A agressão do governo da Colômbia, através do títere estadunidense Álvaro Uribe, à soberania do Equador, coloca mais uma vez em questão o papel das forças armadas nos países latino-americanos. A que tipo de política se prestam, afinal? Bom, para se ter essa resposta há que voltar no tempo e recorrer à história.
Conforme conta o coronel argentino Horácio Ballester, em artigo no livro “La Integración Militar del Bloque regional de Poder, de Heinz Dieterich, a relação mais visceral com os Estados Unidos começa em 1942, pouco depois do ataque japonês contra Pearl Harbor, durante a segunda guerra, coisa que faz o país do norte entrar no conflito de maneira mais orgânica. Naquele ano acontece no Rio de Janeiro, uma reunião de chanceleres (representantes diplomáticos do Estado) que decidiu enviar para Washington técnicos militares e navais para discutir medidas de defesa do continente. A partir daí surgiu a Junta Interamericana de Defesa, que deveria preparar planos militares de defesa comum, envolvendo todos os países do continente.
Em 1947, tendo já terminado a guerra, foi firmado, também no Rio de Janeiro e sob a batuta dos EUA, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que estabelecia ser a agressão de uma nação americana contra outra do continente, um ataque contra todas. No ano seguinte, na Colômbia, em plena vigência de uma revolta popular contra o assassinato de Jorge Gaitán, uma nova reunião de chanceleres aprovou a carta da Organização dos Estados Americanos, que tinha entre seus artigos a criação de um Comitê Consultivo de Defesa, que afinal, nunca funcionou. Quem deu as cartas nesse campo sempre foi a Junta Interamericana de Defesa (JID) e o Colégio Interamericano de Defesa (CID), responsáveis pela formação de oficiais superiores e governantes da América Latina e do Caribe.
A proposta do JID respondia aos interesses do Departamento de Estado e do Pentágono estadunidense e fixava as hipóteses de guerra que surgiriam, os inimigos a combater, a doutrina para fazê-lo, as armas que deveriam utilizar, etc... Então, a América Latina passou a encarar como inimigo, aqueles que eram inimigos dos Estados Unidos. Foi assim que nesta parte da América, naqueles dias, se discriminou alemães, japoneses, russos, cubanos, nicaragüenses, salvadorenhos. Quem ousava desafiar os EUA era inimigo de todos, conforme rezava a assistência recíproca.
Foi aí que surgiu a famigerada Doutrina de Segurança Nacional, cujas práticas estão em vigência até hoje. Esta doutrina estabelecia que o único enfrentamento que havia no mundo era o Leste/Oeste, envolvendo os Estados Unidos e a União Soviética. E o único inimigo a combater era o comunismo. Assim, nas nações latino-americanas, o que norteava as ações do exército era o combate à infiltração marxista e a desordem social que isso provocava. O inimigo, então, deixava de ser externo e passava a ser o próprio povo de cada país. Foi essa idéia estrangeira que provocou toda a sorte de tragédias nesta “nuestra” América a partir dos anos 50, acompanhada de sangrentas ditaduras apoiadas pelos EUA.
No ano de 1951, o Congresso dos EUA aprovou a lei de Segurança Mútua e firmou pactos bilaterais com os países da América Latina para aplicar os Programas de Ajuda Militar. Isso significou, na prática, a presença cotidiana de tropas estadunidenses nos países latino-americanos trabalhando na “educação” e instrução das tropas nacionais. Ainda no final dos anos 50, aparece a Doutrina de Guerra Contra-revolucionária ou anti-subversiva, que tinha como objetivo aprofundar a luta contra os comunistas. Cuba era um terrível mau-exemplo e havia que combater essa “maçã podre” na América Latina. Então, ao longo dos anos 60, milhares de oficiais de praticamente todos os países latino-americanos faziam romaria até o Panamá, para serem adestrados conforme os ditames do Forte Amador. A nefasta Escola das Américas forneceu, assim, os manuais do terror que infestou a América Latina por 30 anos.
