sexta-feira, 4 de agosto de 2023

A burocracia e a UFSC


A burocracia é um poder. Isso é um fato. Os que se aferram a ela a usam para justificar uma forma de agir que não encontra amparo numa visão mais humana e empática de mundo. No serviço público isso tem sido uma arma. Lembro de uma vez, eu sentada numa sala de espera do INSS, e uma trabalhadora mandou embora um senhor bem velhinho, dedos calejados, chinelo havaiana, que tinha vindo resolver um problema de sua aposentadoria, porque ele não tinha em mãos uma conta de luz ou algo que atestasse residência. Ora, era absolutamente visível que aquele senhor não era um fraudador da previdência. Era alguém desinformado. Ela poderia ter liberado sua aposentadoria, de pouco menos de seiscentos reais na época, e pedido para ele trazer a conta no dia seguinte. Não, o mandou embora. E ele saiu, perplexo e perdido. 

Na UFSC pós-pandemia temos observado um avanço grande dessa burocracia imobilizadora. Tudo é feito por formulários na internet e há que obedecer a fila. A fila. Uma coisa que inviabiliza cuidar de urgências e emergências. Imaginem um setor de informática, com uma fila de pedidos para reparação num computador. O que deveria ser levado em conta? A fila ou a necessidade real do reparo? Um computador em meio a vários outros para o serviço administrativo é mais ou menos urgente que um computador que é único – por conta dos programas que carrega – para a realização de determinado serviço? Obvio que é o segundo. Mas se ele estiver lá para trás na fila não será reparado até que chegue a sua vez. Isso, para mim, não é qualidade de atendimento. 

Muitos colegas defendem a fila e até se negam a falar por telefone ou pessoalmente com as pessoas porque é “preciso respeitar a fila” e se houver uma conversa a fila pode ser desrespeitada. Penso eu que essa é uma posição equivocada. Há que contextualizar a fila. Não sou contra formulários. Penso que pode ser uma boa estratégia, mas nele deveria constar um espaço para a explicação da emergência ou da urgência. “Ah, mas tudo é urgente para quem está precisando”. Sim e não. O trabalhador responsável pode muito bem avaliar e decidir. Como aquela moça do INSS. Poderia ter liberado o dinheiro e recebido a comprovação de residência depois. E se o velho fosse um marginal, fraudador, bueno, é o risco. Mas pelo menos ele não teria saído dessuleado. Naquele dia eu fui atrás e ajudei o homem. Mas e os outros tantos? 

Penso que a fila deveria seguir o critério da fila no hospital. Quem tá em pior situação, é atendido primeiro. Tratar de maneira desigual os desiguais. A burocracia dura desumaniza, emperra os caminhos em vez de abrir. O trabalho no serviço público envolve relações humanas, fundamentalmente. Lidar com gente. Eu estou na UFSC desde 1994. Sei exatamente quem está tentando ludibriar a fila e quem realmente está na urgência, porque conheço a instituição, conheço o trabalho que cada setor desenvolve. E conheço porque me importo. Já me ferrei algumas vezes, com gente enganadora, é verdade, mas muito poucas. Na maioria das vezes as pessoas falam a verdade. 

A burocracia é boa porque organiza. Mas quem a maneja somos nós, humanos. E os humanos no serviço público precisam agir na força de Exu, abrindo caminhos, abrindo caminhos... Essa deveria ser a nossa primeira preocupação! 


terça-feira, 1 de agosto de 2023

O planeta se move


Nestes dias que correm duas coisas me fazem grande falta. Uma é a análise do meu querido amigo Danilo Carneiro, sempre de olho na conjuntura mundial, cirúrgico e preciso. E a outra é de uma publicação aos moldes da revista Cadernos do Terceiro Mundo, que era assim a nossa referência máxima para compreender o mundo além continente. Por exemplo, as últimas notícias que chegam do continente africano são impactantes. Ainda que golpes e rebeliões não sejam novidade, o fato de tantos novos dirigentes apontarem caminhos nacionalistas e de suspensão da sangria dos recursos naturais e das riquezas, sinalizam que coisas importantes voltam a cruzar aqueles caminhos. A presença de bandeiras russas nos protestos populares e a presença do presidente Putin junto aos governantes balançam o tabuleiro mundial. 

É claro que nosso desconhecimento das entranhas da luta política na África não permite uma análise mais apurada – há que estudar mais e melhor essas novas forças que surgem – mas igualmente é fato de que tanto a Rússia quanto a China estão contrabalançando o poder até então quase absoluto dos Estados Unidos. Não digo que isso seja bom, mas é uma mudança significativa.  

A guerra na Ucrânia desatada ainda em 2014, com as barbaridades cometidas na região do Donbass contra os separatistas pró-russos, o envolvimento da OTAN, braço armado do imperialismo estadunidense, e a tentativa de esmagar a liderança russa parece não estar surtindo o efeito esperado. O mundo observa os perigosos passos que vão sendo dados, visto que a Rússia é uma nação nuclear e caso seja esfacelada terá também o seu arsenal de morte igualmente dividido por sabe-se lá quantos senhores da guerra, malucos, mercenários, cuja única pátria é o dinheiro. Que futuro teríamos? 

Na América Latina estamos vendo a presença cada dia maior da China financiando projetos grandiosos, comprando terras, investindo nos movimentos, dando movimento às economias na América Central e do Sul, realizando tratados de comércio, garantindo mercado para os produtos de cada país e avançando no controle das riquezas estratégicas de cada um. Também uma novidade por aqui já que o domínio estadunidense sempre foi avassalador. Óbvio que a China não é mais nem menos “boazinha” que os EUA. Tudo são negócios e a expressão viva do capitalismo que tudo busca abocanhar. Mas, ainda assim, é uma presença diferente.

Esses acontecimentos que parecem tão distante do nosso dia-a-dia não o são. Cada passo dado pelas grandes potências em luta respinga em nós, mais ou menos. Ainda mais num tempo em que a maior parte da esquerda latino-americana está praticamente vencida pela ideologia liberal, preferindo dar uma cara mais humana ao capitalismo em vez de destruí-lo. A situação é tão louca que governantes autoritários e ultraconservadores como Bukele, de El Salvador, se apropriam das bandeiras que deveriam ser da esquerda e acabam aclamados pelas populações. Bolsonaro, no Brasil, também foi assim. Pregava contra o sistema, ainda que mentisse. 

São tempos turbulentos. Estamos atentos.