Foi num dia 14 de junho de 1982 que tive registrado meu primeiro emprego formal no jornalismo. A anotação era locutora-entrevistadora, mas a função cumprida era de repórter. Hoje, celebro então 40 anos nessa profissão. Uma vida inteira correndo atrás da notícia, da informação de qualidade, da análise do dia. Desde bem pequena eu tive esse sonho de ser jornalista, imagino que por conta do exemplo do meu pai. Minha brincadeira favorita era andar com um gravador e microfones feitos de papelão, fazendo entrevistas. O rádio me fascinava, e ver meu pai nas coberturas noticiosas, ou de futebol e carnaval era minha alegria. “Vou ser como ele”. Eu morava em São Borja e o caminho natural seria terminar o ensino médio e fazer faculdade em Santa Maria. Era o planejado.
Mas, a vida dispôs. Meu pai perdeu tudo, teve de migrar para Minas Gerais e a família toda precisou se mover para lá em 1977. Um novo estado, nova cidade no interior das Geraes, pobreza, sem condições de pensar em faculdade. O caminho agora era arrumar um trabalho e ajudar o pai a sustentar a casa. Guardei o sonho no fundo do coração. O tempo passou e meu tio se ofereceu para me pagar um cursinho em Belo Horizonte. Mas, ele esperava que eu cursasse engenharia. Nóóó... muito longe do meu querer. Fiquei lá por um ano, não fiz o vestibular de engenharia e voltei para Pirapora, disposta a fazer um concurso para o Banco do Brasil. Fiz a inscrição e, no dia da prova, cheguei até a porta do colégio e não entrei. Eu pensei comigo: vou passar nessa porra, e aí? Nunca mais saio do banco. Foi uma surpresa na família eu não ter passado, afinal eu sempre fora “a estudiosa”, caxias em nível máximo. Não contei que não tinha feito a prova.
Finalmente em 1982, quando minha mãe já estava boa da tuberculose, eu decidi sair atrás do meu sonho e fui morar em Caxias do Sul, com minha tia Dalva. Não sabia como ou o que fazer para ser jornalista. Então, fui preencher uma ficha para vaga de telefonista na TV Caxias. Coloquei ali minha experiência com comunicação e o diretor resolveu me chamar. O motorista foi até me buscar em casa. Uma surpresa e tanto. Eu não tinha noção do que ia acontecer. Lá, na sala do seu Ênio, ele me perguntou: “tu já fizeste tudo isso mesmo que colocaste na ficha?” E eu respondi que sim, embora houvesse ali muito exagero. E ele então disparou: “Acreditas que pode trabalhar aqui como repórter?” Meu coração deu um salto, mas ele não notou. “Pode apostar”, eu respondi, segura. Ele apostou. Estava contratada. De quase telefonista a repórter, assim, do nada. Não tive medo. Já tinha uma estrada na comunicação. Daria conta.
E foi assim que eu desci para o salão onde ficava o setor de jornalismo e me apresentei ao Otaviano Fonseca, que era o chefe de jornalismo. No outro dia já estava jogada aos leões, fazendo entrevistas. Tive a sorte de ter grandes parcerias, colegas incríveis que me ajudaram e me ensinaram. Passei depois pela TV Globo de Bauru, a TV Globo de Marília, TV Uruguaiana, TV Umbú de Passo Fundo, RCE TV em Florianópolis, Jornal O Estado, Rádio Guarujá, Jornal A Notícia, dei aulas na Univali, atuei na comunicação popular e por fim a UFSC.
Toda essa caminhada eu fiz com profunda alegria e com imenso amor por essa profissão que escolhi desde menina . O jornalismo que se compromete, que toma partido, que olha o mundo desde o lado da classe trabalhadora. Foi assim desde as primeiras greves de gráficos que eu cobri em Caxias. Naqueles dias era intuitivo, mas com o passar do tempo a consciência ingênua se fez crítica. Onde quer que eu trabalhasse estava sempre a serviço das lutas. Sempre atuei no sindicato dos radialistas e depois de formada em Jornalismo, no sindicato dos jornalistas.
Como jornalista, trabalhando dentro da RBS, usei todos os recursos da rede para divulgar as lutas sociais e tive a alegria de cobrir por um ano inteiro a grande batalha dos trabalhadores sem-terra na Fazenda Anonni, um marco na luta pela terra no Brasil. Pauteira atilada, sempre procurei abordar as notícias de maneira a mostrar a injustiça e a exploração. Quando por fim fui fazer a faculdade, lá por 1987, encontrei Adelmo Genro Filho, pela mão do mestre Sérgio Weigert. Então, tudo o que era intuição ganhou corpo e se fez compreensão. Entendi que fazer jornalismo é garantir a visão da totalidade do fato. Que fazer jornalismo é estar comprometida com verdade dos tempos, sendo capaz de capturar o singular, sem perder a conexão com o todo, o universal. Que fazer jornalismo é estar sempre atenta ao que nos salta aos olhos e ser capaz de ver o que quase ninguém vê.
Hoje, assombrada com o andar do tempo, vejo que quatro décadas se passaram e eu ainda não perdi o encantamento pela rua e pelas pessoas. Que exatamente como aquela menina aprendiz da TV Caxias eu ainda caminho pelo mundo com olhos de lâmpada, sedenta de desvelar o que se esconde, de gritar o que tentam calar. O jornalismo é minha espada Jedi, meu carrossel encantado, meu espaço de ser.
Hoje é um dia cheio de significado para mim. Vou tomar uma gelada e lembrar cada criatura que passou por esse meu caminho: os que me ajudaram a ser quem sou, os que eu narrei, os que caminharam comigo, os que eu amei, os que me feriram, todos...
Quarenta anos de jornalismo não é bolinho... É uma vida, uma doce, linda e generosa vida...
Um comentário:
Sempre e sempre seus escritos me emocionam, menina Elaine. Receba, pois, uma abraço apertado, fraterno e incondicional do velhote desimportante que sou.
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