Como num livro de Kafka, dias há em que se acorda outra coisa. Nem humano, nem bicho. Algo. Foi assim naquela manhã. Ela despertou e não estava mais. Havia como que um vazio de si. Talvez fosse a exaustão de tantas dores, derrotas, medos, prenúncios. Ainda assim, levantou, resoluta. Iria fazer como no lindo filme “A excêntrica família de Antônia”, no qual a personagem central, depois de uma vida inteira de embates com tudo ao seu redor, ajeita as coisas no seu cotidiano, festeja a vida, deita-se tranquilamente e morre. Poderia tentar. Quem sabe. Feito Antônia, ela também era um “tanque de guerra”, puro “acero”, capaz de enfrentar qualquer peleia. Talvez por isso voejassem à sua volta tantos seres, se amparando.
Naquela manhã em que fraquejou não conseguia entender porque a ela não permitiam a fragilidade. Ou será que fora ela mesmo que nunca se deixara ficar, fraca e indefesa, a espera de um herói? Que mania tinha de, ao primeiro soar da batalha, se postar à frente, peito aberto, arma em punho. Por que raios não pedia proteção? Por isso ninguém nunca acreditava em sua dor. E não havia outro remédio senão engoli-la e seguir, abrindo os caminhos à facão.
Lembrou do dia em que saiu de casa no rumo do sul, com apenas uma velha mochila militar. Tinha tanto medo, mas o olhar era firme, como se caminhasse para o paraíso. E tudo o que tinha era um senão, um grande talvez. Perdeu a conta das noites insones, da fome roendo, do corpo enregelado, da solidão. E ela nem rangia os dentes. Passou ventos, tormentas, temporais, olhou bem dentro do abismo, viu o que havia lá e não deixou escapar um pio. Carregou essa imagem sempre bem guardada, atrás do riso, colocado na cara como um reboco. Ninguém precisava saber.
E agora, essa exaustão, esse suspiro de angústia. De novo, lembrou o filme de Antônia. Lá, há um personagem que fala dessa dor, que não passa. É o Dedo Torto : "(...) É absurdo crer que a dor constate que nos aflige seja apenas momentânea . Pelo contrário: a desgraça é a regra e não a exceção. A quem culpar por nossa existência? A explosão solar que nos deus a vida? Eu me acuso, já que não creio em Deus ou reencarnação, se acreditasse poderia me iludir de que a vida nos promete uma divina sobremesa após uma indigesta refeição. Não quero mais pensar, acima de tudo não quero pensar". Dito isso, ele se entrega.
Mas, para a mulher, parece meio tolo desistir por vontade própria, antes do tempo. Afinal, de que valeria tudo o que já foi? Talvez seja preciso esperar, que chegue a hora, como Antônia. Firme, cheia de poder sobre si mesma. Então, ela trata de retomar as rédeas dos demônios que andam soltos. Que se aquietem. Que voltem para as sombras, para o fundo do abismo. A vida cobra a faina do dia-a-dia. Roupas para cerzir, passeatas para seguir, passeios para varrer, gatos para cuidar, textos para escrever, gentes para proteger, caminhos para trilhar.
No muro, uma coruja move lentamente a cabeça, desafiando a lógica. Um quero-quero se esganiça anunciando algum viandante. É noite escura. Não há estrelas, prenuncia mais um temporal. Ela recolhe a lágrima, apruma o corpo e ainda encontra tempo para lavar a louça que sobrou do café. Tudo está limpo. Hora de dormir. Talvez sonhar.
Ainda não é tempo de ir.
Naquela manhã em que fraquejou não conseguia entender porque a ela não permitiam a fragilidade. Ou será que fora ela mesmo que nunca se deixara ficar, fraca e indefesa, a espera de um herói? Que mania tinha de, ao primeiro soar da batalha, se postar à frente, peito aberto, arma em punho. Por que raios não pedia proteção? Por isso ninguém nunca acreditava em sua dor. E não havia outro remédio senão engoli-la e seguir, abrindo os caminhos à facão.
Lembrou do dia em que saiu de casa no rumo do sul, com apenas uma velha mochila militar. Tinha tanto medo, mas o olhar era firme, como se caminhasse para o paraíso. E tudo o que tinha era um senão, um grande talvez. Perdeu a conta das noites insones, da fome roendo, do corpo enregelado, da solidão. E ela nem rangia os dentes. Passou ventos, tormentas, temporais, olhou bem dentro do abismo, viu o que havia lá e não deixou escapar um pio. Carregou essa imagem sempre bem guardada, atrás do riso, colocado na cara como um reboco. Ninguém precisava saber.
E agora, essa exaustão, esse suspiro de angústia. De novo, lembrou o filme de Antônia. Lá, há um personagem que fala dessa dor, que não passa. É o Dedo Torto : "(...) É absurdo crer que a dor constate que nos aflige seja apenas momentânea . Pelo contrário: a desgraça é a regra e não a exceção. A quem culpar por nossa existência? A explosão solar que nos deus a vida? Eu me acuso, já que não creio em Deus ou reencarnação, se acreditasse poderia me iludir de que a vida nos promete uma divina sobremesa após uma indigesta refeição. Não quero mais pensar, acima de tudo não quero pensar". Dito isso, ele se entrega.
Mas, para a mulher, parece meio tolo desistir por vontade própria, antes do tempo. Afinal, de que valeria tudo o que já foi? Talvez seja preciso esperar, que chegue a hora, como Antônia. Firme, cheia de poder sobre si mesma. Então, ela trata de retomar as rédeas dos demônios que andam soltos. Que se aquietem. Que voltem para as sombras, para o fundo do abismo. A vida cobra a faina do dia-a-dia. Roupas para cerzir, passeatas para seguir, passeios para varrer, gatos para cuidar, textos para escrever, gentes para proteger, caminhos para trilhar.
No muro, uma coruja move lentamente a cabeça, desafiando a lógica. Um quero-quero se esganiça anunciando algum viandante. É noite escura. Não há estrelas, prenuncia mais um temporal. Ela recolhe a lágrima, apruma o corpo e ainda encontra tempo para lavar a louça que sobrou do café. Tudo está limpo. Hora de dormir. Talvez sonhar.
Ainda não é tempo de ir.
Um comentário:
É,vamos seguindo o "tempo e o vento",nos levarão em algum lugar!!!!
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