domingo, 24 de março de 2024

Memória do Carnaval

O livro de Alzemi Machado "O carnaval das grandes sociedades em Desterro/Florianópolis 1858 - 2011" recebeu o Prêmio Patrimônio Cultural do Carnaval, organizado pela Oficina Crítica do Carnaval. O autor fala sobre o prêmio, o livro e a importância da leitura. A entrega será no dia 26 de abril, às 17h, no Museu Histórico de Santa Catarina.

sábado, 23 de março de 2024

A minha cidade

Foto: Rubens Lopes

Hoje Florianópolis está de aniversário. Meiembipe, minha cidade. Lembro quando cheguei aqui com minha mochilinha verde, alguns caraminguás e o sonho de, finalmente fazer faculdade. Meu primeiro lugar foi o dormitório Cruzeiro, lugar de encontros fortuitos, de cuja janela via passar a Lurdinha com sua caixinha de fósforo. A Conselheiro e sua fauna. O mercado público. Desde aquele março de 1987 até hoje minha vida tem sido batalhar por esse lugar, para que seja bom para mim e para toda gente que vive aqui. Vinda das fileiras do MST logo me vinculei ao movimento pela moradia e vi nascer a maioria das comunidades da periferia. Monte Cristo, Chico Mendes, Vila Aparecida, enfim... Com Padre Vilson recorrendo os morros e veredas dos perdidos. Estive na prefeitura do Grando/Afranio, construí o Orçamento Participativo, sonhei esse lugar melhor. Aqui encontrei meu amor. Aqui tenho partilhado amigos queridos. Já se vão mais de três décadas de vida vivida, flanando pelo centro amado, fruindo o Campeche. A foto abaixo define minha relação com a cidade : uma mulher que ama esse lugar e por ele luta. Para que siga sendo lindo e sendo rede onde possamos descansar nossos corpos rotos de batalhas. Uma cidade para os trabalhadores, para os que realmente a fazem, no cotidiano dos dias. Te amo, cidade... Te amo loucamente...

sexta-feira, 22 de março de 2024

Os dramas do Restaurante Universitário


O restaurante universitário da UFSC serve cerca de 10 mil refeições por dia. Sua capacidade foi planejada – em 2011 – para cinco mil, o que já complica. Além disso, a manutenção das instalações, que deveria ser frequente e sistemática, foi abandonada nos últimos anos em função da vertiginosa diminuição dos recursos do governo para as universidades. Tudo isso acaba desembocando em relações muito precárias de trabalho. Não é de hoje que os trabalhadores vêm reivindicando melhorias nas instalações, pois além de se preocuparam com suas próprias condições sabem que o usuário também acaba sofrendo. É fato que as coisas no serviço público são mais lentas. Tudo precisa ser licitado e há que ter recursos. Mas, se há planejamento, a coisa flui. Também é fato que a pandemia complicou demais as coisas e que a última gestão perdeu a mão. Só que agora é preciso dar respostas aos problemas ou então o RU vai fechar. 

Nesta quinta-feira os trabalhadores em greve ocuparam o RU justamente para colocar às claras os dramas que se desenrolam para além da aparência. Enquanto as refeições seguem sendo servidas, lá dentro, os trabalhadores vivenciam situações limite, pois, como já foi dito a cozinha foi projetada para cinco mil refeições e prepara dez mil. Todos os dias são manejados e distribuídos mais de uma tonelada de carnes, 400kg de feijão, 500kg de arroz, além das outras preparações do cardápio. O que ninguém sabe é que para amaciar um bife há que ter equipamento em quantidade suficiente e operando bem, assim como a comida quente no balcão precisa de maquinário adequado. 

Para que a comida esteja saudável as condições higiênico-sanitárias precisam estar em dia. Não estão. Há sobrecarga das instalações causando frequentes entupimento das tubulações. Isso gera sujeira no chão e faz com que o esgoto brote, atingindo as áreas de manipulação de alimentos. Vem o mau cheiro e o risco para a saúde dos trabalhadores. Como trabalhar assim? 

