sexta-feira, 30 de julho de 2021

O CESB e meu primeiro amor



Estudei no CESB no início dos anos 70. Era o maior colégio público de São Borja e muito bem gabaritado. Formar ali era certeza de um bom ensino. Lembro-me de cada dia naquele saguão imenso, com suas colunas redondas, e a efervescência do bar que ficava bem na entrada, no lado direito. Éramos adolescentes e a vida se descortinava como uma grande aventura. Meu curso era o Curso de Defesa Sanitária Vegetal e Animal e além das aulas normais de português, matemática, física, e outras do tipo, tínhamos as aulas específicas do curso técnico. Aprendíamos a fazer horta, e a conhecer as culturas do arroz, do trigo, a criação de gado ovino e bovino. Numa cidade como São Borja, repleta de estâncias, aquele era um curso bastante procurado. Nossas aulas práticas eram na Escola Técnica Viriato Vargas. Eram tardes incríveis as que passávamos lá. Foi numa dessas que aprendi a dirigir trator e era bem engraçado ligar o bichão, visto que eu era muito pequena e magrinha. Tinha de colocar o peso do corpo todo na embreagem, num esforço danado, que gerava gargalhadas nos guris. Inesquecíveis foram as aulas com o professor Moacir, uma criatura doce e adorável. 

Mas, além de todas essas boas lembranças da vida escolar o que o CESB me trouxe de mais lindo foi o meu primeiro amor. Eu era completamente apaixonada pelo astro do vôlei da escola, um guri lindo e enorme. Tudo platônico, claro, até porque eu era extremamente tímida, reservada e me achava feia, então não tinha esperança alguma de namorar o guri, visto que as gurias mais bonitas do CESB estavam sempre à volta dele. Poucas amigas sabiam da minha paixonite pelo lindo Paulo Lul: a Regina, a Luiza e a Cassiana. Só que não precisava ser muito esperto para saber, pois eu simplesmente acompanhava todos os jogos do time do CESB, inclusive quando era fora e organizavam-se excursões para a torcida. Torcedora número um. O Paulo era meu sonho de adolescente e eu simplesmente botei na cabeça que ou eu casaria com ele ou com mais ninguém. Claro que ele não sabia disso e nunca soube. 

Por conta dessa paixão eu sempre chegava cedo ao colégio, esperando vê-lo sair de sua casa, que ficava a meia quadra do CESB, e vir, com seu passo dançante na direção do portão. Todas as manhãs eram assim. Ele vinha, passava por mim e eu morria. Nunca me dirigiu um olhar, e eu o amava até a morte. Seguia seus passos nos jogos de vôlei, e nas tardes dos finais de semana, fazia minha irmã passar umas mil vezes em frente ao Clube Comercial onde ele sempre estava com os amigos, na esperança de vê-lo.

Fui embora de São Borja em 1977, logo depois de me formar no ensino médio e nunca sequer lhe roubei um beijo. Mas ainda sonhava em casar com ele. Sonho que se esvaiu numa noite de verão quando uma carta da amiga Cassiana contava que ele havia se casado. Eu já tinha 20 anos e ainda pensava que poderia encontrá-lo. A notícia do casório acabou com tudo e eu finalmente decidi abrir meu coração para outros rapazes. 

Muitos anos depois também soube que ele havia encantado, ainda bem jovem, e chorei por dias. Um sonho definitivamente perdido para sempre. Ainda assim, conservo até hoje uma foto dele, que comprei na Foto Madrid, provavelmente tirada num carnaval. Era comum as fotos ficarem expostas na frente da loja para que as pessoas se achassem. Eu o achei e guardei pra mim. 

Hoje, passados tantos anos, ainda volto a essa foto com o maior carinho do mundo, pensando no beijo que nunca roubei e na jura secreta que nunca fiz. 

Por isso e muito mais, o CESB vive no meu coração, assim como o imenso e lindo Paulo Lul (na foto, é o que está agachado).




terça-feira, 27 de julho de 2021

Covidagrobussinespopvideofinanceiro


Muito se fala da pandemia. O vírus novo que apareceu na China e se espalhou pelo mundo todo, causando morte e sofrimento. Um vírus que provoca uma doença feroz, capaz de deixar sequelas inimagináveis. Todos os dias, na TV, nos jornais, na internet, acompanhamos os números de infectados, de mortos, de recuperados, vacinas. No Brasil, onde já passamos das 500 mil mortes, temos até uma CPI para investigar o papel do governo federal no não/enfrentamento da pandemia. Mas, pouco se diz das causas. O que, afinal, provocou o aparecimento de um vírus tão mortal? 

