Eu tenho grandes sonhos: o socialismo, o sumak kawsai, a terra sem males. Eu caminho para estas grandezas, cheia de entusiasmo. Mas eu sou pequena, esse é meu saber-ser. Gosto das pequenas coisas, dos pequenos perfumes, dos pequenos quintais, dos pequenos frutos. Eu sou pequena. Perco-me na multidão, nos espaços vastos, nas aglomerações. Biruteio, doidamente.
Eu sou pequena. Gosto das pequenas casas, dos pequenos doces, das pequenas flores, dos pequenos detalhes que compõem um amor. Gosto dos pequenos livros, das pequenas histórias, dos pequenos risos, das pequenas letras. Perco-me nos descampados, nas salas gigantes, nos centros de compras.
Eu tenho grandes sentimentos. Transbordo deles. Mas eu sou pequena. Gosto das pequenas palavras, dos pequenos gestos, dos pequenos animais, dos pequenos regalos, dos pequenos rios, dos pequenos montes. Perco-me nos grandes projetos que suscitam invejas, arrogância e provocam dores. Eu sou pequena, não tenho espaço para a imensidão. Nela, escorrego pelas frestas, vôo pelas janelas abertas, escapo da névoa da vaidade que as grandes coisas provocam.
Por isso. Porque sou pequena, quando as coisas muito amadas vão ficando grandes demais, eu desapego. Porque as coisas grandes tem uma estranha mania de nos absorver, nos consumir, nos esgotar. Medo? Covardia? Que seja! Mas eu fujo das coisas grandes, porque não quero virar um monstro a defender o que saiu do leito. Gosto de ser como sou, assim, pequena. Permitindo-me a pequenos tragos de canha, pequenas baforadas de Santa Maria, pequenos desvarios.
Eu sou pequena, confesso-me culpada! Mas conservo grandes aqueles sonhos: o socialismo, o sumak kawsai, a terra sem males. Quero chegar neles bem assim como sou: pequena. Sem nunca ter concedido um milésimo, sem ter desviado do caminho por conta das coisas grandes.