Uma boa olhada na cozinha e já se vê que o piso está se desfazendo, porque a manutenção não acontece. A área de carga e descarga amiúde está invadida pelo esgoto porque as tubulações estão entupidas, o que ajuda na proliferação de insetos e roedores. Risco para os trabalhadores e para os usuários. 

Atualmente o RU tem um número bastante grande de trabalhadores terceirizados (mais de 100), visto que alguns cargos importantes para a manutenção da cozinha foram extintos. Ainda assim, restam cargos que são chaves na cadeia de produção do alimento, como é o caso das nutricionistas, só para dar um exemplo. Isso significa que só com terceirizados o RU não pode funcionar. Daí a importância de se pensar o RU como um todo, focando sempre na qualidade do ambiente onde todos esses trabalhadores atuam.

Agora, aproveitando a greve, os trabalhadores do RU paralisaram por um dia para tornar visíveis suas reivindicações, tais como o redimensionamento das redes de esgoto e elétrica, reparos no telhado da área de produção, almoxarifado e vestiários dos funcionários. Reparos para resolver goteiras e infiltrações nos banheiros, vestiários e na área de produção e estoque de alimentos. Manutenção do ar condicionado do refeitório que não tem dado conta nesses dias de intenso calor. Climatização da cozinha, que é extremamente quente por conta dos equipamentos de cocção, e que torna exaustivo ao extremo o trabalho. Climatização do almoxarifado para evitar proliferação de insetos. Manutenção preventiva dos equipamentos. Criação de novos espaços para o preparo e distribuição de alimentos no campus, visando diminuir as imensas filas. Contratação de mais trabalhadores, pois se aumenta o número de refeições o quadro não acompanha gerando sobrecarga.  

Estas são algumas questões que estão na pauta. A principal delas é a garantia de um alimento saudável e de qualidade que está em risco nas atuais condições. Os trabalhadores sabem que o governo federal diminuiu ainda mais os recursos para as universidades e por isso estão em luta. Querem recuperar os salários, melhorar o plano de cargos, mas fundamentalmente lutam pela valorização das universidades, abandonadas nos últimos governos e também no atual. 

Sabem que é duro fechar as portas, mas também sabem que se não forem resolvidos esses problemas estruturais não demorará muito para que o RU seja obrigado a parar por absoluta falta de condições. Por isso apontam que toda a energia dispendida para “xingar” os trabalhadores seja voltada para o governo, exigindo uma proposta séria na mesa de negociação e mais recursos para as universidades. 



terça-feira, 19 de março de 2024

A greve e o HU



A universidade tem sofrido muito ao longo dos anos com o descaso dos governos, um após o outro diminuindo orçamento, extinguindo cargos importantes, enxugando a máquina pública para dar espaço ao privado dentro das IFES. Quando vem a greve isso fica muito mais claro. Passando de setor em setor, conversando com os trabalhadores, o que se observa é a precarização sempre crescente nas condições de trabalho. Estrutura decadente, falta de pessoal, um drama cotidiano que, no mais das vezes, adoece o trabalhador. Dezenas estão solitários nos setores, fazendo o trabalho de duas ou três pessoas, ou cercados de bolsistas que, de maneira irregular, acabam fazendo serviço de técnico. Tudo isso impacta negativamente no processo de trabalho e no atendimento, mas na aparência, a universidade está de pé. 

Mas, se há algo que realmente impressiona é a situação do Hospital Universitário. Os relatos dos trabalhadores sobre a degradação dos serviços são assustadores. E, claro, tudo isso se aprofundou com a entrada da EBSERH, certamente a decisão mais perversa do governo do PT que cresceu no segundo mandato de Lula e foi efetivada no governo de Dilma Roussef em 2011. Uma fundação privada para administrar hospitais. Ora, o que quer uma fundação privada? Lucro! E como lucrar com a saúde? Essa pergunta nós, que fizemos a luta contra a Ebserh, respondemos muito claramente: serviços precários, foco na doença, salários baixos para os trabalhadores e muito, mas muito risco para os pacientes. 

