sábado, 12 de novembro de 2016

Sobre o 11 de novembro e os desafios da caminhada


Foto: Rubens Lopes 

Luís tem 19 anos e trabalha numa barbearia. Ele estava à porta, quando passou a caminhada dos estudantes e trabalhadores no 11 de novembro. Seus olhos tinham um misto de vontade de estar ali e assombro. Parei para conversar e perguntei se ele sabia sobre a PEC 55. Ele disse: “ouvi falar”. E a luta? “Esse pessoal só fica entre eles. Parece que não vê quem tá de fora. Olha só”, e apontou para o grupo que ia pelo meio da rua, dançando e cantando. “Era bom explicar, né? Mas, com calma, pra que a gente possa fazer pergunta, tirar todas as dúvidas”. 

Luís não terminou o ensino médio. Não deu. Teve de trabalhar. Tinha o sonho de ser engenheiro, mas sorri ao lembrar. Parece impossível. Comentei que a PEC empobrece ainda mais a vida da gente, inclusive na educação. Ele deu de ombros. Sua vida já está fodida mesmo. “Deixa isso (a luta) para os riquinhos”, finalizou.

No caminho pela Mauro Ramos, a marcha passou em frente a um bar. Dois homens bebiam cerveja e olhavam a algaravia com censura. Uma mulher, já mais velha, segurava a bolsa apertada contra o peito e acompanhava, também com olhos acusadores. Sorri para ela e falei: “É a luta contra a PEC da morte”. Ela franziu a boca e balançou a cabeça, em desaprovação. 

Das casas vez em quando assomava alguém à porta ou à janela e fazia sinal de positivo, ou aplaudia. Espectadores simpáticos, mas sem muita vontade de seguir o cordão. Na rua, a turma seguia entre cantorias e palavras de ordem. Parecia mesmo um rio tormentoso, seguindo sozinho, enquanto das margens, as pessoas assistiam apáticas ou admiradas.

De certa forma o garoto barbeiro tem alguma razão. Ainda que não seja coisa de “riquinhos” o primeiro ensaio da greve geral ainda não saiu do âmbito das entidades. Em alguma medida já tocou os estudantes – que estão em outro patamar – mas é certo que falta uma longa caminhada para chegar ao coração das gentes que estão fora do circuito sindical ou de movimento social organizado. 

O esforço dos sindicatos para se incorporar ao protesto ainda é restrito às diretorias e lideranças. A base não acompanha. Talvez seja o resultado de mais de 15 anos de adormecimento ou domesticação. Durante os governos de Lula e Dilma, esse foi um setor  que desaqueceu, seja por cooptação, seja por acreditar no projeto petista, seja por impossibilidades políticas. Os dirigentes abandonaram o trabalho de base. Claro que isso não serve para todos, mas para maioria com certeza. Bravos sindicalistas e lutadores sociais fizeram a crítica naqueles tempos estranhos, inclusive tendo dedos acusadores sobre si. 

Agora, é preciso voltar aos velhos tempos de militância sistemática na base das entidades. Quase uma reconstrução. Se os trabalhadores desorganizados não se sensibilizam pelas lutas sindicais, os que estão na estrutura tampouco. Preferiram deixar nas mãos dos dirigentes a solução dos problemas. Uma missão que não deveria ter sido aceita, afinal, os governos petistas não avançaram no sentido de garantir as demandas dos trabalhadores. Preferiram a conciliação de classe. A união com a burguesia nacional, apostando num mundo melhor para todos. 

Ora, não pode haver “mundo melhor para todos” no âmbito do capital. É da natureza desse modo de produção que para que um viva, outro tenha de morrer. Esse é um sistema assentado na violência de uma classe sobre a outra. É impossível compor acordos com aqueles que, na hora em que a água bate na bunda, não hesita em voltar ao reduto da classe dominante, seja porque é parte, seja porque é um servo voluntário. 

