De repente, um ato comum e corriqueiro serviu para toda uma reflexão sobre a vida e a artificialidade que toma conta do mundo. Era domingo, o primeiro deste abençoado outono, que torna tudo cheio de cor e beleza. Na azáfama do preparo do almoço achei tempo de sair porta afora pegar uns limões. É que tenho por hábito fazer limonada, coisa que me remete à infância, aos avós, aos pagos do sul, à imensidão da fronteira onde cresci.
Então, já sob a sombra amiga do limoeiro, no átimo entre enlaçar o limão e despegá-lo do galho, parei para pensar sobre quantas pessoas ainda fazem limonadas com limões colhidos no quintal. Penso isso por conta das dezenas de garrafas de plástico que vejo nos lixos das casas vizinhas, todas as segundas-feiras de manhã. Mesmo naquelas que possuem enormes quintais e frondosas árvores. Ao que parece as pessoas preferem tomar o suspeitoso líquido refrigerante, feito sabe-se lá onde e com que tenebrosos ingredientes. Enquanto isso, limões maduram e caem do pé, sozinhos, abandonados, perdidos de sua função de encher de infância os olhos e almas das gentes, que cresceram e esqueceram...
Nas ruas arenosas do meu bairro, as crianças da vizinhança correm, brincam e gritam, embriagadas de meninice, esperando a hora do almoço que, por certo, terá um refri gelado e sinto que é preciso antes de tudo ensinar aos pais. É hora de as mulheres voltarem a buscar limões nas árvores que envelhecem sozinhas nos quintais. Porque mesmo nestes tempos de vida de plástico ainda existem quintais e, ainda que não se more em casa, as frutas estão nos sacolões, esperando, suculentas e saborosas.
Agarrada aos meus limões galegos, espio pelo muro as caras afogueadas da gurizada e peço aos deuses para que eles não se esqueçam dos quintais, das árvores verdejantes, carregadas de frutos. Peço para que não se intoxiquem desta vida de plástico que guia os humanos de tamanho grande. Peço para que estes meninos e meninas possam compreender o que significa o outono na vida do bicho-humano. Tempo de colheitas, de maduração. Tempo de limões, de gosto azedinho, de verde vibrante.
E, enquanto faço verter o sumo da fruta que invoca minha latina meninice, agradeço por ser alguém que ainda tem casa, quintal, outono, árvores e esse sentimento de que a vida é mesmo um grande jardim!
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