Quem lutou contra a Ebserh sabe. A UFSC realizou um plebiscito e mais de 70% votaram contra a entrada da Fundação no HU. A comunidade sabia que seria o fim do serviço de excelência que sempre fora prestado pelo Hospital. Mas, na época, a reitora Roselane Neckel, decidiu ir contra a decisão da comunidade e chegou a levar a votação do Conselho Universitário para dentro da Polícia Militar. Foi um dia triste. Não tivemos acesso à votação e ficamos no portão da PM enquanto lá dentro os conselheiros que entraram decidiram por aderir à Ebserh. 

Hoje, ouvindo os relatos dos trabalhadores sobre a precariedade do trabalho o assombro vem, não por não saber, mas justamente porque sabíamos e não conseguimos vencer essa batalha. Setores sendo sustentados por uma única pessoa, que adoece e não consegue nem se tratar dentro do próprio hospital. Que precisa pagar para cuidar da saúde que foi destruída pelo excesso de trabalho. Espaços que deveriam ter enfermeiros funcionando só com técnicos de enfermagem, relatos desesperados de trabalhadores veteranos que assistem o hospital desmoronar, relatos emocionados de jovens trabalhadores que percebem os absurdos e não conseguem mudar. Um drama que ultrapassa o limite do absurdo.

E aí está a greve e muitos trabalhadores do HU querem parar. Porque precisam viver e porque querem que o HU volte a ser o que era: um hospital referência no atendimento. É uma batalha de vida ou morte, tanto dos trabalhadores quanto do povo da cidade que precisa de cuidados. O HU tal como está é uma sombra do que foi. A Ebserh propõe metas, busca lucro. Não é essa missão de um hospital vinculado a uma universidade pública. A greve da UFSC coloca à nu as chagas abertas do nosso hospital. É grave e à beira do terminal. Os gestores dizem: os trabalhadores não podem parar. 

E o que se pode dizer é: eles devem parar, em nome da vida.

Para além da mobilização que acontece hoje por conta do movimento, uma coisa fica absolutamente clara: é preciso reverter essa perversidade que se chama Ebserh. O HU precisa voltar a ser público. Uma batalha que não é a da greve, mas que deve ser a do resto de nossas vidas. Em nome das vidas de toda gente. 

Encantou o furioso



Foi assim. Dois dias depois da aventura da missa de sétimo dia do pai, o furioso decidiu encerrar sua história conosco. O furioso é o Fiat Uno que esteve com a gente quase  15 anos e viveu todo o processo da doença do pai. Ele entrou para a família pela mão do Rubens Lopes que adquiriu ele de quinta mão. Já era bem caidinho e tanto que uma vez ele foi furtado da frente da casa dele e logo em seguida achado. Os ladrões viram que era roubada ficar com o fiatizinho e abandonaram o carro com uma caixa de ovo atrás, de presente, tipo dizendo: desculpa aí, fiquem com esses ovos. 

O Rubens vendeu o Fiat para o Renato para que ele pudesse ir e voltar da faculdade mais ligeiro e quando o pai chegou acabou sendo uma mão na roda, pois o Renato tinha a missão de cuidar. Aí, ter o carro era bom, pois ele podia se mexer com mais agilidade já que depender de ônibus na cidade é a treva. Foi apelidado de furioso porque era velhinho, mas valente. A lataria tinha furos por toda a parte, que o Renato remendava com camadas e mais camadas de fita crepe, e chovia dentro  do carro mais que na rua. Ninguém se importava.

Mesmo baleado o Furioso foi com Rubens e Renato para Minas Gerais, embrenhado nas estradas do serrado e do sertão. Dias e dias até João Pinheiro e Pirapora, passando pela nascente do Rio São Francisco e cruzando estradas impossíveis, sem deixar ninguém na mão. Pulando feito cabra, mas firme na paçoca. Foi com uma mudança de amigos e voltou com o bagageiro cheio de cachaça. 