Nos manuais, escritos originalmente em espanhol, eram consideradas necessárias as técnicas de execução, tortura e extorsão para combater os “subversivos” internos que quisessem se meter com o comunismo. Com a doutrina de segurança nacional escrita pelos técnicos da guerra estadunidense, praticamente em todos os países da América Latina e do Caribe, as forças armadas foram destituídas de sua missão específica que seria a de combater um inimigo exterior. Ainda segundo o coronel argentino, Horácio Ballester, as forças armadas passaram a ser verdadeiras tropas de ocupação em seus próprios países, transformando-os em Estados terroristas que aniquilavam o inimigo interior, sua própria gente. Diz Ballester: “As forças armadas se colocaram incondicionalmente, consciente sou não, a serviço do establishment internacional e das minorias dominantes locais”. Isso significou que qualquer pessoa que fizesse algo que afetasse os interesses superiores, fosse luta salarial, por moradia ou terra, era logo qualificado como “comunista” e imediatamente perseguido, preso, torturado, desaparecido ou morto.
Naqueles dias um “comunista” comprovado perdia os direitos, não tinha julgamento justo, podia ser seqüestrado, torturado, preso ilegalmente, seus bens eram confiscados e suas casas queimadas. Ou seja, nada muito diferente do que acontece hoje em dia. Apenas o adjetivo mudou. Não são mais comunistas os que se opõe ao poder dos EUA e das elites cortesãs. Agora estão na moda os “terroristas”.
Entendendo a atualidade
Depois deste breve apanhado histórico, fica mais fácil compreender a situação da América Latina hoje e o sujo papel desempenhado por Uribe, na Colômbia. Desde aqueles dias dos anos 40 que os governos colombianos vêm enfrentando o “inimigo interno”, tal qual ordenam as doutrinas e técnicas estadunidenses. Não apenas as FARC, agora chamadas cotidianamente de “terroristas” nos meios massivos de comunicação, são perseguidas. Mas qualquer liderança social, popular, qualquer cidadão que comece a questionar o governo ou o sistema, é perseguido, preso, torturado, eliminado. Isso é recorrente na Colômbia. São os “terroristas”.
Igualmente “terrorista” são considerados os países que não se ajoelham diante da lógica estadunidense. Não é à toa que Bush quer empurrar goela abaixo, junto com o Congresso de seu país, a resolução que torna “terrorista” o governo da Venezuela, chefiado por Hugo Chávez. E é bom que se diga, Chávez segue exportando o petróleo para os EUA e fazendo negócios com empresas gringas. Ou seja, não é tão inimigo assim. Mas, como na política externa o discurso de Chávez é totalmente anti-estadunidense, o governo daquele país não descansará enquanto não colocar a Venezuela no lugar onde deve ficar: subserviente e cortesã, como foi ao longo de décadas.
Por outro lado, não são apenas Chávez, Correa, Morales, Fidel e Ortega que passam a ser considerados inimigos. Também as gentes em luta passam a receber a alcunha de “terroristas”. Tem sido assim em praticamente todos os países da América Latina. As lutas sociais tiveram um recrudescimento na repressão e quem é apanhado, logo é enquadrado nesta categoria. Foi assim com Patrícia Troncoso, a jovem mapuche que precisou ficar mais de 100 dias em greve de fome para ter direito aos benefícios da lei. Está presa como terrorista. São terroristas os que lutam por terra, por moradia, por transporte coletivo, por salário. Bastou algum grupo marginalizado se levantar para ser considerado um perigo nacional. Isso significa que nada mudou. O “inimigo” está dentro dos portões dos países e os exércitos devem baixar sobre eles.
A lei de segurança nacional escrita em Washington segue vigendo. A mesma lei que deu corpo à criminosa Operação Condor, responsável pela destruição da vida de milhares de jovens e lideranças latino-americanas durante as ditaduras, a mesma que torna inimigo do Estado aqueles e aquelas que lutam por um mundo melhor.
Então, antes de acreditar nos Bonners (Globo) e Nascimentos (SBT) da vida que tratam todos os lutadores sociais como inimigos, terroristas, é bom que as gentes conheçam a história e saibam de onde vem a caracterização dos “nossos” inimigos. Eles não são nossos, são adversários do decadente império estadunidense, opressor e criminoso, que ceifa vidas por todo o continente, todos os dias, inclusive as nossas.
