sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A percepção da notícia em Florianópolis




Por solicitação do vereador Leonel Camasão (Psol) aconteceu ontem (21.08) uma Audiência Pública, na Comissão de Educação da Câmara, para discutir os resultados de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de práticas para o jornalismo local, vinculado às Pós Graduação dos cursos de Jornalismo e Sociologia Política da UFSC. A pesquisa, apresentada pela professora Andressa Dancosky, traz dados importantes sobre como a população de Florianópolis se conecta com o jornalismo local, analisando hábitos, interesses, sustentabilidade, engajamento e participação. 

A proposta de uma discussão destes dados surgiu principalmente pelo fato de a pesquisa ter apontado que o sítio mais procurado pela população de Florianópolis para se informar sobre a realidade local ter sido o “Floripa Milgraus”, uma página que se autodenomina de “humor manezinho”.  Este dado mostra de maneira cristalina o quanto a cidade está abandonada pelos meios de comunicação, que não priorizam a notícia local. Isso acaba provocando a migração do público para as redes sociais, nas quais vão encontrando informações que aparentemente lhes dizem respeito. O Floripa Milgraus, apesar de ser uma página de humor apresenta cotidianamente informações sobre acidentes, casos policiais e situações citadinas, aparecendo assim como uma fonte de informação do local. 

A audiência pública tinha como objetivo colocar os vereadores da Comissão de Educação a par dessas informações para então propor alternativas no sentido de garantir uma informação qualificada para a cidade. Mas, como sempre acontece quando um tema é proposto pela oposição, nenhum vereador da comissão apareceu. Ainda assim, o vereador Camasão assumiu a coordenação da audiência e o trabalho seguiu. Na plenária estavam muitos jornalistas e representantes de projetos de comunicação comunitária, independente e popular, além da representação da UFECO, ACI e Sindicato dos Jornalistas.  

A pesquisa apresentada pela professora Andressa ouviu 604 pessoas entre maio e junho de 2024. Destas 69,7% se identificaram como brancas, 27,4% como negras, 1,2% como indígenas e 0,5% como amarelas. 33,3% ganham entre três e cinco salários mínimos, 21,4% entre um e dois salários e 17,1% com renda superior a dez salários. 

Para os entrevistados o principal motivo que os leva à busca de notícias é o interesse pessoal e em segundo plano o interesse social. Sobre os temas que mais interessam, as respostas mostraram claramente que, pelo menos no que diz respeito à mídia tradicional, há um abismo. Os temas mais buscados – e não encontrados – foram educação, cidadania, prestação de serviços, meio ambiente, saúde e alimentação. O tema “celebridades e entretenimento” foi o último colocado.  

A pesquisa também aponta que a principal fonte de informação são as redes sociais (55,3%), mas a televisão ainda tem certo poder (25,3). E 79,5% dos entrevistados consideram jornais e jornalistas as fontes mais confiáveis. Pagar para ler notícias foi considerado o principal motivo para desistir (73,5%). Vai aí uma boa dica para os sítios de notícias que escondem notícias só para assinantes. 

Os dados revelados não apresentam muita novidade, pelo menos para quem está atuando no campo do jornalismo comunitário e popular. Estas sempre foram percepções da empiria, por isso é bom ver que uma pesquisa realizada com parâmetros científicos reforça o que já se sabia. A experiência mostra que as pessoas querem saber das coisas locais, elas tem sede e fome de notícias que digam respeito aos seus problemas mais prosaicos, por isso talvez que páginas como a do Floripa Milgraus  seja bem vista, porque ali assomam questões como trânsito, segurança e esporte. 

Outra questão importante para problematizar é a de que esse jornalismo que a população quer, plasmado na pesquisa, já existe. Ele é praticado em Florianópolis em algumas experiências como jornais de bairro, a Rádio Campeche, o Desacato, o Catarinas, a Pobres e Nojentas, ente outros. Ocorre que fazer reportagens e manter um sítio atualizado de notícias não é coisa barata. Aí entra o financiamento. Muitos destes veículos que já existem patinam na falta de recursos, e acabam produzindo menos do que poderiam. Por isso a mídia popular e independente tem feito movimentos no sentido de também garantir para si os recursos públicos que migram em milhões para a mídia comercial. O governo do estado, por exemplo, dispendeu esse ano, até agora, 20 milhões de reais para apenas dois grupos de comunicação que têm rádio, televisão, portal e jornal impresso: NSC, afiliada da Globo, e ND, afiliada da Record. A Assembleia Legislativa transferiu para Acaert (entidade dos patrões do rádio) cerca de 15 milhões para reproduzir seus programas. A pergunta é: por que então não há repasse para as outras mídias? Essa é uma batalha antiga que não avança em Santa Catarina.

