Os policiais catarinenses que estavam mobilizados em frente aos quartéis desde o dia 22 de dezembro decidiram em assembléia geral, no final da tarde sábado, levantar acampamento. Com eles, também decidiram as mulheres, que foram as protagonistas deste momento importante na luta dos praças. Diante da situação de insegurança que já se instalava em algumas cidades e, principalmente por conta do senso de responsabilidade com a coisa pública, os praças entenderam que era preciso suspender as ocupações dos quartéis e fortalecer o movimento no interior.
Aliado a isso, o governo do estado de Santa Catarina decidiu endurecer e conseguiu garantir na justiça cinco liminares que golpearam de forma violenta a luta que estava em andamento pelo cumprimento da lei 245, que torna proporcional os salários e incorpora algumas gratificações. Uma delas foi a que impedia a participação das crianças no movimento. Como o comando das ocupações era das mulheres, que vestiram os quartéis de lilás, os filhos acabaram sendo companhias cotidianas. Mulheres vindas de todo o estado, traziam as crianças por não ter onde deixá-las. Como a organização dos atos foi sempre impecável, todas elas eram cuidadas, permitindo que as mães fizessem o que tinham de fazer. Mas, ainda assim, o governo apelou para o conselho tutelar, alegando que as crianças estavam sob risco. Foi um golpe de mestre atacar esse flanco.
A justiça de Santa Catarina também determinou que os manifestantes desocupassem os quartéis sob pena de multa diária, para a Associação dos Praças, de 90 mil reais, outro golpe duro. E, ainda não contente em desarticular o movimento por dentro, o governador do estado, Luiz Henrique da Silveira, chamado pelos praças de Luiz XV, jogou a carta mais vil. Pediu na justiça a dissolução da associação, indo contra a própria Constituição que garante a qualquer pessoa o direito de se associar. “O mais triste foi ver o advogado Sadi Lima, na condição de procurador do estado, que no passado foi quem defendeu os presos da novembrada, fazer este deprimente papel de encaminhar o pedido”, lembrou Amauri Soares, deputado e presidente da Aprasc. A medida foi considerada tão forte que o juiz que julgou a liminar não teve coragem de aceitar. Mas, por outro lado, tirou do ar a página da internet da associação sob a alegação de que ela estava incitando ao “motim”. Liberdade de expressão é coisa punida por aqui por estes lados do sul.
Mas, segundo a direção do movimento, o que pesou mais na decisão da trégua foi o acirramento dos ânimos entre os praças. Ao saberem que o comando do BOPE (Batalhão de Operações Especiais) havia armado os policias com munição química e balas de verdade, a coisa esquentou. “Tinha gente ali que estava a fim de morrer pela sua dignidade. Já nem queriam mais saber da lei 245, era a honra que já estava em questão. A possibilidade de um confronto entre colegas ficou por um fio”, diz Jota Costa, também da diretoria da Aprasc.
Segundo Amauri, durante os seis dias que durou a ocupação dos quartéis, o movimento precisou de muita cabeça fria para segurar os mais exaltados. “Fomos nós que seguramos o pessoal da penitenciária, porque a turma queria sair. Este governo não tem a menor responsabilidade com a segurança neste estado. Prefere armar todo esse o banzé a sentar e negociar uma coisa que é nosso direito”, diz Amauri. Entre os praças, o que não conseguem entender é como a justiça consegue ser rápida para puni-los e não se manifesta sobre o cumprimento da lei 245. “O governo não cumpre a lei e fica por isso mesmo. A gente luta e é punido. Até tiram a nossa voz. Isso não é democracia, é ditadura”.