Conforme conta o coronel argentino Horácio Ballester, em artigo no livro “La Integración Militar del Bloque regional de Poder, de Heinz Dieterich, a relação mais visceral com os Estados Unidos começa em 1942, pouco depois do ataque japonês contra Pearl Harbor, durante a segunda guerra, coisa que faz o país do norte entrar no conflito de maneira mais orgânica. Naquele ano acontece no Rio de Janeiro, uma reunião de chanceleres (representantes diplomáticos do Estado) que decidiu enviar para Washington técnicos militares e navais para discutir medidas de defesa do continente. A partir daí surgiu a Junta Interamericana de Defesa, que deveria preparar planos militares de defesa comum, envolvendo todos os países do continente.
Em 1947, tendo já terminado a guerra, foi firmado, também no Rio de Janeiro e sob a batuta dos EUA, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), que estabelecia ser a agressão de uma nação americana contra outra do continente, um ataque contra todas. No ano seguinte, na Colômbia, em plena vigência de uma revolta popular contra o assassinato de Jorge Gaitán, uma nova reunião de chanceleres aprovou a carta da Organização dos Estados Americanos, que tinha entre seus artigos a criação de um Comitê Consultivo de Defesa, que afinal, nunca funcionou. Quem deu as cartas nesse campo sempre foi a Junta Interamericana de Defesa (JID) e o Colégio Interamericano de Defesa (CID), responsáveis pela formação de oficiais superiores e governantes da América Latina e do Caribe.
A proposta do JID respondia aos interesses do Departamento de Estado e do Pentágono estadunidense e fixava as hipóteses de guerra que surgiriam, os inimigos a combater, a doutrina para fazê-lo, as armas que deveriam utilizar, etc... Então, a América Latina passou a encarar como inimigo, aqueles que eram inimigos dos Estados Unidos. Foi assim que nesta parte da América, naqueles dias, se discriminou alemães, japoneses, russos, cubanos, nicaragüenses, salvadorenhos. Quem ousava desafiar os EUA era inimigo de todos, conforme rezava a assistência recíproca.
Foi aí que surgiu a famigerada Doutrina de Segurança Nacional, cujas práticas estão em vigência até hoje. Esta doutrina estabelecia que o único enfrentamento que havia no mundo era o Leste/Oeste, envolvendo os Estados Unidos e a União Soviética. E o único inimigo a combater era o comunismo. Assim, nas nações latino-americanas, o que norteava as ações do exército era o combate à infiltração marxista e a desordem social que isso provocava. O inimigo, então, deixava de ser externo e passava a ser o próprio povo de cada país. Foi essa idéia estrangeira que provocou toda a sorte de tragédias nesta “nuestra” América a partir dos anos 50, acompanhada de sangrentas ditaduras apoiadas pelos EUA.
No ano de 1951, o Congresso dos EUA aprovou a lei de Segurança Mútua e firmou pactos bilaterais com os países da América Latina para aplicar os Programas de Ajuda Militar. Isso significou, na prática, a presença cotidiana de tropas estadunidenses nos países latino-americanos trabalhando na “educação” e instrução das tropas nacionais. Ainda no final dos anos 50, aparece a Doutrina de Guerra Contra-revolucionária ou anti-subversiva, que tinha como objetivo aprofundar a luta contra os comunistas. Cuba era um terrível mau-exemplo e havia que combater essa “maçã podre” na América Latina. Então, ao longo dos anos 60, milhares de oficiais de praticamente todos os países latino-americanos faziam romaria até o Panamá, para serem adestrados conforme os ditames do Forte Amador. A nefasta Escola das Américas forneceu, assim, os manuais do terror que infestou a América Latina por 30 anos.