Em 2015 viajamos com ele para o Uruguai: Renato, Rubens, Antônio e eu. Fomos fazer o caminho do êxodo do povo oriental. Cruzamos Santa Catarina, o Rio Grande do Sul inteiro e demos a volta no Uruguai no rastro do Artigas. O Furioso firme. Depois de mais de 15 dias de aventura nas estradas voltamos para a ilha, o Furioso bufando. Pois não é que ele parou bem no Rio Tavares, em frente à oficina do seu Valdir? Parece que ele sabia que ali era o lugar. Foi só puxar para o outro lado da rua. Tivemos de esvaziar o porta-malas e deixá-lo lá, na mão do mecânico. Mas ele chegara até quase em casa. Não nos deixou na mão.

Nos oito anos de cuidados com o pai o Furioso foi companheiro levando e trazendo o seu Tavares no Posto de Saúde, na UPA, no hospital, levando para passear na Lagoa do Peri, no Zeca, pra comprar pamonha, no Centro, em todo o lugar. Serviu também para que o Renato fosse e voltasse para a Udesc na interminável batalha de encerrar a graduação. Dois valentes. 

O Renato se formou no dia 28 de fevereiro, fechou o livro da Udesc. O Furioso acompanhou a colação de grau lá no Pedro Ivo.  O pai encantou no dia primeiro de março e o Furioso ainda nos levou até a Igreja da Trindade para a missa de sétimo dia. Dois dias depois o Renato foi fazer um serviço e na volta para a casa o Furioso parou. Não havia mais conserto. Seu Valdir ainda foi lá vê-lo embaixo do viaduto, mas o diagnóstico era de morte. O Furioso não voltaria mais. 

Hoje, o Rubens deu baixa no Furioso lá no Detran e nós relembramos sua vida conosco. Sentamos no alpendre, sob as estrelas, celebrando sua existência com algumas cervejas. Havia tristeza, afinal, foram muitas coisas se acabando nestes dias. Mas, ao mesmo tempo, fomos levantando as lembranças, recordando as aventuras, rindo das histórias que foram voltando ao coração. O Furioso cumpriu um lindo destino aqui em nossa casa, com nossa família. Era um carro velho, feito de lata e aço. Ainda assim parecia ter espírito. Sei lá, era um Tavares. Agora, enquanto escrevo, choro. Com ele vai um pedaço de nós. É outra grande perda... E dói.

segunda-feira, 18 de março de 2024

A batalha da graduação

Meu sobrinho Paulo Renato Venuto, desde que entrou no curso de Música tinha o desejo de reverenciar a maestrina Silvia Beraldo, compositora e saxofonista, misto de mineira com catarina. Ela foi sua professora na Compasso Aberto e teve papel importante na sua formação. Por fim, depois de muita batalha para terminar o curso - no meio dos cuidados com o avô - ele finalmente conseguiu. Seu trabalho discute a importância de se trabalhar a história de vida do/a músico/a local no processo de sensibilização musical. E a pessoa a qual escolheu para centrar seu tema foi a Sílvia. Aqui neste vídeo produzido pela Pobres e Nojentas, uma das entrevistas realizadas para o trabalho, que contou com a parceira de Rubens Lopes, sempre afiado na câmera. Sílvia Beraldo, na sua madurez, linda, singela, doce e absolutamente maravilhosa. Uma das nossas grandes da música local...


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Para conhecer a cidade


Nesse ano de 2024 teremos as eleições municipais, momento importante de decisão sobre os rumos da cidade. Vamos escolher prefeitos e vereadores, ou seja, definir quem vai organizar a cidade. E isso significa que serão estas pessoas as que vão decidir sobre a maneira como vamos viver, afinal, é na cidade que atuamos e existimos. Sabemos que existem duas cidades: a que nos pinta a mídia e os governantes de plantão, e a cidade real, desenhada pelo confronto e pela luta. Esta, a segunda, é pouco conhecida justamente porque a ideologia que jorra nas mídias comerciais a escondem. Mas, há quem se dedique a pensar, narrar e desvelar esta cidade concreta, a que vivenciamos no nosso dia a dia. 

