terça-feira, 19 de agosto de 2025

O jornalismo nos tempos do "Eu sozinho"



Foto: criação Kristina Alexanderson - CC-by-sa

Lembro quando até bem pouco tempo fazíamos protesto nas ruas contra o monopólio de comunicação da Rede Globo. A empresa abocanhava Tvs, rádios, revistas. E era muito poder. Fazíamos denúncias sobre essa acumulação de veículos estar burlando a Constituição, mas isso sempre deu em nada, nunca conseguimos sequer arranhar o processo de renovação das outorgas. Uma das alternativas que tínhamos era constituir veículos de comunicação que pudessem chegar às pessoas, contrapondo as informações, no mais das vezes manipuladas pelas grandes empresas de comunicação. Uma luta bem desigual visto que jornais, rádios e outras formas de comunicação da esquerda sempre tiveram pequeno alcance. Disputar com a capacidade de alcance da Globo, Record e SBT era algo brutal. Mas, resistíamos.

O tempo passou e a coisa ficou ainda pior. Chegaram as big techs, com um poder muito mais extraordinário que o da Globo. Oligopólio mundial, alcance infinito e imediato. Além disso, detêm total controle sobre quem pode operar cada uma das chamadas “redes sociais” que disponibilizam.  Criadas para democratizar a comunicação, elas acabam aprofundando ainda mais o abismo. E, se no começo pareciam permitir que todas as vozes ecoassem, agora controlam o que se vê a partir de um algoritmo. Um robô decide se uma postagem nossa pode ou não circular. Estamos presos na teia. E elas entraram na vida das pessoas de tal maneira que hoje, se uma das plataformas sai do ar, ocorre um caos mundial, como se o fluxo da comunicação não pudesse mais viver sem elas. 

No campo da esquerda a resposta ao violento controle tem sido bem pífia, ou ainda pior, de aceitação desta lógica. Há quem proponha a taxação das big techs, ou uma lei que controle em alguma medida os conteúdos veiculados, mas isso é absolutamente impossível. Mesmo que haja taxação e lei elas seguirão fazendo o que fazem que é disseminar a ideologia do capital. A mercadoria na sua forma pura, sendo semeada o tempo todo e sem controle algum. Mercadorias materiais e imateriais, ideias, ideologias, só o que interessa aos donos do poder. O que aparece nas nossas linhas de tempo é o que o algoritmo dita. E o algoritmo é controlado pelos graúdos.

No campo do jornalismo a situação só piora. Se antes, com o monopólios das três gigantes (Globo, SBT e Record) a informação era manipulada, havia sempre alguma chance de algo escapar, bem como os veículos independentes podiam contrapor os fatos, com algum alcance. Jornais sindicais, por exemplo, tinham boas tiragens e chegavam aos trabalhadores. Hoje não. Vivemos o tempo do “jornalismo de pessoa". Os jornais, comerciais ou não, estão quase extintos e os que existem trabalham com pautas policiais (à exaustão) e temas amenos que não constituem a possibilidade do conhecimento ou da reflexão sobre os fatos. E justamente por isso, os jornalistas que ainda atuam fazendo jornalismo acabam tendo de publicar nos seus blogs ou páginas pessoais nas plataformas ditas “sociais”. Isso é ruim para o jornalista que fica sozinho, exposto, sem qualquer anteparo e é ruim para o jornalismo, pois se o jornalista em questão não tem um número massivo de seguidores, sua voz fica totalmente obscurecida. É praticamente a mesma resistência frágil que tínhamos nos velhos tempos, só que sem o suporte do projeto coletivo, o que torna tudo mais difícil. E se o jornalista não conseguir abocanhar seguidores, o trabalho fica invisível.

Além disso, o fenômeno das redes sociais instituiu a figura do “influenciador”, que já virou até profissão. É a pessoa que domina o processo de comunicação com a massa, basta que tenha milhões de seguidores. Isso vale para quem faz dancinha, vende produtos, mostra o corpo ou mesmo repassa ideias. Vide as estranhíssimas criaturas do universo bolsonarista que divulgam coisas absurdas, amealhando milhares de seguidores. Assim, a mediação do jornalista sobre os fatos parece não ser mais necessária. Uma pessoa com um microfone pode informar que os extraterrestres estão chegando, que o golpe vem em 72 horas ou qualquer outra coisa, sem precisar mostrar qualquer comprovação. 

As pessoas consomem a informação diretamente das fontes que elegem como “confiáveis”, ainda que apresentem grotescas falsificações ou realidades forjadas na IA. Se olharmos com detalhe não se diferencia muito do que sempre foi, já que uma informação que aparecia no jornal ou na TV também vinha carregada de ideologia ou manipulação. E também tinha mais poder quem tinha mais audiência, como era o caso da Globo, cujo sinal conseguia chegar limpinho nos confins do país. 

A diferença é que hoje, pelo menos no campo do jornalismo, a informação virou um produto do “eu sozinho”.  Há que se confiar na pessoa, no jornalista que atua em solidão, e este precisa disputar o coração e as mentes num universo absolutamente desfavorável e sem qualquer controle. Um robô qualquer, numa manhã qualquer, pode derrubar a página e já era. O poder da comunicação de massa está na mão de pouquíssimas figuras, das quais raríssimas estão a serviço da informação veraz. É uma batalha ainda mais desigual do que a que travávamos antes do advento das plataformas. 

Vida dura! Mas, seguimos, resistindo.