O mais impactante da pesquisa é que ela mostra de maneira luminosa que o jornalismo praticado hoje na mídia comercial não interessa e não serve à maioria da população. Isso muito provavelmente explique o porquê da página do prefeito da cidade ser tão vista e seguida. Ainda que recheada de enganos e manipulações, a página fala da vida cotidiana, do parquinho, da praia, das coisas da vida real, da cidade real, das pessoas reais. Na verdade, a comunicação do Topázio segue muito mais as dicas da realidade do que até mesmo alguns espaços ditos de esquerda, que acabam distribuindo informações muito particularizadas e sem interesse imediato para o trabalhador.

É fato que a disputa no campo comunicacional sempre existiu e sempre foi muito desigual para os veículos de cunho popular, independente ou comunitário. E, agora, com o advento das redes sociais, as pessoas acabam buscando aquilo que tem mais a ver com seus interesses pessoais, como aponta a pesquisa. Isso também explica o sucesso da página do deputado Sérgio Guimarães – que foi repórter e se apresenta assim na sua página do Instagram – porque ali se encontra muito mais notícias da cidade, ainda que sob o seu viés político singular, do que em outros espaços da mídia popular. 

A pesquisa deu boas pistas para o pessoal da política, dos movimentos, dos sindicatos, dos meios populares. Ocorre que no caso dos veículos populares o quesito financiamento ainda é um nó cego. Uma mídia dos trabalhadores deveria ser financiada pelos próprios trabalhadores, mas, muitas vezes há que se recorrer a financiamento que podem, inclusive, ir contra o propósito de soberania popular, como são os projetos financiados por fundações estadunidenses ou outras instituições forâneas, que logicamente têm seus interesses, que não são os nossos. 

Por fim, a plenária apontou alguns encaminhamentos que foram entregues ao vereador Camasão que, ainda que ele não seja da comissão de educação, deverá encaminhar o relatório final. Para os jornalistas que lá estiveram fica a esperança de algo se avance, ainda que essa novela do financiamento seja bem antiga e muitos passos já tenham sido dados, sem que os projetos tenham realmente saído do lugar. 

O que fica de bom é a certeza de que o jornalismo ainda é algo que realmente interessa à população e que o jornalista ainda goza de credibilidade. O que reforça ainda mais a responsabilidade do nosso fazer. Reportar o local e mirar o universal é a velha lição de Adelmo Genro Filho (teórico do jornalismo). Fazer isso é o nosso feijão com arroz, o que não impede que seja um feijão com arroz cheio de bossa.



terça-feira, 19 de agosto de 2025

O jornalismo nos tempos do "Eu sozinho"



Foto: criação Kristina Alexanderson - CC-by-sa

Lembro quando até bem pouco tempo fazíamos protesto nas ruas contra o monopólio de comunicação da Rede Globo. A empresa abocanhava Tvs, rádios, revistas. E era muito poder. Fazíamos denúncias sobre essa acumulação de veículos estar burlando a Constituição, mas isso sempre deu em nada, nunca conseguimos sequer arranhar o processo de renovação das outorgas. Uma das alternativas que tínhamos era constituir veículos de comunicação que pudessem chegar às pessoas, contrapondo as informações, no mais das vezes manipuladas pelas grandes empresas de comunicação. Uma luta bem desigual visto que jornais, rádios e outras formas de comunicação da esquerda sempre tiveram pequeno alcance. Disputar com a capacidade de alcance da Globo, Record e SBT era algo brutal. Mas, resistíamos.