Por conta disso o Instituto Cidade e Território (ITCidades) lançou em 2022 um livro, organizado pelo professor Lino Peres, que junta todo esse pessoal e que, através de 50 artigos, reflete sobre as políticas do Estado, a questão fundiária e as lutas urbanas e ambientais no embate contra o capital em seus vários âmbitos, principalmente imobiliário e rentista. Sim, é um livro grande, como grande é a luta que se trava por aqui desde há séculos. Mas, não dá para pensar a cidade sem ouvir essas vozes. 

O livro “Confrontos na cidade: luta pelo plano diretor nos 20 anos do Estatuto da Cidade”, está livre na rede. É só baixar. Vale a pena conhecer. 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Indígenas e fazendeiros



A imagem é impactante. Dois indígenas caídos, um ao lado do outro. São irmãos. Um é do cacique Nailton, baleado na barriga. O outro é da Nega Pataxó, morta. Outras pessoas também resultaram feridas depois de uma ação realizada por uma horda de fazendeiros e comerciantes de Potiguará, interior da Bahia, que decidiram expulsar os indígenas Pataxó da terra onde estão, que é deles por direito. Segundo informações que chegam diretamente da comunidade indígena pelo Instagram, a Polícia Militar estava junto com os fazendeiros e também atirou. A notícia foi dada pelos jornais e portais de notícias como mais um "conflito entre indígenas e fazendeiros", como se fosse uma cena comum. E é. Desde que as comunidades, que viviam em beiras de estrada ou vagando pelo país, decidiram retomar suas terras originárias, a batalha é essa. Fazendeiros se dizendo os donos legítimos e atuando ao arrepio da lei. E, em alguns casos, ainda são escoltados e protegidos pela PM. Um verdadeiro faroeste.

E, assim como nos filmes de faroeste, quem aparece como "mocinho" são os fazendeiros, porque, afinal, o agro é pop. Já os índios... Quem se importa com os corpos caídos? Há notícias de que dois fazendeiros foram presos "suspeitos" de serem os responsáveis pela morte da Nega Pataxó. Mas, alto lá, são só "suspeitos", o que significa que podem se safar. E os demais? Os que, tal qual uma organização quadrilheira, organizam uma ação armada? Tudo bem? Esses jamais serão chamados de bandidos.

Faz tempo demais que eu acompanho a luta indígena no Brasil. E por mais que tudo seja banalizado ainda me assombra de maneira visceral uma imagem como essa. O governo, dizem os jornais, mandou uma comissão do Ministério dos Povos Indígenas. Tudo bem. Mas isso não vai ressuscitar a Nega Pataxó nem todos os que tombaram. Há que ter uma ação firme de demarcação das terras, há que ter proteção às comunidades indígenas e há que ter ação exemplar contra os "reis do faroeste". Caso não, amanhã teremos novos corpos caídos no chão.

São corpos de não-seres, de pessoas que não importam para a grande maioria das gentes. Assim como não importam os milhares de corpos de crianças palestinas na genocida ação de Israel. Assim como não importam as centenas de crianças mortas nas comunidades de periferia do nosso país, atingidas por balas perdidas, ou os corpos de jovens empobrecidos que tombam todos os dias bem diante do nosso nariz. Eu não sei como as pessoas conseguem dormir em paz... Não sei como não nos levantamos em rebelião já que somos maioria.  

Sobre Israel pouco podemos, mas sobre a ação no Brasil temos mais ingerência. Elegemos um governo que nos salvaria do "fascismo". Ok. Mas agora precisamos de um governo que atue em consequência para realmente mudar esse país.



segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Nos falta um esquerda revolucionária


Foto: Danilo, no Iela...

