quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Os brasileiros por conta própria


As cenas no nordeste são de arrepiar. O óleo vazado dos navios da Shell chegando a mais de 180 pontos de praia. E nenhuma ação do governo brasileiro para conter o desastre. O presidente chegou a dizer que o país não tem responsabilidade alguma, logo, nada fará. Está brincando de rei no Japão. E, como o governo acabou com o Comitê que trabalhava na contenção de desastres, não há qualquer política de ação. Cada cidade está tendo de agir por si.

Enquanto isso, as gentes que vivem nas cidades afetadas estão tirando o óleo da praia do jeito que dá, com apenas sua intuição e desejo de vencer o drama. Quando o dejeto chega à praia, eles enrolam com as próprias mãos e colocam dentro de sacos plásticos, que são levados sabe-se lá para onde.O importante para os moradores é tirar o óleo da praia, já que o mar é o espaço de sustento de grande parte das pessoas.  

O abandono do governo tem a ver com o imenso ódio que o grupo de poder têm dos nordestinos. Primeiro, porque acreditam que lá, todo mundo é do Lula e do PT. E segundo, pelo racismo explícito, sempre alardeado pelo agora presidente da nação. A impressão que se tem é de que essa gente que está no poder agora fica vendo o desastre, rindo e comemorando o fato de os “petralhas nordestinos” estarem sofrendo. Há quem diga que o desastre foi provocado em represália contra os nordestinos. Não sei se chegariam a tanto. Mas, dado o desastre, a inação é deliberada, com certeza.  

Nos grupos de apoiadores do governo os comentários são os mais abjetos: “ que se virem”, “peçam ajuda ao Lula”, “ vão se ferrar”, ou seja, representam e expressam justamente o mesmo sentimento do governo.  Já os liberais aplaudem a ação dos moradores dizendo que é isso mesmo, que se organizem sozinhos e não fiquem pedindo ajuda ao “papai” Estado. Segundo eles, o Estado não tem de dar respostas para tudo.Cada um que se vire.   Ora, se o papai estado não deve ser chamado num desastre dessa natureza, talvez os brasileiros atingidos também não devessem ficar sustentando o “papai” estado, já que são as pessoas que sustentam essa máquina com seus impostos. Logo, não existe um papai estado. O que existe é uma nação sustentada pelo povo que ali vive. O governo não é pai. O governo deveria ser o organizador do espaço, gerindo os recursos que são criados pela população em benefício dessa população. 

Mas, claro, isso seria o ideal. Na verdade, o estado é “papai”sim, mas não da maioria da população. Ele sente-se pai de apenas uma fatia bem pequena da população, que é a dos empresários e grandes proprietários. Para essa parcela ínfima tudo está reservado. Se os bancos, por exemplo, sofrem algum colapso, lá vai o Estados salvá-los. Se alguma grande empresa tem problemas, lá vai o Estado salvá-la, se algum empresário bem rico precisa de ajuda para ampliar os negócios, lá está o Estado para ajudá-lo. Mas, se a floresta pega fogo, que se virem as gentes. E se o óleo de uma empresa multinacional é jogado no mar, que as pessoas encontrem formas de limpar as praias. Nada de esperar pelo “papai” Estado. Porque o estado não é pai dessa gente mesmo. 

O estado é balcão de negócio da classe dominante. Só a ela serve.

Por isso, no nordeste, são as pessoas que estão se virando por conta própria. 

O estado brasileiro está se desobrigando de sua gente, todos os dias, um pouco mais. Além de abandonar o nordeste de maneira perversa, hoje também celebra o fato de jogar na sarjeta todos os seus velhos. O senado aprovou a reforma da previdência que define o fim da aposentadoria dos brasileiros. Raríssimos trabalhadores conseguirão chegar a essa situação visto que terão de trabalhar mais de 40 anos para requerer o benefício. E se chegaram a isso, terão ainda um benefício bem encolhido, que não será suficiente para sobreviver, que dirá viver.  

A reforma passou sem que as grandes centrais sindicais dessem sequer um suspiro. As lideranças burocratizadas preferiram negociar com o Congresso alguns destaques, tentando evitar o pior. Obviamente também não conseguiram porque esse Congresso que aí está não representa a população e sim os grupos de interesses e poder.  

Assim, o Estado brasileiro vai mostrando sua cara real,eliminando qualquer ilusão que alguém possa ter sobre ser o pai das gentes. Não há absolutamente nada que se possa esperar do Estado. Muito menos do sistema que o sustenta e que alguns chamam de “democracia”.  O quanto antes a população entender que nem o Estado a representa, nem a democracia existe, mais rápido será possível mudaras coisas.

Vejam que o sistema de poder é muito eficaz na sua batalha discursiva. Tanto que chama de ditadura sistemas de governo como os de Cuba, da Venezuela e agora da Bolívia. E chama de democracia países como os Estados Unidos, Iraque, Brasil. Ora, Cuba exerce muito mais a dita democracia que qualquer lugar do mundo. Lá, a população sabe o que acontece e decide os rumos do país em cada rua, cada bairro. Na Venezuela, a maioria da população é chamada para decidir sobre os rumos do país. Isso é apresentado como ditadura e ponto final.

Já um país como os Estados Unidos que nem eleição direta para presidente tem– o que seria um pilar básico da tal democracia – é visto como modelo de liberdade no mundo. E só são reconhecidos como “democracia” os governos que se aliam aos Estados Unidos.Ou seja, tudo está “de patas para o ar”. Aquilo que dizem ser democracia é na verdade ditadura, e o que chamam de ditadura são governos de liberdade. E é incrível que as pessoas não consigam perceber isso, tão ofuscadas que estão pela comunicação massiva e ideológica. 

Por isso que o governo brasileiro e a mídia local mentem dizendo que o óleo chegado ao nordeste veio da Venezuela. Ligam assim o desastre à “ditadura” e ficam isentos da responsabilidade. Ora, mesmo que o óleo fosse da Venezuela – e não é  - o governo tinha de ter um plano de contenção de desastres. E se vier um furacão? Ou uma tormenta? Ou um tsunami? O Estado não vai agir? Ao que parece, não.  

Estamos por nossa conta e, inclusive, sem direito a ficar velho. Bueno, isso pode ser bom, se estamos por nossa conta, e estamos dando conta, isso significa que esse Estado aí não é necessário. Logo... um mais um são dois. 

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