Por Raul Fitipaldi.
Uma semana atrás, não mediaram 24 h para que presenciasse, ambas as vezes num trajeto do ônibus, duas manifestações xenófobas em Florianópolis. Uma partiu duma estudante de pedagogia da UDESC e outra, de um estudante da UFSC. A primeira, ao findar a tarde da quarta-feira, a segunda, pela manhã da quinta.
Na primeira, um senhor próximo aos 60 anos conversava com outros passageiros sobre a má qualidade do transporte coletivo de passageiros, como, de resto, o fazem cada vez mais e mais pessoas. A agressora verbal, futura pedagoga, empreendeu a lhe dizer que devia se cuidar do lugar onde protestava, que ônibus não era um lugar adequado para “falar da má qualidade do serviço”. Que se não gostavafosse embora para o interior, de onde parecia vir pelo sotaque, o cidadão que expressava sua opinião. A “democrática” futura educadora acrescentou à sua prosápia, que o queixoso devia entender que aqui é uma cidade desenvolvida, moderna, urbana, não uma Desterro Imobilizada, como ele parecia achar. Isto aconteceu no trajeto Rio Vermelho Bairro.
Na quinta-feira, outro cidadão, desta vez de sotaque espanhol, explicou-lhe a um jovem que não conseguia se mexer de lugar, porque precisava estar bem assegurado, já que ia de pé e tinha graves problemas de coluna, então não conseguia atingir o cano de cima indo mais para adiante no ônibus. O estudante lhe espetou: “Se não viaja cômodo volte para seu país. Você está incomodando aos que querem passar adiante. Vá embora, em vez de incomodar”. Como no caso anterior, ninguém mexeu um músculo e tudo mundo se fez de surdo.
O próximo caso que compartirei me teve como interlocutor, além de observador. Uma estudante viajava do meu lado no Canasvieiras-Mauro Ramos. A garota, depois que um par de cidadãos de sotaque nordestino fez demorar a marcha do ônibus, porque tinha uma considerável série de pacotes que descer, deixou notar um gesto de desconforto pela presença desses jovens. A tal senhorita, de 18 anos, com a qual eu vinha conversando sobre vocações e vestibulares, me questiona: “Você já viu como tem nordestinos agora? Tem muita gente da Bahia, do Espírito Santo; é que aqui estamos muito bem, vêem trabalhar, não sei como vai ficar isto, viu? Esta era uma cidade tranqüila entre a gente, né?”
Três atos de xenofobia distintos, num lapso brevíssimo, cometidos por estudantes, dois universitários e uma aluna de cursinhos. Estes fatos acontecem nos tempos da Tropa de Choque, das Universidades “Públicas” a caminho da privatização e da Merenda Escolar Terceirizada. Provavelmente, o eurocentrismo conservador que prevalece em algum setor da sociedade, gere reações inaceitáveis. Porém, talvez sejam interpretáveis essas tristes atitudes num ambiente político-social onde a falta de empregos estáveis, de ensino de qualidade e duma visão de mundo nada além do consumo, culturalmente recortada, comece a despertar a serpente, que na velha Europa revive, pela falta de oportunidades e empregos, como uma nova versão do clássico de Ingmar Bergman, Das Schlangenei. Observemos uma síntese daquele filme, vejamos as coincidências com os tempos atuais do Velho Continente, e fiquemos em alerta. Não deixemos que a serpente alimente seu ovo. Ela sempre está de olho nos pobres. E observemos com moderação nossa atual bonança econômica, esqueçamos por um momento a facilidade de crédito, e reflitamos que Florianópolis não está fora do mundo, e que essa Europa que nos dão como referência na universidade, passa pela crise mais severa dos últimos 90 anos. Que tal se não a imitamos?
O filme citado: O Ovo da Serpente.
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Título original: (Das Schlangenei)
Lançamento: 1977 (EUA, Alemanha Ocidental)
Direção: Ingmar Bergman
Atores: David Carradine, Liv Ullmann, Heinz Bennent, Gert Fröbe.
Duração: 120 min
Gênero: Drama
Sinopse
Berlim, novembro de 1923. Abel Rosenberg (David Carradine) é um trapezista judeu desempregado, que descobriu recentemente que seu irmão, Max, se suicidou. Logo ele encontra Manuela (Liv Ullmann), sua cunhada. Juntos eles sobrevivem com dificuldade à violenta recessão econômica pela qual o país passa. Sem compreender as transformações políticas em andamento, eles aceitam trabalhar em uma clínica clandestina que realiza experiências em seres humanos.
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