A luta por melhores condições de trabalho continua
Agora, os praças decidiram dar uma trégua. Vão esfriar a cabeça, mas não o movimento. As reuniões no interior já começaram, a mobilização segue firme. Também as mulheres já estão armando suas estratégias. Querem ver o governo cumprindo a lei a todo custo. E fazem um alerta: a população precisa saber o que acontece dentro dos quartéis. Os trabalhadores querem seus direitos garantidos, mas querem também condições de trabalho. Eles contam que se fosse feita uma blitz nos carros da polícia iriam encontrar as mais absurdas irregularidades, desde a falta de extintor até pneus carecas. O trabalho que fazem para garantir a segurança das pessoas neste estado é muito feito no osso do peito. “Se a gente fosse seguir a regra, muitas viaturas nem poderiam rodar, mas quem é que sabe disso? Nós corremos risco e a população também”.
No popular 190, que tanto o governo se indignou por estar parado, a situação não é muito diferente. “O equipamento de registro de ocorrência que leva o sugestivo nome de `trank` é exatamente isso: uma tranqueira. O sistema vive travando e atrapalha demais o serviço. Nós já pedimos a modernização do programa, mas a resposta é sempre a mesma, não há dinheiro”, denunciam. Segundo os praças, um atendente de 190, trabalhando durante seis horas, atende até 150 ligações, e com um sistema tão ultrapassado o que resta ao trabalhador é o estresse e a doença. “A gente fica nervoso demais, a coisa é lenta, e a população é quem perde com isso”.
Pois em todas as discussões sobre o movimento dos praças muito pouco se falou das condições de trabalho. O governo fez a sua demagogia em cima das vítimas da enchente, que devem ser prioridade, e também sobre a população que, segundo ele, estava “desprotegida”. Pois os praças provam que muito da segurança que a população desfruta só acontece pelo heróico trabalho que fazem, sem ter as mínimas condições. “É hora de o povo saber como funciona a polícia, quais as condições de trabalho e qual a verdadeira proteção que recebe. O governador que fale a verdade.”
Os movimentos sociais
Enquanto os praças se reorganizam e reagrupam as fileiras para novos passos na luta, inclusive o de recuperar o direito de se expressar através da rede mundial de computadores, várias entidades do movimento popular, estudantes e sindicatos estão também reunidos para apoiar a luta dos policiais de Santa Catarina. É um momento interessante de se acompanhar porque muitos dos militantes que cerram fileira no apoio aos policias são os que historicamente têm feito as lutas na cidade, frequentemente enfrentando a truculência da polícia. “Acaba sendo pedagógico para nós estes momento de união na luta, porque os policias são fruto de quase 200 anos de um tipo de formação militar, na qual passam por uma espécie de lavagem cerebral. Por isso, é bom esse contato com os lutadores da cidade na hora da nossa luta. Os companheiros percebem que são trabalhadores como eles, e também, como eles, têm o direito de lutar. É um trabalho lento, mas vamos conseguindo despertar consciências”, diz Jota Costa, da Aprasc. O soldado Benin confirma: o trabalho que vem sendo feito pela Aprasc ajuda, e muito, na compreensão das lutas dos trabalhadores. “Nós somos todos iguais”.
Os praças deram um tempo até o dia sete de janeiro para que o governo apresente um cronograma de pagamento dos direitos a que fazem jus. O governo diz que não vai negociar e aplicou um duro golpe ao tirar do ar a página da Aprasc. A arena de batalha ainda ferve. Novos passos estão sendo dados. O início do ano de 2009 não vai ser calmo pelas terras catarinas.
Um comentário:
Isso faz parte de governos neoliberais, onde utilizam seus pares na justiça burguesa que legislam em causa própria! O grau de politização desses praças e seus familiares serão no futuro bem próximo a vanguarda e pressão social, para que mude essa falacia de "Estado Democratico de Direito", em que toda a população se emane de suas prerrogativas de participação cidadã nesse processo de organização popular institucionalizada, a exemplo da Revolta da Chibata, os 11 do Forte de Copacabana e da Coluna Prestes! Viva a democria cidadã! Abaixo os Despostas!
Postar um comentário