Eu sei que roubaram muito com a recuperação da ponte. Eu sei. Quase 30 anos, de projeto em projeto. Mas, devo dizer que me saltam as lágrimas ao ver a velha senhora de novo abrindo seus caminhos para as gentes dessa cidade que eu amo tanto. Porque a ponte não é só um símbolo de ferro, que serve a cada tanto aos governos de plantão. Não. Ela é memória viva da existência real das pessoas que constroem essa Florianópolis de todos nós. Os mais antigos sabem das histórias da construção, contadas por seus pais, e re/contam extasiados como aquela coisa de ferro foi tomando forma e criando o caminho jamais sonhado entre a ilha e o continente. E quem se dedica a ouvir os velhos que colorem as praças no dominó já soube dos tantos causos de vida, amor e de morte que se sucederam nos quatro anos da obra nos anos 1920. Tem até causo de assombração de trabalhador que morreu ali e a alma não quis ir embora. Diz que esse tempo todo ele anda por ali, consertando, e há até quem já ouviu o barulho do martelo. Meu companheiro, nascido no Estreito, tem milhares de histórias sobre as aventuras da gurizada que atravessava a pé para a ilha, buscando os bailes no Morro do 25. Uma pernada e tanto que ficava ainda maior quando tinha de levar as moças, depois do baile, para casa em outros bairros, e retornar atravessando o braço do mar na madrugada. E quando ele conta desse tempo seus olhos brilham. A ponte faz parte da vida de cada pessoa aqui nessa cidade desde o ano de 1926. Impossível ficar imune. Não entender isso é não compreender o que é definitivamente a memória afetiva dos lugares. Até eu, que nem aqui nasci, tenho a ponte na minha biografia. Assídua que fui dos bailes no Clube 15, quase ali na cabeceira, tenho gravado na memória todas as vezes em que a velha senhora assistiu aos beijos quentes trocados sobre o mirante, seja nas madrugadas abafadas ou no frio do inverno. Ela ao longe, cúmplice. E a gente vivendo à larga. Por isso que as pessoas acorreram à ponte hoje de manhã, apesar do sol de rachar. Porque a ponte está na vida de cada um, e cada pessoa ali deve ter uma linda história pra contar. Eu não fui porque não pude. Pudesse, ali estaria, sentindo o seu pulsar de coisa viva, ainda mais viva. Não importa o nome do político que estará na placa, poucos ligarão para isso. O que importa é que a ponte está ali, zelosa, cuidando, companheira de tantas histórias. A ponte que é nossa, que é da nossa memória. Por isso eu também vou vê-la, tomada de emoção. Quero encontrar com ela, de vestido novo, em solidão. Talvez em alguma hora perdida da noite. Um encontro de amor. E, quem sabe, não ache por lá a tal alma que ficou perdida por aqui. Eu posso entendê-la. E difícil estar aqui e não amar esse lugar. Talvez então a gente tome uma cerveja gelada, nós dois. Eu e a alma, que apesar de forasteiras, sentimos profundo o pertencimento. Lutemos contra os políticos vilões, mas deixemos que a velha senhora siga constituindo memórias em nós. Vida longa para a ponte! Eu te abraço, eu te abraço...
Elaine Tavares. Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos,inaugurando o esperado pachakuti. Contato: eteia@gmx.net / tel: (48) 99078877
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Este é o pressuposto teórico básico do jornalismo praticado pela autora deste blog. Seguindo a senda da Filosofia de Libertação, que busca olhar o mundo a partir do olhar da comunidade das vítimas do sistema capitalista, o jornalismo de libertação se compromete em narrar a vida que vive nas estradas secundárias, nas vias marginais. O jornalismo de libertação não é neutro nem imparcial. Ele se compromete com o outro oprimido e trata de, na singularidade do fato, chegar ao universal, oferecendo ao leitor toda a atmosfera que envolve o assunto tratado. (Jornalismo nas Margens. Elaine Tavares. 2004)
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