Danilo Carneiro era um comunista, militante social que participou da Guerrilha do Araguaia – durante a ditadura militar – e que tinha princípios muito claros sobre o caminho a seguir. Atuando junto ao Iela desde a sua criação em 2004, era assim uma espécie de decano. Vinha ao Instituto todos os dias para estudar e ficava até umas dez horas da noite lendo e conversando com os estudantes. Era um mestre. Fez isso até poucas semanas antes de morrer, aos 80 anos de idade, no primeiro dia do ano de 2022, sofrendo as sequelas das torturas que sofreu. Dentre as muitas lições que nos deixou há duas que seguem sendo suleadoras: para lutar tem de estar organizado e para mudar há que ter um partido revolucionário. "Sem isso não dá, nega". Era o seu bordão.

Observando a política latino-americana, eivada de novos golpes, e particularmente a brasileira, completamente entregue a conciliação, fica nítido o quão distante estamos da ação de uma esquerda revolucionária. Mesmo depois de termos passado por um governo como o de Jair Bolsonaro, quando comandaram a nação as criaturas mais ignóbeis, o que se vê é o mesmo velho jogo da conciliação. Nada avança. Patinamos. Não há uma esquerda visível e as forças em ação são da chamada realpolitik: "É o que se pode fazer agora". "Não podemos puxar a corda". "Há que entender a realidade". E coisas do tipo. Criticar o governo não se pode, senão já vem a etiqueta de "fazer o jogo da direita". Lutar, fazer greve, manifestações, também não pode, porque senão é jogar água no moinho da direita. Ou seja, há que aceitar as coisas mais absurdas como a nova Lei da Polícia Militar, ou a mesma lógica econômica que rege o mundo neoliberal, as alianças no Congresso com os mesmos que jogaram o país no inferno em 2016, ou as esdrúxulas parcerias que vão se arranjando para as eleições municipais. "Vamos agora ganhar as prefeituras, depois a gente avança", dizem. E tudo gira em torno do eleitoral. As mudanças profundas e necessárias não vêm. Não virão.

Lendo Lukács, na sua análise sobre o irracionalismo alemão que levou a Hitler, fui me surpreendendo com sua escrita. Parecia estar falando de nós. Diz ele que a vitória do reformismo e da conciliação na construção do que foi a República de Weimar foi o passo decisivo para que mais tarde a população da Alemanha aceitasse os horrores do nazismo. Para barrar a revolução – o levante das massas - durante a grande crise os reformistas diziam: tem que estabilizar a república, os comunistas são muito radicais, não se deve fazer greve por conta de salário, não se deve fazer manifestação, acalmem-se. Ou seja: a razão reformista não apenas deixou a classe trabalhadora incapaz de lutar contra o capitalismo imperialista que se instalava na Alemanha, bem como impossibilitada de enfrentar o fascismo. Além disso, destruiu a ideia do desenvolvimento histórico no qual a classe trabalhadora luta e avança. Os alemães, abobados pelos pregadores da realpolitik, acabaram mais tarde elegendo Hitler e deu no que deu. 

Voltando ao presente, pressinto que os sacerdotes da atual realpolitk estejam agindo com desenvoltura visando abobalhar os trabalhadores. Obviamente a história só se repete como farsa, mas ainda assim é um grande risco. O país da conciliação já gerou um "mito", figura típica do irracionalismo político. O que mais pode vir? Chegaremos ainda mais fundo nesse poço? Por isso me volta a lição do Danilo, da necessidade de um partido revolucionário de verdade. Mas, ando cética. Creio que com essa humanidade tik tok não iremos muito longe. Os tempos são grises...

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sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Padre Julio

Foto: Vaticano News

Então nesse janeiro solar a Câmara de Vereadores de São Paulo decidiu abrir uma CPI contra o padre Julio Lancellotti, conhecido por sua atuação solidária junto aos moradores de rua. A proposta da CPI partiu do vereador Rubinho Nunes, do União Brasil, ele que é um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL). A alegação do vereador é de que se faz necessário investigar as ONGs que ajudam o padre a dar comida e conforto aos moradores de rua. Para ele, essas entidades e também o padre estão usando os empobrecidos para lucrar.

