ele queria derrubá-la por completo. A mesa então colocou em votação essa proposta, sem mais discussão. E a plenária votou por não aceitar a tese. Com isso, a direção protagonizou um fato inédito. Pela primeira vez na história do sindicato, o Congresso não delibera por qualquer política para os próximos dois anos. Isso porque a direção não teve a capacidade de escrever sequer dois parágrafos, pelo menos, para respaldar a sua política. Tinha o controle dos votantes e preferiu omitir-se. Ou seja, não verbalizou nem deixou registrado a proposta que existe na prática: apoio ao governo e sindicato assistencial. Política de coronel, antidemocrática.
Fraude intelectual
Mas, para tristeza dos trabalhadores da UFSC o Congresso ainda protagonizaria outra aberração. Como a tese apresentada foi derrubada na íntegra, não era possível recuperar o plano de lutas que vinha nela embutida. Então, a direção do sindicato decidiu colocar em discussão e votação o plano de lutas construído no Congresso passado. Ou seja, não havia pensado uma política para o sindicato e muito menos um plano de lutas. Os delegados da oposição preferiram se abster dessa discussão entendendo que o plano de lutas apresentado pela direção não refletia o debate desse congresso. Era um documento produzido numa outra conjuntura, com outras concepções de sindicato (de luta, solidário, generoso), e se configuraria numa fraude intelectual apresentar aos trabalhadores um plano de lutas que não representava a verdadeira concepção sindical que havia se fortalecido nesse congresso específico. E assim, sem qualquer vexação, os delegados do campo da situação aprovaram a fraude. O plano de lutas para os próximos anos em nada tem a ver com a concepção sindical que saiu vencedora do congresso.
Mudanças estatuárias: a miséria continua
A concepção coronelista e assistencial também apareceu com clareza na Assembleia Estatutária, que se fez em meio ao congresso. Os principais debates se colocaram no campo do assistencialismo e do privilégio com filiados se esganiçando pelo direito de ganhar gordas diárias nas viagens de "luta" e exigindo aumento no valor do auxílio-funeral e auxílio-natalidade. Patético. A discussão política sobre essa prática sindical atrasada e cooptadora era rejeitada, muitas vezes de forma violenta, com alguns delegados sendo intimidados durante a fala, inclusive com ameaça de processo caso seguissem fazendo críticas. Um circo dos horrores.
O único debate que desvelou o caráter real da atual direção do sindicato foi o realizado em cima do artigo primeiro do estatuto. A proposta apresentada pela diretoria era de mudar o nome e o caráter do sindicato. A diretora Terezinha Cecatto foi a porta-voz da proposta e, durante todo o debate, foi deixada sozinha na defesa, sem que qualquer outro diretor tivesse a coragem de se pronunciar, talvez para não deixar registrado na história o que estavam planejando. Eles se ocupavam de ficar em pé, na porta, cuidando para que nenhum delegado saísse. Pois, trazendo como argumento o desejo de alguns trabalhadores dos antigos Colégios Agrícolas que não aceitam passar para o sindicato que representa agora os Institutos Federais, e querem permanecer filiados no Sintufsc, a direção apresentou a seguinte proposta. O sindicato deixaria de ser Sindicato dos Trabalhadores da UFSC e passaria a se chamar SINDICATO DOS TRABALHADORES-TÉCNICOS ADMINISTRATIVOS DAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA e teria a seguinte redação:
Art. 1º - O SINDICATO DE TRABALHADORES TÉCNICO-ADMINSITRATIVOS DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA - SINTUFSC, fundado pela Assembléia Geral realizada em 8 de abril de 1992, por transformação da Associação dos Servidores da Universidade Federal de Santa Catarina - ASUFSC, com sede e foro no município de Florianópolis - SC, é constituído para a defesa e representação legal dos trabalhadores, abrangendo os trabalhadores e empregados de instituições públicas federal de ensino superior, sejam estas integrantes da administração indireta, autárquica ou fundacional, além das empresas públicas ou pessoas jurídicas de direito privado contratadas ou fundações apensas conveniadas da administração pública que desenvolvam atividades dentro das IFES do Estado da Santa Catarina, cujo desempenho profissional contribua de forma direta ou indireta para a consecução e desenvolvimento dos princípios indissociáveis do ensino, da pesquisa, da extensão e assistência do órgão público de ensino. (grifo meu - aí está a EBSERH).