Nos manuais, escritos originalmente em espanhol, eram consideradas necessárias as técnicas de execução, tortura e extorsão para combater os “subversivos” internos que quisessem se meter com o comunismo. Com a doutrina de segurança nacional escrita pelos técnicos da guerra estadunidense, praticamente em todos os países da América Latina e do Caribe, as forças armadas foram destituídas de sua missão específica que seria a de combater um inimigo exterior. Ainda segundo o coronel argentino, Horácio Ballester, as forças armadas passaram a ser verdadeiras tropas de ocupação em seus próprios países, transformando-os em Estados terroristas que aniquilavam o inimigo interior, sua própria gente. Diz Ballester: “As forças armadas se colocaram incondicionalmente, consciente sou não, a serviço do establishment internacional e das minorias dominantes locais”. Isso significou que qualquer pessoa que fizesse algo que afetasse os interesses superiores, fosse luta salarial, por moradia ou terra, era logo qualificado como “comunista” e imediatamente perseguido, preso, torturado, desaparecido ou morto.
Naqueles dias um “comunista” comprovado perdia os direitos, não tinha julgamento justo, podia ser seqüestrado, torturado, preso ilegalmente, seus bens eram confiscados e suas casas queimadas. Ou seja, nada muito diferente do que acontece hoje em dia. Apenas o adjetivo mudou. Não são mais comunistas os que se opõe ao poder dos EUA e das elites cortesãs. Agora estão na moda os “terroristas”.
Entendendo a atualidade
Depois deste breve apanhado histórico, fica mais fácil compreender a situação da América Latina hoje e o sujo papel desempenhado por Uribe, na Colômbia. Desde aqueles dias dos anos 40 que os governos colombianos vêm enfrentando o “inimigo interno”, tal qual ordenam as doutrinas e técnicas estadunidenses. Não apenas as FARC, agora chamadas cotidianamente de “terroristas” nos meios massivos de comunicação, são perseguidas. Mas qualquer liderança social, popular, qualquer cidadão que comece a questionar o governo ou o sistema, é perseguido, preso, torturado, eliminado. Isso é recorrente na Colômbia. São os “terroristas”.
Igualmente “terrorista” são considerados os países que não se ajoelham diante da lógica estadunidense. Não é à toa que Bush quer empurrar goela abaixo, junto com o Congresso de seu país, a resolução que torna “terrorista” o governo da Venezuela, chefiado por Hugo Chávez. E é bom que se diga, Chávez segue exportando o petróleo para os EUA e fazendo negócios com empresas gringas. Ou seja, não é tão inimigo assim. Mas, como na política externa o discurso de Chávez é totalmente anti-estadunidense, o governo daquele país não descansará enquanto não colocar a Venezuela no lugar onde deve ficar: subserviente e cortesã, como foi ao longo de décadas.
Por outro lado, não são apenas Chávez, Correa, Morales, Fidel e Ortega que passam a ser considerados inimigos. Também as gentes em luta passam a receber a alcunha de “terroristas”. Tem sido assim em praticamente todos os países da América Latina. As lutas sociais tiveram um recrudescimento na repressão e quem é apanhado, logo é enquadrado nesta categoria. Foi assim com Patrícia Troncoso, a jovem mapuche que precisou ficar mais de 100 dias em greve de fome para ter direito aos benefícios da lei. Está presa como terrorista. São terroristas os que lutam por terra, por moradia, por transporte coletivo, por salário. Bastou algum grupo marginalizado se levantar para ser considerado um perigo nacional. Isso significa que nada mudou. O “inimigo” está dentro dos portões dos países e os exércitos devem baixar sobre eles.
A lei de segurança nacional escrita em Washington segue vigendo. A mesma lei que deu corpo à criminosa Operação Condor, responsável pela destruição da vida de milhares de jovens e lideranças latino-americanas durante as ditaduras, a mesma que torna inimigo do Estado aqueles e aquelas que lutam por um mundo melhor.
Então, antes de acreditar nos Bonners (Globo) e Nascimentos (SBT) da vida que tratam todos os lutadores sociais como inimigos, terroristas, é bom que as gentes conheçam a história e saibam de onde vem a caracterização dos “nossos” inimigos. Eles não são nossos, são adversários do decadente império estadunidense, opressor e criminoso, que ceifa vidas por todo o continente, todos os dias, inclusive as nossas.