quarta-feira, 2 de junho de 2021

Trabalhadores do HU perdem direito de almoço e janta

 





Fotos: Rubens Lopes

 

Cobrança das refeições começou nesse primeiro de junho, Sintufsc realizou ato de protesto

Quando o governo Lula propôs a ideia de uma empresa privada gerir os hospitais universitários os trabalhadores se levantaram. Sabiam que a conversinha de que a empresa iria melhorar os serviços prestados era balela, afinal, basta ter um único neurônio para compreender que hospital não é para dar lucro, logo, não teria sentido ser administrado como empresa. Na época havia já um intenso debate sobre o papel das fundações dentro das IFES e corriam muitas denúncias de corrupção. O governo, então, acreditou que criando uma fundação pública de caráter privado evitaria problemas. Houve uma batalha gigante contra essa proposta, mas, mesmo assim, em 2011 Lula e Haddad assinaram a medida provisória que criava a Ebserh. Apontavam que cada universidade deveria decidir se queria ou não aderir à nova fundação, mas ao mesmo tempo também avisavam que quem não aderisse poderia ficar sem recursos. A boa e velha chantagem.

Na UFSC, o debate correu por anos, antes e depois da criação da Ebserh. Foram pelo menos sete anos de intensos debates, seminários, encontros, mostrando o equívoco que seria aderir à fundação, pois não apenas criariam portas privadas nos HUS como dividiriam a categoria entre trabalhadores públicos e privados, gerando perda de direitos. A luta dos trabalhadores e dos estudantes conseguiu adiar por algum tempo essa decisão. Em 2015, na gestão da reitora Roselane Neckel, foi realizado um plebiscito para que a comunidade universitária decidisse se queria ou não aderir. O plebiscito, realizado em abril de 2015, deu 69,8% para o NÃO. Mesmo assim a reitora insistia em propor a adesão. Várias reuniões do Conselho Universitário foram realizadas, com bastante confusão, pois os trabalhadores e estudantes fazendo pressão. 

E foi numa melancólica tarde do primeiro dia de dezembro de 2015 que a reitora levou o CUN para dentro da Polícia Militar e, numa sessão que durou 30 minutos, conseguiu aprovar a adesão. Naquele dia os TAEs se recusaram a entrar e fizeram protesto em frente à PM. Não participariam de uma vilania tão grande. Por fim, a votação do CUN dentro da PM teve 35 votos a favor e dois contra. Isso significa que apenas 37 dos 61 conselheiros se prestaram a esse triste papel. Uma vergonha para a UFSC e para o HU. 

Desde aí tudo aquilo que se dizia sobre o que poderia causar uma fundação administrando o HU aconteceu. O lucro passou a ser a baliza que mede a atenção e a vida laboral dos trabalhadores vem se deteriorando, com claras divisões entre os que pertencem ao quadro da UFSC e os que são contratados pela fundação.

A última agora da Ebserh foi deixar de oferecer gratuitamente o almoço e a janta aos trabalhadores, alimentação que vinha sendo oferecida há mais de 30 anos. Uma decisão tomada pela direção do HU com o aval da administração da UFSC. E, isso acontece justamente agora quando esses trabalhadores vivem seu pior momento, enfrentando com valentia uma pandemia. Na mídia são apontados como heróis, mas na prática, são acossados com perdas de direitos. O argumento é de que essa cobrança já estava apontada no contrato da Ebersh e que só agora eles conseguiram colocar em prática. Ou seja, seis anos depois e em plena pandemia, quando muita gente dobra turno e se sacrifica para atender os pacientes. Há rumores entre os trabalhadores que também o estacionamento passará a ser cobrado, mesmo de quem trabalha dentro do HU. A lógica privada crescendo e tomando forma.

É importante lembrar que a cozinha do HU sempre foi tocada pelos trabalhadores do quadro da UFSC , muitos já em processo de aposentadoria e sem perspectiva de contratação. Muito provavelmente a fundação quer privatizar a cozinha, daí a cobrança de 13 reais pelo almoço e 9,50 pela janta. 

O Sintufsc realizou ontem um ato dentro do HU, distribuindo alimentação aos trabalhadores e chamando para a luta. O caso foi denunciado na última audiência pública realizada com a administração central, com a presença do reitor Ubaldo Balthazar, e o sindicato espera que haja uma resposta urgente por parte da reitoria contra mais esse ataque aos trabalhadores do HU. Não dá para se vangloriar de ter um hospital de qualidade enquanto explora cada vez mais os trabalhadores.  Com a palavra, o reitor. 


terça-feira, 1 de junho de 2021

O Steve Biko



Já vai fazer uns 15 anos que essa criatura vive comigo. Chegou aqui enrolado na minha blusa. Eu o encontrei no caminho da Rádio Campeche, quando voltava pra casa, perdido, abandonado, cheio de carrapatos. Era um naquinho, pequeno e magricela. Ele olhou pra mim na entrada de um atalho e eu olhei pra ele. Meu coração condoeu, mas segui andando. Então, olhei pra trás e ele me olhava ainda como a dizer: vais mesmo me deixar aqui? Voltei, enrolei-o na blusa e vim correndo. Tinha tanto carrapato que chegou a ficar com um problema neurológico. Mas, fora isso, nunca ficou doente. Eu já tinha um gato preto ao qual dei o nome Zumbi, então coloquei nele o nome do herói negro sul-africano, Steve Biko. Ele sempre foi tranquilo, mas fujão. Mesmo com o portão fechado ele sempre pulou o muro para seus passeios e escapadas. 

Pois agora, justo num momento em que estou dedicada aos cuidados com o meu pai, que tem demência, o Steve começou também a dar sinais de velhice e o primeiro deles é a rabugice. Desde a manhã quer sentar na mesma poltrona do pai e se eu tiro, bah, é um deus nos acuda. Ele chora ou morde. E assim, durante todo o dia tenho que administrar a refrega entre ele  e o pai. Ele se aboleta no sofá e o pai já vem pra tirar. Aí ele rosna, ameaça e o pai fica batendo nele com a almofada. Lá tenho eu que correr e mediar o confronto, pois ele pode morder. Um pouco o pai fica sentado, um pouco o Steve. Mas é o dia inteiro nisso. Se o pai vai para o alpendre é a mesma coisa, ele vai atrás e quer sentar na cadeira do pai. Novas confusões. 

Como ele já está velho não consegue mais pular o muro então fica chorando para que eu abra o portão. Eu não abro e é aquela agonia. Se eu abro ele sai, anda pra lá e pra cá e logo volta, chorando pra entrar. Isso acontece umas mil vezes por dia. Haja paciência. O pai de um lado e o Steve de outro, os dois querendo sair. Valamideuzi.

Quando é de noite eu ponho vídeos de viagens para o pai ver e o Steve finalmente se aquieta. Aí é um em cada poltrona. O pai vendo a TV e o Steve dormindo. Vez ou outra, se dá alguma balbúrdia lá fora, ele se levanta e chora pra sair da casa. Lá vou eu abrir a porta, para dali a dois minutos abrir de novo pra ele entrar. Nesse diapasão meus dois velhinhos vão ocupando meu dia até lá pelas nove da noite, quando cada um vai para sua cama.