Toda a tarde, quando chego a casa, o pai já me espera no portão. Eu nem entro e ele já começa com o mantra: quero ir embora. Eu vou enrolando. Primeiro cumpro a rotina da limpeza. Limpar banheiro, trocar a roupa do dia, fazer a higiene. Tudo isso leva tempo, porque é preciso inventar mil e uma estratégias.
Depois, saímos, porque o ritual de abrir o portão e sair de casa já serve como um escape. Como não dirijo nem tenho carro, o jeito é caminhar. E agradeço aos deuses e deusas pelo fato de ele ser um homem forte, com o corpo ainda firme e as pernas rijas. Adora andar. Sempre foi assim. Aqui onde eu moro não tem aonde ir. Nenhuma praça, nenhum parque, a praia fica longe para ir andando. Então, o único lugar possível é o mercado. São mais ou menos uns 600 metros da casa até lá, trecho que cumprimos em uns 40 minutos para ir e outros tantos para voltar.
Andando com ele, no passinho lento, tudo é motivo de parada. Um passarinho no muro, um gato, um cachorro, um avião que passa baixinho, um carro em alta velocidade, uma criança brincando, alguém que passa. Mas sua alegria mesmo é chutar coisas. Não pode ver uma pedrinha, um papel, uma tampinha de garrafa, uma bituca de cigarro, vai logo aplicando o bicudo. E ri às gargalhadas, como se fosse um grande feito.
Chegando ao pequeno centro comercial passa pelo barbeiro e fica olhando lá pra dentro até o Luiz acenar. Ele acena também, alegre. Ali é aonde vai a cada 15 dias para o ritual da barba. É bom, porque interage com outras pessoas. Depois entramos no mercado e compramos alguma coisinha. No geral é o cigarro, receita médica, que não pode faltar. As meninas já o conhecem e logo pegam o Hollywood vermelho e entregam direto na sua mão. “Guarda no bolso”, elas dizem. E ele fica bem faceiro.
Cumprido o roteiro, voltamos. E lá vem ele, tapado de meninice feito o Armandinho do Alexandre Beck, chutando tudo que vê pela frente. Não sem razão o bico do sapato é todo esfolado. Nesse passeio levamos mais de uma hora e quando voltamos para casa a ansiedade já diminuiu. Ele acende o cigarro e fica no alpendre, acarinhado os cachorros. A tarde cai, a barra da noite vai subindo e nós passamos por mais um dia.