quinta-feira, 12 de março de 2020

A reforma agrária dá certo

Fotos: Juliana Adriano/MST


Desde que em 1985 um grupo de agricultores sem-terra decidiu ocupar terras da união ou improdutivas para forçar a reforma agrária que o Brasil passou a conhecer o Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra: o MST. Naqueles anos de fim do regime militar e de recomeço da frágil democracia brasileira, os sem-terra eram demonizados: bandidos, baderneiros, subversivos. Para a mídia comercial nada mais eram do vagabundos roubando terra alheia. E, para eles, o que estava reservado era a polícia, a prisão, a violência, a difamação. 

Mesmo assim, milhares de famílias que já não tinham nada a perder decidiram engrossar as fileiras do movimento e as ocupações de terra foram crescendo em todo o país. A primeira grande ocupação, a Fazenda Annoni, no interior do Rio Grande do Sul, chegou a abrigar mais de seis mil pessoas numa imensa cidade de lona, em luta e em resistência.

A partir daí o Movimento só cresceu e hoje está organizado em 24 estados do país. Nesses 35 anos mais de 350 mil famílias saíram da condição de acampados sem-terra e conquistaram a terra produzindo coletivamente nos assentamentos do MST. Esse tem sido o desafio dos agricultores: produzir, apesar de todas as dificuldades que são colocadas para eles. 

Como é sabido o Brasil tem cantado loas para o agronegócio - que é a monocultura do grão ou o latifúndio da pecuária - mas muito pouco investe na agricultura que realmente produz comida para a mesa dos brasileiros. Cada avanço nas políticas para os pequenos produtores tem de ser conquistado na luta renhida, coisa que nunca faltou ao movimento sem-terra. E muitos dos programas que existem hoje para o pequeno produtor são fruto dessa luta.

É assim que, na batalha cotidiana, o MST vai fortalecendo sua produção e suas cooperativas. Tem profunda ligação com a agroecologia e procura produzir sem o uso do agrotóxico, acabando assim com o mito de que é impossível uma agricultura em escala sem o uso de veneno. A vitória da agricultura sadia é possível de ser notada no fato de o MST ser, por exemplo, o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Isso não é pouca coisa. É fruto do modo de produção sustentável e solidário construído pelo movimento.

Desde o ano passado que o novo governo que ocupa o executivo federal vem desmontando as políticas para a pequena e média agricultura. Isso passa pelo fim de programas de crédito e pelo investimento massivo apenas no agronegócio. A agricultura familiar está cada dia mais perdendo os poucos benefícios que conquistou. Além disso, a destruição do Incra, órgão responsável pela condução das políticas de reforma agrária, acaba por também inviabilizar a continuidade de programas que garantem novas terras para novos assentamentos. A reforma agrária, que não aconteceu em sua inteireza, segue sendo um sonho. São mais de quatro milhões de famílias sem terra querendo produzir sem ter como fazê-lo porque as terras estão concentradas nas mãos de pouco mais de dois mil grandes proprietários.

E é justamente para mostrar como a reforma agrária pode dar certo que o MST realiza sistematicamente suas Feiras Estaduais visando dialogar com os trabalhadores urbanos sobre a importância da produção de comida saudável. Assim, quando chega o tempo da feira, o movimento vem para a cidade e finca suas bandeiras no espaço urbano para vender os alimentos e para discutir em profundidade com parceiros e sociedade em geral temas como agroecologia, reforma agrária e soberania alimentar.

Nesse ano de 2020 a Feira Estadual acontece nos dias 16, 17 e 18 de abril, no largo da Alfândega da capital. O lançamento da proposta foi feito na Assembleia Legislativa, em Florianópolis, nesta quarta-feira, dia 11 de março, e contou com a presença de autoridades, sindicalistas, movimentos social urbano e apoiadores. Foi tempo de discutir a nova conjuntura que se apresenta e mostrar os frutos colhidos pelas lutas e pela organização dos trabalhadores sem-terra. 

O processo de destruição das conquistas sociais está em curso e é mais do que hora da união do campo e da cidade. O MST sempre esteve nessa batalha, compreendendo que muitos dos sem-teto urbanos são companheiros que tiveram de deixar o campo, as cidades do interior, para buscar uma forma de sobreviver nos grandes centros. Por isso, cada dia mais, a aliança operário/camponês se faz necessária. Os trabalhadores, juntos, construindo o mundo novo, que não é o do capitalismo reformado, mas o do socialismo. 








Sem-Terra e Sem-Teto juntos na luta



O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra esteve nessa quarta-feira (11 de março) na Ocupação Marielle Franco, onde famílias sem-teto lutam por moradia. Os trabalhadores do campo foram prestar solidariedade concreta aos moradores auxiliando na construção de caminhos e também plantando árvores frutíferas e ornamentais. Eles ainda fizeram um recorrido por outras ocupações e comunidades de periferia da capital conhecendo a realidade e dialogando com os moradores.

Assim como os moradores das ocupações urbanas, os trabalhadores rurais, a maioria acampados, também lutam pelo direito à terra, seja para plantar ou morar. Por isso, o MST decidiu realizar esse encontro visando a troca de experiências para que cada grupo - urbano e rural - possa melhor compreender a situação de cada luta.

No sábado, os trabalhadores do campo juntam-se novamente aos trabalhadores urbanos e às comunidades de ocupação para a realização da Caminhada de Justiça por Marielle Franco, a vereadora carioca cujo assassinato ainda não foi devidamente desvendado.

A caminhada sai da ocupação Marielle, no alto da Caieira do Saco dos Limões, passa pela comunidade do Mont Serrat e segue pelo centro até a Catedral. Ela também lembra os 30 anos da primeira Romaria da Terra realizada em conjunto pelos Sem-Terra e os Sem-Teto na capital catarinense realizada em 1990, justamente num período no qual as ocupações urbanas estavam em ascensão.

Morar com dignidade e ter o espaço para produzir comida parece algo cada vez mais distante dentro do processo de produção capitalista. Mas, ainda assim, as gentes se movem, lutam e avançam. Sabem que não haverá transformação dentro do capitalismo, por isso discutem e constroem a possibilidade de uma outra sociedade na qual nem a casa nem a terra sejam objetos de especulação. É uma batalha dura e demorada, mas cada passo do caminho vai palmilhando a estrada para o mundo novo.






A luta do campo e da cidade


O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra está realizando uma série de atividades na capital, Florianópolis. E a principal delas é a articulação com o Movimento pela Moradia, com a visita às ocupações, as rodas de conversa e a participação da caminhada que acontece no sábado, lembrando os 30 anos da primeira grande Romaria realizada entre o MST e o o Movimento pela Moradia. Um trabalho sistemático que vem sendo feito e que volta a se aprofundar em função da nova leva de ocupações urbanas e o desmonte das políticas para os assentamentos que tem produzido novos sem-terra. A aliança campo e cidade se fortalece.

A caminhada de sábado sai da Ocupação Marielle às 9h e 30min, atravessa o Mont Serrat e se concentra na frente da Catedral. Será mais um momento histórico importantíssimo de união das lutas rurais e urbanas. Há 30 anos, com a presença de Dom José Gomes, o MST e as ocupações iniciavam esse caminho.  Passadas três décadas, a uião segue sendo a receita para enfrentar o capital.