Ainda é muito poderosa a força que exerce a grande mídia
comercial, principalmente a televisão, na formação de ideias e princípios
acerca da vida e do mundo. Todos os dias esses meios chegam massivamente nas pessoas,
atirando verdades e semeando conceitos. No geral, essas empresas comerciais –
de televisão e de jornalões – são braços
armados da classe dominante. Falam e escrevem aquilo que serve aos interesses
dos que dominam o mundo no modo de produção capitalista.
Um dos tiros certeiros dessa fábrica ideológica é a criação
do ódio. Mas, não é exatamente ódio de classe, explícito. Ele se fragmenta em “pequenos
ódios singulares” que servem para manter em estado permanente de vigília e
conflito trabalhadores contra trabalhadores. Fomentar o ódio intra-classe ajuda
a esterilizar o inimigo verdadeiro, que deveria ser o sistema capitalista, ou
classe que dirige esse modo de vida tão mortal. Então, criam-se verdades sobre
a maldade dos gays, o terrorismo natural dos árabes, a delinquência dos latinos
e negros, a insanidade das mulheres feministas, e por aí vai.
Nos Estados Unidos isso é fica completamente visível através
da indústria cultural, que nos chega com pacotes bem embalados, reproduzidos
pelas grades redes de TV. Qualquer filme estadunidense que mostre o cotidiano dos
adolescentes deixa claro que, na escola, todos esses “pequenos ódios” afloram e
são vistos como normais.
Talvez por isso não apareça como absurdo o fato de que
milhares de pessoas tenham comemorado o terrível massacre acontecido numa boate
gay em Orlando, como se a morte de mais de 49 pessoas tivesse sido uma limpeza
necessária. Não causa espanto porque os mortos, além de homossexuais eram
também, na maioria, latinos. Ou seja, para os que crescem sendo inoculados com
os “pequenos ódios”, o massacre foi digno de celebração. Ainda mais que o
assassino, Omar Mateen, foi um “árabe”, logo, um terrorista em potencial. Pouco
se falou do fato de ele ser um estadunidense, criado nos EUA, que comprou suas
armas nos EUA e atirou em gays e latinos, porque fora inoculado com o ódio
sistemático desde sempre. Para todos, a causa vem de fora. É mais seguro pensar
assim.
Mas, o ódio aos gays e latinos não ficou só na celebração do
massacre. Os “ativistas” homofóbicos ainda buscaram fazer manifestações nos
enterros das vítimas. E pasmem, eram“cristãos”, como no caso do grupo da Igreja
Batista Westboro, que tentou tumultuar o funeral de uma das vítimas, Christopher
Leinonen, no último sábado. Esse grupo já é bastante conhecido no país e tem se
destacado exatamente por isso: fazer arruaça nos enterros de homossexuais.
Como entender uma coisa dessas? Como não perceber que aí
está o resultado de anos e anos de pregação racista, homofóbica, discriminadora
contra qualquer tipo de gente que fuja do padrão da eugenia estadunidense:
branco, rico, domesticado e ignorante.
Nós, no Brasil, vamos vivendo tudo isso também, com a
ascensão de figuras que pregam descaradamente a violência contra homossexuais,
que falam publicamente que poderiam estuprar uma mulher pelo simples fato de
ela ser uma política atuante, que incitam ao ódio cirúrgico. Esses ódios em
gotas contra parcelas específicas da população: negros, mulheres lutadoras,
homossexuais, ativistas sociais, sem-terra, sem-teto, estudantes secundaristas,
índios. São ódios particulares, fomentados aqui e ali, hora um, hora outro e
que, certeiramente, também acabam dividindo as lutas. Há que se ligar que o que
esses caras - os quais me recuso a
nominar – querem é justamente isso, dividir e enfraquecer.
O que essa gente faz é propagandear seu ódio à classe
trabalhadora, aos empobrecidos, aos oprimidos pelo sistema, aos que estão em
luta pela transformação. Por isso escolhem uma ou outra parcela, para
escamotear e fazer com que a própria classe trabalhadora entre na espiral do
ódio contra os seus. O ódio intra-classe, desagregador e destrutivo que faz o
negro odiar o índio, o branco odiar o negro, a mulher ver uma “vagabunda” na
outra mulher que luta, um trabalhador ver um bandido no agricultor sem terra ou
no pai de família que luta por moradia. Tudo tão bem orquestrado pela mídia
comercial, fábrica de ideologia.
Mas, enfim, nem tudo está perdido. Gente há que se importa e
age. Como as 200 pessoas que decidiram ir ao enterro de Christopher Leinonen, para proteger o morto e os familiares dos ativistas “cristãos”. Ajudados por
outros tantos voluntários do departamento de figurino do Orlando Shakespeare
Theater, que criaram estruturas imitando asas, eles se vestiram de anjos da
guarda e foram enfrentar os violentos homofóbicos da Westboro.
Esses contra-manifestantes tem feito isso
sistematicamente desde 1998 em situações como essas, buscando apoiar as
famílias contra os homofóbicos. São pessoas comuns, que sabem que ódio
particularizado da classe dominante não serve à maioria. O que serve é o amor,
o reconhecimento de que o outro, o caído, o oprimido, o índios, negro,
sem-terra, sem-teto, a mulher que luta, o imigrante empobrecido, enfim, cada um
e cada uma que busca transformar o mundo é um irmão e uma irmã em potencial.
Logo, há que defendê-los.
A cena dos “anjos” nos enterros encheu meu coração de
alegria. Acredito firmemente: dia virá em que o amor unirá a todos os que querem
construir um mundo de riquezas repartidas, de reciprocidade, cooperação e
solidariedade. Porque as revoluções que transformam a vida são eivadas de amor,
por todos aqueles que merecem sentar a mesa do banquete que, hoje, só é
oferecido a uns poucos no mundo. Nós ainda vamos dançar, comer e beber no
paraíso, construído por nós, aqui e agora.
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