No geral, sou uma otimista. E crente. Acredito piamente no outro. Para mim,
como diz o poeta, o outro sempre é o paraíso. Então, não raro me surpreendo –
para o bem e para o mal. Assim há dias que venho mastigando uma mágoa, uma dor,
um não-sei-que. Tem a ver com essa coisa demasiado humana, que é o desejo de
comandar, de ser o dono, o que decide, o que determina, o que faz acontecer. E,
que, por isso, não admite qualquer sombra. Para esses seres, o outro é sempre
uma ameaça. Tudo bem que sintam medo, mas há os que agem com má fé. E intrigam,
puxam o tapete, fazem denúncias vãs. Tentam assim, afastar de si, com
maledicências, aqueles que, como eles, buscam a mesma coisa.
Ruminando essas coisas, estive a falar com uma mulher que é uma grande
mestra pra mim. E, ela, na sua generosidade, me lembrou de uma velha parábola,
dessas que contava Jesus. Pois diz que andava ele a passear pelos caminhos
quando um dos discípulos lhe chegou a contar, esbaforido, que outras pessoas
andavam a tirar demônios das gentes. Coisa que só Jesus podia fazer, segundo
ele. “É um absurdo”, vociferava. E Jesus, tranquilão, mastigando uma haste de
trigo, perguntou: - E os demônios estão saindo? – E o discípulo: - Pois, sim –
E Jesus: - Mas, então está bem. É o que importa. Não quem está tirando.
E é essa observação tão simples e certeira que deveria valer nesse nosso
miserável mundo da luta política. Teríamos de andar todos a “tirar demônios”,
sem hierarquias, sem temores. Fazer o que é preciso para acabar com esse mundo
de exclusão, de violência e de opressão que o capitalismo aprofunda. Deveríamos
ser solidários com quem trabalha, faz coisas boas, participa das lutas. Mas,
não. Pessoas há que querem o monopólio da revolução. E muitas vezes, nem é com
a radical mudança que realmente sonham. Pois
é aí que muita coisa desanda.
O fato é que, como diz Maturana, o nosso imperativo genético é a
cooperação. Não há espaço para
competição no mundo humano. Ela é anti-natural, não constrói, não ajuda.
Só a junção das forças, a solidariedade, o trabalho em comunhão faz a raça
avançar. Essa coisa que os zapatistas entendem tão bem quando colocam o
pasamontañas e tornam-se todos um só. São comunidade, porque é o que importa preservar.
Cada um de nós vai voltar ao pó dia desses, e a raça seguirá seu caminho, sem a
nossa intervenção. Somos esse sopro ínfimo, esse atma, essa poeirinha cósmica.
Desimportantes no grande livro da vida, se pensarmos na nossa ação singular.
Somos mais, no coletivo.
Vai daí que essa é a grande tarefa ainda a se cumprir. Compreender nossa
pequenez e, na grande teia comunitária, ser um nó, forte e definitivo. Não
importa quem protagoniza, quem comanda, que está na frente. Importa que a gente
avance e expulse os demônios, caminhando com o próximo e o distante, afastando a
dor, a miséria, a violência, a opressão. Mas, esse ainda é um longo caminho da raça...
tão distante quanto necessário!
Enquanto não se aprende essa lição, há que se tentar compreender o que
intriga, e desarma, e destrói. O que não significa aceitar. E a vida segue, no
galope...
Um comentário:
Que texto bonito, Elaine! Parabéns! Um forte abraço,
Clovis Horst Lindner
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