quarta-feira, 13 de abril de 2022

Ouvir os velhos



É muito comum como as pessoas mais novas evitarem o convívio com os velhos. Como eles já não fazem mais parte do mundo produtivo, deixa de ser alvo de interesse. Não são úteis, não tem nada a dizer, já eram, estorvam. Mesmo aqueles que criaram coisas incríveis quando estavam na ativa, ou que protagonizaram lutas, ou que foram importantes em alguma medida para a história do seu lugar, sendo escanteados sistematicamente. Os mais jovens sempre acreditam que o mundo começou com eles.

Tive o sorte de, desde menina, ter convívio com velhos. Dos meus avós foram sempre a espremer histórias, queria saber tudo, do passado, da família. Depois comecei a me voluntariar para ajudar nos asilos de São Vicente de Paula, indo visitar, conversar, limpar os velhinhos. E sempre notei que uma boa prosa era o que mais alegrava cada um deles. Eles gostavam e eu também.

Adulta, passei um tempo morando com meu vó, e também era eu que todos os anos fez a longa travessia Rio Grande do Sul/ Minas Gerais com ela para que ela pudesse ficar um tempo com a filha, minha mãe. Assim que adquiriu esse hábito de sempre levar em consideração os velhos e lhes dar muita atenção. Longas conversas sempre estaram no menu, foram em casa ou nas intermináveis horas no ônibus.

Agora com o pai morando comigo, retomei essa prática. Nos primeiros anos do Alzheimer ele ainda se lembra de coisas, e eu ia puxando. Passados quase oito anos de que ele desenvolveu a doença já não consegue se lembrar de quase nada. Suas frases são desconexas e às vezes nem consegue pronunciar bem as palavras. Ainda assim temos longas prosas. Ele sentadinho na sua poltrona ou tomando sol no alpendre e eu a tagarelar fazendo circular o companheiro. Conversamos muito. Conto sobre tudo o que passa e explica como anda a política e tudo mais.

Eu digo que ele fala língua de cigano, porque às vezes parece incognoscível, mas, por sorte, sou versada nela. Então, manter o papo pela tarde afora e também na hora de dormir. Sempre que o observo meio apático lá vou eu puxar a charla. E ele sempre reage bem. Cruza a perninha, fica me olhando e respondendo a tudo, na língua dele é claro.

Como é que foi? Mas, como? Quem falou? E o senhor, o que acha? Viste aquilo? Vou te contar uma boa... Mas, oooolha... A partir daí vou desenrolar o novelo da comunicação. Observo que isso significa muito pra ele, porque demonstra que tem alguém atento, alguém ligado, alguém se importando de verdade, ouvindo de verdade. Essas experiências são sensacionais porque nos mostram que, no fim e ao cabo, isso vale para toda a vida, toda pessoa. Debruçar-se sobre ela, olhar nos olhos, estar atento e verdadeiramente em comunicação. Tenho sorte em ter aprendido isso...


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