quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Não matem o jornalismo, façam-no viver



Amanheci impactada com a notícia sobre a demissão de tantos jornalistas, mais de 20, de uma só vez, em Santa Catarina, em uma única empresa. Alguns dos companheiros e companheiras com mais de 20 anos de casa, vindos da antiga RBS e incorporados pela agora NSC, que os demite. Perder o emprego nesses tempos sombrios parece adquirir uma carga mais pesada. Com meus colegas me solidarizo e os abraço.

As demissões acompanham toda uma mudança de estratégia da empresa que abocanhou o monopólio dos jornais impressos de Santa Catarina que é a de migrar toda a produção de informação apenas para a rede mundial de computadores. Assim, acabam com os três jornais impressos que cobriam praticamente todo o estado. Não haverá mais papel diário, apenas a produção de uma espécie de revista semanal. 

Bom, é importante pensar sobre o papel desses jornais no estado. O Jornal de Santa Catarina, da região de Blumenau, já teve uma linda história, antes de ser comprado pela RBS. Grandes jornalistas se forjaram ali, produzindo reportagens magistrais. Era um jornal regional de muita qualidade e tinha muita influência na formação da opinião pública. Depois, no processo de monopolização da mídia pela RBS, foi comprado pela empresa gaúcha e virou uma pálida lembrança, segurando-se apenas no nome, ainda vivo na memória das gentes. Com alguns anos de “rbscização”, parteurizou, ficou aquela gosma sem vida e sem jornalismo real.

Em Joinville, maior cidade do estado, o jornal A Notícia igualmente teve seus tempos de glória, com jornalismo de qualidade, grandes reportagens, debates culturais, opinião. Jornalão tradicional, gostoso de ler. Comprado pela RBS virou um pastiche. Perdeu sua força narrativa. E mesmo que ainda por lá resistissem bons e bravos repórteres, no geral ficou como o Santa: uma gosma. Pouco produzia de jornalismo, seguindo a lógica de produção de ideologia pura, com raríssimas concessões, muitas vezes cavadas à força pelos jornalistas.

O Diário Catarinense, proposta da RBS para a capital, era, então, o pior deles. Desde que nasceu  trouxe a ideia de um jornalismo “mais informativo”, como se o que fosse praticado aqui no tradicional jornal O Estado, por exemplo, não o fosse. Era, na verdade, um projeto de márquetim, e que foi comprado pela classe dominante catarinense justamente para melhor desinformar a sociedade.

Sendo assim, o fim desses três jornais, que já agonizavam desde algum tempo, sendo praticamente impossível lê-los, não significa a morte do jornalismo no estado. Nada havia ali. E se pontuava alguma gota de jornalismo era só para manter as aparências. Então, o que morre agora não é o jornalismo em si. O que morre são três veículos inúteis, que durante seu tempo de monopólio só produziram exploração dos trabalhadores e, nas suas páginas, apenas ideologia.

Reitero, de novo, a qualidade de grandes repórteres - de texto e de imagem - que sempre fizeram das tripas coração para fazer jornalismo, conseguindo aos trancos e barrancos, oferecer pílulas de conhecimento sobre a realidade catarinense. Uma luta diária contra as pautas tolas. Esses profissionais, contrabandeando jornalismo para dentro dos jornais, deram uma contribuição importante já que os três impressos cobriam o estado inteiro. 

Mas, enquanto projeto de jornal mesmo, a proposta dos periódicos era um lixo só. E, depois que a NSC assumiu, a coisa piorou vertiginosamente. Uma vergonha. 

Agora, dizem os “empresários”, o jornalismo diário vai ser feito apenas nos portais. Ora. Não haverá jornalismo. Eles estão demitindo os jornalistas. Demitiram. Jogaram fora. Porque seres humanos não contam. São números numa planilha do financeiro. Vinte anos de dedicação, fins de semana perdidos, noites sem dormir. Nada disso é levado em conta. Adeus. Passe no financeiro. Vá empreender. Certamente os portais de notícias serão nutridos por pessoas que serão contratadas como “produtoras de conteúdo”, com um salário abaixo do piso de jornalista e uma carga de trabalho imensa. 

Ainda assim, a estratégia da NCS não mata o jornalismo. Porque o jornalismo é um fazer do jornalista, e não do empresário da comunicação. 

Então, minha gente. O que morre não é o jornalismo. Ele segue aí, pronto para ser esgrimido como uma forma de conhecimento e não apenas como informação vazia, ritualística e desconstrutora. 
As empesas apostam na internet porque querem reduzir custos. Não estão preocupadas com formar um público qualificado e discutir os grandes temas do Estado. Não estavam quando tinham o impresso e não estarão nas redes ou na revista gosma que virá. Não é sua intenção ampliar o pensamento crítico. Pelo contrário. Emburrecer e alienar. Esse é o padrão. 

Mas, se há um desejo de alienação das gentes por parte do empresariado comunicacional, há também um desejo nas gentes. E a informação, hoje, é uma necessidade social. Qualquer um sabe disso, mesmo os que creem nas mentiras formuladas todos os dias pelos jornais e televisões. E mais, as pessoas, levadas e interagir com o mundo, querem saber também do que acontece na sua aldeia.
Então, está aberto o campo para a produção de jornalismo mesmo. Eu sinto essa vibração no ar. É chegada a hora de colocarmos o jornalismo nas ruas, em pequenos jornais, panfletos, qualquer coisa de papel que possa ser lido no ônibus, no caminho para casa, no alpendre ao anoitecer. É tempo dos jornalistas de verdade produzirem jornalismo. Sem os três lixos que infestavam a vida dos catarinenses, descortina-se um horizonte. Pode ser difícil, e será. Mas, é hora de começar. 

Quem sabe não acontece de novo, as flores vencendo o canhão. O pequeno jornal, contando histórias, desvelando a realidade, contextualizando os acontecimentos, formando, criando conhecimento? 
Não sei, mas sinto que algo muito lindo pode começar. O jornalismo, outra vez, nas ruas, fazendo o que tem de fazer: formando uma audiência crítica e capaz de compreender o que acontece por trás das cortinas do poder. 

Avante, jornalista, de pé!  Em Blumenau, em Joinville, em Florianópolis e em toda Santa Catarina.



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