Francisco Martins Rodrigues, num texto sobre os equívocos do leninismo europeu, no qual mostra que se está a 80 anos enterrando Lenin, afirma que ao longo dos tempos  a ideia de socialdemocracia foi contaminando os socialistas-leninistas, fazendo com que fossem deturpando as ideias do grande pensador russo. Opções pela governabilidade, alianças espúrias em nome da unidade, afastamento da base, escolhas políticas equivocadas, tudo isso foi deixando para trás uma das máximas de Lenin: “Devemos ajudar o proletariado a elevar-se do papel passivo de motor ao papel ativo de guia, a passar  de defensor subalterno de uma liberdade truncada a defensor totalmente independente de uma liberdade completa, em proveito da classe operária”. 

Essa é uma tarefa que temos de recuperar. As gentes que olham perplexas as marchas e as ocupações precisam de informações bem mais musculosas, para além dos panfletos de agitação. Até aqui, ao que parece, o consenso criado pelos meios de comunicação massivos está vencendo. A televisão, repetindo à exaustão a ideia de que quem luta é baderneiro, terrorista e agitador, leva vantagem sobre nossa comunicação fragmentada e pouco formativa, perdida de totalidade.  Adelmo Genro Filho já dizia: um texto precisa transitar da singularidade para o universal. As pessoas não são burras. Se houver informação de qualidade, capaz de dar conta da totalidade do problema, as ideias avançam.

A batalha da comunicação é estratégica e decisiva. Se não for dada a devida atenção, a mais-valia ideológica que é extraída dos trabalhadores a cada noite em frente à TV, seguirá cumprindo seu nefasto papel. 

É preciso construir as marchas, sim. São simbólicas, são energizantes, são fundamentais. Mas, é preciso também que essas marchas se transformem em pequenas e incalculáveis colunas  dispostas a travar a batalha no cara-a-cara, na conversa demorada, na formação continuada. É como o rio extrapolando suas margens, deixando de correr sozinho para misturar-se ao território em incalculáveis cursos de água, irrigando e preparando a terra. 

O movimento secundarista tem dado boas lições. Eles se voltaram para dentro das escolas e lá estão tentando entender o mundo, juntos, em comunhão, um apontando o caminho para o outro, amalgamando as veredas, inventando novos cursos. Vivenciam cotidianamente, na necessidade da organização da vida prática, a política real. Estão construindo novas práxis e sabem muito bem quem são os inimigos e os adversários. Não contemporizam nem esperam governabilidade. Respondem na ação direta e decidem na democracia participativa. Seria bom aprender com eles. 

Hoje, vivemos tempos duros, nada líquidos, e é preciso dar respostas criativas e inventivas. É Simón Rodríguez, clamando, das brumas do nascimento de nossa América, pela necessidade de inventar a partir de nossa própria experiência. Somos latino-americanos, brasileiros, vivemos num determinado espaço geográfico, na periferia dependente do capital. O que, então, podemos propor, que não seja imitar o centro? Respostas novidadeiras, com nossas caras mescladas de índio, branco e negro, forjadas na luta renhida. 

É fato que a luta contra a PEC 55 não é a mãe de todas as batalhas. O combate definitivo é contra o capital. Mas, é de batalha em batalha que se vence a guerra, e vamos avançar, porque estacionar a vida das gentes por 20 anos é coisa que mobiliza. Só que essa peleja tem de ser travada com o olho na totalidade do processo. Nossa indignação tem de tocar também o coração do barbeiro Luís, da mulher com a bolsa apertada ao corpo, dos homens que bebem cerveja no bar, de todos aqueles rostos desesperados dentro dos ônibus urbanos. Dancemos nas ruas, mas sejamos também capazes de estender os laços para além do curso, enlaçando amorosa e comprometidamente essas almas igualmente grávidas de revolução. 

O caminho para isso, vamos construindo. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Pós do Serviço Social e a PEC


Nota de posicionamento dos estudantes do Programa de pós-graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Nós, estudantes da pós-graduação em Serviço Social da UFSC, considerando a conjuntura e os processos históricos de movimentos golpistas seculares arquitetados pelas oligarquias que se mantém no poder, que coadunam com o acirramento das desigualdades e superexploração da classe trabalhadora, nos posicionamos contrárixs às tenebrosas ações e medidas em curso pelo governo golpista de Michel Temer, que colocam em cheque a, já restrita, democracia brasileira. Dentre elas destacamos a PEC 55 e a proposta de reforma da previdência que, fogem à legitimidade da Constituição Federal e se apresentam como um verdadeiro desmonte dos parcos direitos sociais garantidos pela classe trabalhadora, afetando radicalmente direitos básicos da população brasileira. Tais propostas visam atender aos mais escusos interesses do capital financeiro e das elites nacionais às custas do cancelamento de qualquer perspectiva de melhorias na vida dxs trabalhadorxs.