No debate, foi lembrado à direção que o artigo primeiro do estatuto já contemplava a possibilidade de filiação desses trabalhadores e também o pronunciamento do advogado do sindicato que já havia dito que esses trabalhadores poderiam seguir filiados. Também se alertou que o Sintufsc não era um sindicato só de técnicos, que historicamente se colocava na vanguarda da proposta de unificação das categorias no âmbito da educação superior, mantendo no seu quadro também os colegas professores. Que a proposta apresentada era redutora, excludente e, principalmente, antissindical, uma vez que abria também para a filiação específica de trabalhadores de outras instituições (espaço do SINASEF, Sindicato dos Trabalhadores em Fundações etc..). O artigo ainda desvelava o completo apoio dessa direção à EBSERH, uma vez que também já previa a filiação dos futuros trabalhadores da fundação.
A proposta de oposição era a de que se mantivesse o artigo tal como estava porque ele era muito mais abrangente sem, contudo, entrar no perigoso terreno das práticas antissindicais tais como a tentativa de captura de base de outras entidades. Foi lembrado também que o SINTUFSC jamais se absteve de apoiar política/financeira e estruturalmente as lutas das demais categorias que atuam dentro das universidades. Isso é decisão política e concepção de sindicato de luta. Basta lembrar a ação do Sintufsc em outros tempos, com outra direção, no apoio concreto à luta dos trabalhadores terceirizados.
Mais uma vez o debate foi inflexível. A única mudança aceita pela direção foi a de não exclusão dos professores, até porque, no caso do Sintufsc, eles fazem parte desde a criação da associação, quando não era ainda permitida a sindicalização. Assim, a direção acatou a retirada do termo "técnico-administrativos" e trocou por "trabalhadores em educação". A votação foi apertada, mas venceu a proposta da direção. Com novo nome, ao que parece, agora o sindicato dos trabalhadores da UFSC vai começar a disputar base de outros sindicatos.
E a sucessão de golpes ainda estava longe do fim. Pela mão de um ex-diretor, membro do grupo da direção, vieram as duas propostas que definiram o oportunismo e o casuísmo da atual gestão. Retirar a cláusula de barreira que define rotatividade nos cargos da direção e aumentar o tempo de mandato. De novo, o debate foi marcado pela falta de qualquer argumentação política. As falas se limitavam a ataques pessoais ou emocionais. Não havia qualquer argumento plausível além da legislação em causa própria. Assim, a partir desse congresso, os dirigentes atuais - que não poderiam concorrer na próxima eleição - estão de novo no páreo e o mandato fica estendido para três anos porque, segundo Otávio Pereira, o autor da proposta, em dois anos não dá para fazer um bom trabalho.
A presença dos novos
O final do XI Congresso do agora SINDICATO DE TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, foi patético. Nenhuma direção política, um plano de lutas artificial e fraudulento, a aceitação da EBSERH e a explícita prática antissindical. A única preocupação da atual administração foi garantir que as festas continuem, os prêmios sejam distribuídos entre os amigos, que o auxílio-funeral tivesse um aumento substancial, que possam se reeleger e ficar no mandato por mais tempo. Esse é resultado final de dois dias de discussão. A morte da política. O ressurgimento explícito de um sindicato coronelista.
A única coisa boa que ficou dessa miséria intelectual e política foi a presença dos novos trabalhadores, os que entraram nos concursos mais recentes. Estavam lá em um bom número, trouxeram argumentos sólidos, políticos, e perceberam muito bem o que estava em jogo ali. Conseguiram observar claramente as práticas descoladas dos discursos e se posicionaram por uma concepção de sindicato de luta, de classe, solidário e generoso. Assim, apesar do resultado conjuntural, foi possível sair do congresso com a profunda sensação de que uma nova página começará a ser escrita na UFSC por uma nova geração ainda não contaminada pela velhas práticas coronelistas tão comuns na universidade. Uma geração que não se rende à servidão voluntária e não se move por interesses apenas pessoais.
Um ar fresco começa a soprar nos caminhos da UFSC, e outros congressos virão. A mudança está a caminho, assim como a primavera!
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