quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Gildo, o renascido



Era uma manhã de domingo, em Passo Fundo. Um encontro de ex-colegas da TV Umbú, uma turma que marcou época na cidade, na década de 1980, tanto na publicidade quanto no jornalismo. Era uma manhã de festa, mas também de tristeza, porque poucos dias antes tínhamos recebido a notícia de que um de nossos mais queridos companheiros havia morrido. Naquela manhã em meio aos risos e a alegria do reencontro, encontramos um momento para, de mãos dadas, rezar e chorar pelo nosso amigo morto. Depois, abrimos os trabalhos com a mais gelada, porque essa era também uma parceira do amigo que pranteávamos. 

O morto era o Gildo Lima, moleque magricela e risonho, que fizera parte da nossa vida de maneira indelével. Um Saci Pererê de duas pernas, uma explosão de alegria, um dançarino inigualável, um parceiro de noitadas e de segredos. Cada um de nós tinha uma boa história com o Gildo. No que me dizia respeito eu perdia um irmão, porque naqueles tempos em Passo Fundo construímos uma amizade profunda e imorrível. Com ele, Bozó, Kapa e Gilmar, formávamos um quinteto inseparável no dia a dia da TV. Depois, quando a mão descia o cartão-ponto já no começo da noite, partia o quarteto – sem o Gilmar, que não era da farra – para a noite passofundense. O ritual era diário. Trabalhávamos 12, 15 horas, e de noite saímos para comer X-burger . Depois, íamos beber no Bar do Osvaldir. Lá, a dupla Osvaldir e Magrão, oferecia suas canções em apresentações ao vivo. E nós emborcávamos todas, cantando as maravilhas do nosso Rio Grande do Sul. Quando lá pela madrugada o bar fechava, a gente se mandava para a boate Chaplin, onde tomávamos conta da pista dançando até quase morrer. Nunca pude saber como a gente conseguia, na manhã seguinte, estar serelepes e renovados para mais um dia de trabalho. 

Nos finais de semana, como se não fora pouco, a gente fazia parte do grupo que ia jogar futebol nos bairros da cidade ou em cidades do interior, próximas a Passo Fundo. De novo, a farra e a bebedeira. Eram os anos 80, vida louca total.

Assim que a notícia da morte do nosso amado simplesmente nos derrubou. 

Mas, pouco tempo depois surge a notícia: “o Gildo não morreu, ele tá vivo”. Bah, loucura total. Partiu todo mundo a procurar pelo magrinho, saber onde ele estava, que papo fora aquele de morte e tal... Não demorou muito e finalmente encontramos o Gildo, lindo e vivinho da silva muy campante em Ponte Serrada, Santa Canarina. O negro-gato, nosso saci Pererê, moleque de sete vidas. Vivaço. Foi uma explosão de felicidade.

Agora, há menos de um mês, ele e o Menguetti decidiram criar um grupo no uatizapi só com a velha turma da Umbú. E foi como se tivéssemos voltado aos anos 80 numa surpreendente máquina do tempo. Pois nosso ex-morto-agora-vivo é o dínamo que mantém o ritmo alucinante do grupo, com 800, 900 mensagens por dia, muitas vezes avançando a madrugada, tal como fazia nas noites calientes de Passo Fundo. Segue moleque, segue magrinho, segue cheio de risos e encantamentos. Nosso menino-feiticeiro. Vivo, para nossa alegria. 

Te amo, meu irmãozinho... E agradeço aos deuses por termos compartilhado caminhos.


O banheiro


Das lembranças mais impactantes que eu tenho da infância, uma é a do banheiro da casa da minha avó paterna, em Uruguaiana. Era impecável, tão absolutamente limpo que, creio, seria até possível comer na banheira. Sempre que eu entrava para tomar banho, ficava por minutos olhando cada parte, espantada com tanta limpeza. E mesmo tendo o tapetinho no chão eu ainda colocava minhas roupas usadas para pisar em cima, com medo de sujar. Saia dali visivelmente incomodada por ter quebrado aquele aspecto clínico. Lembro como se fora hoje: não era um simples banheiro, era um quarto-de-banho, enorme, com azulejos rosados. Tinha uma imensa banheira, pia grande, um bidê e o vaso. Era possível dançar ali. Como podia ser tão impecável?

Claro, a resposta é uma só: minha avó tinha uma empregada, uma mulher que cuidava da limpeza do apartamento e também cozinhava. Minha tia era bem severa, e todas as manhãs mandava a mulher limpar o banheiro. Meu deus, como aquilo me incomodava. Porque não era um simples limpar, ela esfregava com escova todo o azulejo, a banheira, o vaso, a pia, o bidê. Todos os dias, todos os santos dias. Eu achava aquilo um verdadeiro absurdo. Seria mesmo necessário? Um trabalhão da porra. A lembrança daquela mulher e sua faina diária sempre me fez respeitar sobremaneira a profissão de empregada doméstica ou faxineira. Que troço danado de ruim de fazer.

Por fim eu cresci e, claro, vim a ter meu próprio banheiro. Obviamente que nunca fiz o que fazia a Dona Maria lá da vó. Por não ter muito tempo, por viver na correria, enfim, limpeza só aos finais de semana. Mas, como era de esperar comecei a perceber que banheiros sujam muito mesmo. Três dias sem limpar e lá já vem o mofo no azulejo. Que maçada. Por que raios temos que ter uma coisa assim? A limpeza deveria fazer o favor de durar pelo menos uns 15 dias. Trabalho enfadonho, chato, estraga-mãos. Claro que na minha juventude o banheiro vivia sujo, não digo suuuuuuujo, mas sujinho. Afinal, eu nunca tive uma Dona Maria e havia outras prioridades, como viver, por exemplo. 

Hoje, já passando dos 60, ainda me impressiono grandemente quando vou a uma casa e vejo o banheiro impecável. Que tipo de gente é essa? Provavelmente tem empregada, digo dessas que vêm todo dia, porque não é possível. E se a pessoa não tem quem lhe limpe o banheiro, mas ainda assim o mantém impecável, eu desconfio. Não pode ser normal. Ou é feiticeira ou vem de uma galáxia distante. Que gente estranha... 

Por isso que o melhor banheiro que já tive na vida foi o de uma casa na qual morei em Caxias do Sul. Nem a parede, nem o chão tinham azulejo, era tudo de cimento rootzeira, e o restante era feito de tábua sem pintura. O chão, mesmo, era incrível, porque eu não precisava de pedra pome para lixar o pé. Era só passar o calcanhar no cimento enquanto banhava e pronto, estava lisinho. Aquilo sim é que era vida...