A Reforma do ensino médio e PL “escola sem partido”, promotoras do protagonismo do setor privado e instituídas sem debate prévio com a sociedade, constituem-se contra os interesses dos setores mais marginalizados da sociedade. Em consonância com a PEC 55, a MP 746 utiliza-se do discurso de “crise” com o propósito de enxugar gastos públicos com a Educação. Sob o discurso de livre escolha dos estudantes, fragmenta-se o Ensino Médio em “itinerários formativos específicos” e retira-se a obrigatoriedade de disciplinas fundamentais para o desenvolvimento integral dos estudantes, tendo por objetivo a formação precária dxs filhxs da classe trabalhadora para uma inserção laboral igualmente precária. O projeto que reivindica uma “escola sem partido”, sob a alegação de que há doutrinação no ambiente escolar, é na verdade é uma tentativa de bloqueio às perspectivas de educação crítica, diversa e includente e a imposição de um ensino conservador e tecnicista.

Posicionamo-nos veementemente contra o uso do poder coercitivo do Estado, empregado tanto pelo governo federal, como pelos governos estaduais e municipais. O monopólio do uso da força - prerrogativa tradicional do Estado - vem sendo usado de forma desmedida sem nenhum tipo de proporcionalidade ou justificativa. O uso de violências, ameaças, constrangimentos e a criminalização de movimentos sociais só constrói a certeza de que este é um governo autoritário de exceção e que repudia fortemente qualquer manutenção do Estado Democrático de Direito ou perspectiva ligada aos direito humanos e sociais.

Evidenciamos nosso apoio à todas as organizações que se articulam contra a manutenção do processo golpista e fundamentalista em curso. Com destaque para as ocupações realizadas por estudantes secundaristas e universitários; aos movimentos dos professores, técnicos e demais trabalhadores da educação. Apoiamos e nos somamos à paralisação nacional neste dia 11 de novembro e reforçamos a necessidade da construção de uma greve geral, pois esta é um instrumento legítimo de luta da classe trabalhadora, a qual pode nos possibilitar, para além do enfrentamento das demandas imediatas, um processo de reflexão e de reconstrução da perspectiva da classe trabalhadora na sua tarefa histórica de transformar esta sociedade. 

Diante de tais processos, cabe a nós, como classe trabalhadora, reconhecer e reivindicar a necessidade histórica da luta, sabendo que ela será árdua e que seu horizonte não se restringe apenas às pautas imediatas, deve visar sempre a construção coletiva e popular de uma sociedade livre de toda superexploração e opressão que nos golpeia há séculos.

Florianópolis, 11 de novembro de 2016.
Estudantes do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - UFSC.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

99 anos da revolução russa








Estive na Rússia em 2014 e três coisas me marcaram profundamente. A primeira delas foi o retorno da religião institucionalizada. A igreja Ortodoxa recuperou cada templo, reergueu os que foram destruídos e cresce de maneira incrível em número de fiéis. O circuito turístico das igrejas é o que mais atrai estrangeiros.

A segunda foi observar o quanto o povo que vive no interior, nas pequenas cidades, ainda se lembra com saudade dos tempos do "comunismo". Coloco entre aspas porque o que havia na União Soviética ainda não era o comunismo, e sim um processo de transição que sequer cumpriu o programa socialista. Mas, para os camponeses, o que chamam de "comunismo" foi a melhor coisa que aconteceu. Segundo eles, nas geladas terras da Rússia, sem subsídio para a agricultura não há como produzir. Por isso, hoje, o campo está se esfacelando. Andando pelas rodovias é fácil de ver. As casas apodrecem e os camponeses são obrigados a abandonar suas terras. Aí, o que acontece é que os novos ricos, da cidade, compram casas no interior, apenas para passar temporadas de férias. Na nova Rússia, capitalista, não há muita chance para os pobres. 