O tempo passou e a coisa ficou ainda pior. Chegaram as big techs, com um poder muito mais extraordinário que o da Globo. Oligopólio mundial, alcance infinito e imediato. Além disso, detêm total controle sobre quem pode operar cada uma das chamadas “redes sociais” que disponibilizam.  Criadas para democratizar a comunicação, elas acabam aprofundando ainda mais o abismo. E, se no começo pareciam permitir que todas as vozes ecoassem, agora controlam o que se vê a partir de um algoritmo. Um robô decide se uma postagem nossa pode ou não circular. Estamos presos na teia. E elas entraram na vida das pessoas de tal maneira que hoje, se uma das plataformas sai do ar, ocorre um caos mundial, como se o fluxo da comunicação não pudesse mais viver sem elas. 

No campo da esquerda a resposta ao violento controle tem sido bem pífia, ou ainda pior, de aceitação desta lógica. Há quem proponha a taxação das big techs, ou uma lei que controle em alguma medida os conteúdos veiculados, mas isso é absolutamente impossível. Mesmo que haja taxação e lei elas seguirão fazendo o que fazem que é disseminar a ideologia do capital. A mercadoria na sua forma pura, sendo semeada o tempo todo e sem controle algum. Mercadorias materiais e imateriais, ideias, ideologias, só o que interessa aos donos do poder. O que aparece nas nossas linhas de tempo é o que o algoritmo dita. E o algoritmo é controlado pelos graúdos.

No campo do jornalismo a situação só piora. Se antes, com o monopólios das três gigantes (Globo, SBT e Record) a informação era manipulada, havia sempre alguma chance de algo escapar, bem como os veículos independentes podiam contrapor os fatos, com algum alcance. Jornais sindicais, por exemplo, tinham boas tiragens e chegavam aos trabalhadores. Hoje não. Vivemos o tempo do “jornalismo de pessoa". Os jornais, comerciais ou não, estão quase extintos e os que existem trabalham com pautas policiais (à exaustão) e temas amenos que não constituem a possibilidade do conhecimento ou da reflexão sobre os fatos. E justamente por isso, os jornalistas que ainda atuam fazendo jornalismo acabam tendo de publicar nos seus blogs ou páginas pessoais nas plataformas ditas “sociais”. Isso é ruim para o jornalista que fica sozinho, exposto, sem qualquer anteparo e é ruim para o jornalismo, pois se o jornalista em questão não tem um número massivo de seguidores, sua voz fica totalmente obscurecida. É praticamente a mesma resistência frágil que tínhamos nos velhos tempos, só que sem o suporte do projeto coletivo, o que torna tudo mais difícil. E se o jornalista não conseguir abocanhar seguidores, o trabalho fica invisível.

Além disso, o fenômeno das redes sociais instituiu a figura do “influenciador”, que já virou até profissão. É a pessoa que domina o processo de comunicação com a massa, basta que tenha milhões de seguidores. Isso vale para quem faz dancinha, vende produtos, mostra o corpo ou mesmo repassa ideias. Vide as estranhíssimas criaturas do universo bolsonarista que divulgam coisas absurdas, amealhando milhares de seguidores. Assim, a mediação do jornalista sobre os fatos parece não ser mais necessária. Uma pessoa com um microfone pode informar que os extraterrestres estão chegando, que o golpe vem em 72 horas ou qualquer outra coisa, sem precisar mostrar qualquer comprovação. 

As pessoas consomem a informação diretamente das fontes que elegem como “confiáveis”, ainda que apresentem grotescas falsificações ou realidades forjadas na IA. Se olharmos com detalhe não se diferencia muito do que sempre foi, já que uma informação que aparecia no jornal ou na TV também vinha carregada de ideologia ou manipulação. E também tinha mais poder quem tinha mais audiência, como era o caso da Globo, cujo sinal conseguia chegar limpinho nos confins do país. 

A diferença é que hoje, pelo menos no campo do jornalismo, a informação virou um produto do “eu sozinho”.  Há que se confiar na pessoa, no jornalista que atua em solidão, e este precisa disputar o coração e as mentes num universo absolutamente desfavorável e sem qualquer controle. Um robô qualquer, numa manhã qualquer, pode derrubar a página e já era. O poder da comunicação de massa está na mão de pouquíssimas figuras, das quais raríssimas estão a serviço da informação veraz. É uma batalha ainda mais desigual do que a que travávamos antes do advento das plataformas. 

Vida dura! Mas, seguimos, resistindo.