Este é o pensamento dessa corrente conhecida hoje como “bolsonarismo”, porque agrega em seu escopo toda a sorte de barbaridades contra a vida e contra o país, amalgamado na figura do ex-presidente. São da mesma turma que afirma ser o Papa Francisco um ser diabólico que sequestra crianças e as come, assadas. Os mesmos que ignoraram a Covid 19, foram contra as vacinas e acreditam nas coisas mais irracionais. São os que incitam à violência contra os comunistas e contra tudo o que não compreendem.

Por isso essa cruzada contra o Padre Julio. Não compreendem como um homem pode se dedicar ao outro, caído. Como pode andar com os maltrapilhos, os doentes, os desvalidos, os drogados. Não entendem. Ainda que sejam os mesmos que assistem na televisão aos filmes sobre Jesus, e choram. Os que maratonam a série Chosen, da Netflix, e choram. Os que se dizem cristãos e levantam os braços em oração nas igrejas/empresas.

Pessoas como o vereador Rubinho e toda a ratatuia que assinou a proposta de CPI são capazes de questionar a solidariedade, mas não a pobreza. Para essa gente é absolutamente normal existirem moradores rua, gente morrendo de fome, desabrigados. É normal e necessário, para que possam seguir tirando da miséria seus lucros, políticos ou financeiros.

A notícia grotesca dessa CPI, portanto, não surpreende. O Bolsonaro saiu do governo, mas a lógica que permitiu essa excrescência segue firme e encravada em todos os lugares de poder. É a mesma lógica (ou a não-lógica) que ilumina um exército de pequenos monstros que não mais temem sair à luz. Muito provavelmente a tal CPI vai ser como a MST no Congresso. Serviu para mostrar o lindo trabalho que os agricultores acampados e assentados fazem nesse país. Vai iluminar o padre, embora seja verdadeiramente ignóbil.

Mas, na verdade, para essa turma, nada importa. O que vale é manter acesa a luz do ódio e do irracionalismo. O que vale são os sinais de positivo no Instagram, no Tik Tok, e esse frisson que toma conta da massa insana, gritando loucamente por Barrabás, hoje como no passado.

O humano verdadeiramente não avançou um centímetro. Tão frágil, presa fácil das raposas do capital. Tão frágil e tão estúpido a ponto de ser o responsável por sua própria destruição.

Serenamente, o padre Julio seguirá fazendo o que sempre fez. Amparando o irmão caído. Ele sabe, de saída, que, no capitalismo, é um derrotado. Levanta um hoje e vê mais três caídos amanhã. Porque o sistema é bruto e impiedoso. E tem capitães do mato como o vereador Rubinho às pampas.

Com padre Julio vamos, de mãos dadas, nesse exército de Brancaleone, até que venha um partido revolucionário e a revolução.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Formatura


Esta sou eu no dia da minha formatura, no começo de 1991. Era um dia dúbio. Havia uma grande felicidade por estar concluindo o curso de Jornalismo com o qual eu sonhara uma vida inteira, mas ao mesmo tempo uma profunda tristeza porque minha mãe estava muito doente. Tinha saído do hospital meses antes para, como diziam os médicos, morrer em casa. Assim que eu estaria ali sozinha no dia da minha conquista mais esperada. Nem a mãe, nem o pai. Tinha sido um dia tenso. Eu for a ao cabelereiro, por insistência de uma amiga, e o resultado tinha sido horrível. Então, cheguei a casa e lavei o cabelo de novo, desfazendo a marmota, indo para a formatura com ele praticamente molhado. A saia era emprestada da Linete Braz Martins e a blusa da Clarinda. Eu estava um pitéu. Mas, triste. Qual não foi minha surpresa quanto, lá dentro do plenário da Assembleia, onde seria a formatura, vejo minha tia Dalva e o meu tio Holmes. Eles tinham vindo de Porto Alegre para que eu tivesse alguém da família naquele dia tão especial. Uma surpresa é tanto que me encheu de alegria. São esses pequenos retalhos de vida que nos enchem de mundos...