O professor Gilberto Felisberto Vasconcellos tem uma teoria. Para ele as causas podem ser encontradas no tipo de agricultura que o capitalismo produz. Ele lembra que os seres humanos não conseguem mais escapar de uma rotina cotidiana que é o caminho entre o supermercado e a farmácia. Segundo ele, estamos presos nisso. As mesmas empresas que produzem sementes são as que produzem veneno e produzem remédio. Ou seja, os remédios são criados para enfrentar os males provocados pelas sementes e pelos venenos. É uma cadeia muito bem articulada. 

O agro é pop, diz a propaganda na TV. E é assim que a ideologia do capital vai tentando convencer a população de que aquilo que é produzido no latifúndio é bom para todos. Não é. “A origem do coronavírus está no sistema agrobussines”, diz Gilberto. Um sistema que é sustentado pelo petróleo e que apenas visa o lucro para alguns. A comida que vem daí é só um efeito colateral. E também não importa a essas empresas que a comida seja envenenada, que os frangos estejam entupidos de hormônios, que os peixes recebam antibióticos e que os grãos e vegetais estejam encharcados de pesticidas. Isso é bom porque ajuda a indústria farmacêutica. A população que se dane. 

Assim, para combater os efeitos dos venenos ali está a drogaria. E ela é a que vai fornecer o remédio para o câncer, o diabetes, o coração, a pressão alta e tudo mais que é gerado pelo modo de produção do capital. Uma jogada de mestre. 

O novo vírus junta a economia com a epidemiologia, em mais uma onda geradora de lucro. “O contágio da gripe está ligado ao contágio do capital. Vivemos uma gripe agrofinanceira. O agro é pop. O pop é money. O agro é pix, petróleo, CO2 e céu sujo”.

Gilberto lembra que os pesticidas que envenenam a comida têm origem no Napalm, uma arma química usada no Vietnam. Isso por si só já dá conta do tamanho do problema. Não bastasse a disseminação do veneno pela agricultura e pecuária,  a terra inteira ainda vive o drama do desmatamento, da política de terra arrasada. Tudo é devastado para que entre o agropop.

Assim que não precisa ir longe para saber as causas da aparição de um vírus como esse. A causa é econômica, social, cultural. Está visceralmente ligada ao que comemos e como produzimos a vida. Logo, muito em breve teremos outra epidemia, e mais outra, e mais outra. Mais doenças, e mais dor. 

Sendo assim, a única vacina possível é a morte do capitalismo. Ou isso, ou seguiremos como zumbis entre o supermercado e farmácia.


A casa França

 


Fui ao centro, depois de séculos pandêmicos. O centro, meu céu, meu paraíso. Andei pelas ruas como uma deslumbrada turista, olhando cada pequeno detalhe, esperando encontrar os mesmos vendedores ambulantes, o afiador de facas, os entregadores de papéis. O que vi foi um centro diferente. Muitas casas de comércio fechadas, outros novos negócios, pouca gente circulando. Depois fui jogar beijos para o Cascaes, o Cruz e Sousa, a Antonieta, e descobri nos caminhos a belíssima arte do artista Bruno Barbi, com as personalidades negras da nossa cidade. Tristeza e alegria se misturando na cidade mascarada.

Meu destino principal era a Casa França, lugar onde vou exercitar minha meninice. Gosto de entrar ali e ficar perdida no meio dos bonecos de pelúcia. Tantos que nem sei. Tive uma surpresa. Agora existem duas Casa França. E uma delas com um andar gigante só de bonecos. Visita de horas. Junto comigo caminhava também uma guriazinha, que se maravilhava, como eu, com a profusão dos bonecos. 

- Mãe, isso aqui é o paraíso – ela exclamava, enquanto arrastava a mãe pelas prateleiras. 

Sim, é o paraíso. Ela está certa. 

Rodei as prateleiras tocando, afofando e cheirando os bonecos. Por fim, decidi por um sapo, pensando no Armandinho. Queria trazer para o pai, pois ele gosta de se agarrar em coisas como o pano de prato ou a toalha de mesa, e fica aferrado até dormir. Pensei que talvez um fofinho daqueles pudesse ter o mesmo efeito.  Dizem que a gente presenteia a gente mesmo naquilo que dá. E é verdade. Lá estava eu querendo dar o que me encanta. Que seja. Comprei.

Cheguei a casa e coloquei o sapo sobre o armário da sala, onde fica o som. Passou um tempinho e lá foi o pai agarrar o bicho. Não deu outra. Agarrou e ficou grudado. Na hora de dormir também levou o sapo para a cama. Agora o sapo tá aqui, muito bem acompanhado.

Fosse por mim, a casa seria uma arca de bichos de pelúcia. 

E a casa França segue sendo meu éden.