A terceira coisa é a memória de Leningrado - a cidade que resistiu ao cerco dos nazistas por mais de 900 dias. Foi essa gente incrível que enfrentou, sem armas, com os próprios corpos, o avanço das tropas de Hitler. E venceu. Foi esse povo que conformava as repúblicas socialistas soviéticas que realmente parou o avanço nazista, foram os que venceram a guerra. A máquina de propaganda dos Estados Unidos, sempre poderosa, criou o consenso de que a vitória chegou com o desembarque da Normandia. Mas, basta uma leitura mais acurada da história, e logo se descobre que sem a frente russa, nas geladas terras do norte, Hitler teria vencido.  

Agora, nesse novembro, a Rússia celebra os 99 anos do triunfo da revolução iniciada em 17 de outubro, que rompeu com o atraso e ousou propor outra forma de organizar a vida. Fico aqui a imaginar o contraditório mosaico de sentimentos que deve assomar na alma daquela gente incrível. Muita mágoa em relação ao "comunismo" pela destruição das igrejas e da tentativa de apagamento da fé, e ao mesmo tempo essa nostalgia, principalmente no campo, de um governo que priorizava os mais pobres e garantia a sobrevivência dos agricultores. 

Não é sem razão que o partido Comunista ainda segue tendo bastante força por lá, com seus filiados crescendo a cada ano. Se o socialismo não cumpriu o que prometera, o capitalismo certamente não é o espaço de respostas para o povo russo. 


Manifestação do Partido Comunista no dia 07 de novembro

Trump na presidência dos EUA


Nenhuma surpresa na vitória de Trump. Os Estados Unidos construíram esse momento. A arrogância do império forjou uma população cada vez mais xenófoba, isolacionista, racista. Agora, tudo isso se volta contra eles mesmos. provarão do próprio veneno. Por outro lado, Trump é apenas um gerente do capital - verdadeiro governante. Fará o que for seguro para os investidores, seguirá a cartilha das Fundações milionárias que comandam a vida no país e atuará internamente com suas pautas reacionárias até enquanto não prejudicar os interesses do sistema. Se pisar na bola com as grandes corporações, será eliminado, tal qual ele eliminava os "maus gestores" no seu show de TV. Vai se enquadrar direitinho. Não é à toa que é um bilionário. Não jogará contra ele mesmo.

De resto seguirá a mesma política de imperialismo, expansionismo e dominação sobre as demais nações. Clinton faria igual ou pior. Os estadunidenses viverão dias duros, mas poderão crescer com isso. Como nós, aqui no Brasil, estamos avançando apesar dos ataques. Aos trabalhadores restará fazer o que sempre fizeram. Resistir, lutar e avançar, até que se conquiste o grande meio-dia. Não há nada de novo sob o sol.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O pai do Armandinho



Sempre tive medo de conhecer pessoalmente pessoas que admiro. Aquele terror de me decepcionar. A pessoa sendo tão diferente de sua obra. Muitas vezes me descabelei de tristeza. Felizmente não foi assim com o Alexandre Beck, o pai do personagem que considero um dos mais importantes dos últimos tempos no Brasil: Armandinho.

Alexandre é um amor. Carrega no corpo de homem toda a ternura criancística do personagem que criou. É doce, é querido, é terno, é lutador, está sempre ao lado das causas da maioria. Trata com profundo respeito e carinho a gurizada que adora o seu Armandinho. É atencioso com todos os fãs, sempre com um sorrisão, ainda que meio tímido, no rosto.
  
Para nossa alegria Alexandre voltou a morar em Florianópolis e agora poderemos encontrá-lo nos lugares onde se movimentam as gentes, sempre com aquele olhar atento e o lápis em riste. Semana passada o encontrei na universidade, caminhando com seu filho, que faz engenharia na UFSC. Passara pelas ocupações e buscava pelo campus espaços de conhecimento: “a gente sempre tem o que aprender”.

Tirou da bolsa o “Armandinho 9” e me deu. E eu fiquei saltitando de alegria, doida para sair pulando poças d´água, como faz o personagem mais querido do Brasil. O Armandinho é essa brisa de pureza, ternura e força. E o Alexandre é igual.

Gracias, Alexandre. Por seres quem tu és.