quarta-feira, 25 de agosto de 2021

De cozinha e de felicidade



Minha mãe adorava dormir de manhã e odiava cozinhar. Por isso, no geral, acordava de mau humor. Porque sabia que logo teria de entrar na cozinha. Levantava sempre depois das 10h, cara amarrada, tomava um cafezinho preto e já começava a azáfama do almoço. Não gostava da parada, mas era mestre. Jamais fez um prato só. Enchia a mesa com várias opções. E era tudo muuuuito bom. Seu mau humor ia diminuindo conforme ela dançava entre as panelas, a mesa e o fogão. Eu sempre procurava diminuir seu trabalho e funcionava assim como uma auxiliar de cozinha. Fazia o pré-preparo e, nisso, fui aprendendo a cozinhar também.  Ela não gostava de carne moída. Preferia picar em pedaços bem pequenos e bater, bater, bater. Era uma perfeccionista. Nunca entendi como podia ela detestar tanto cozinhar e fazer isso tão bem. 

Depois que saí pra vida levei comigo esse desgosto com a cozinha. Também nunca fui de cozinhar e minha opção principal sempre foi comer fora. Nos finais de semana, um sanduiche de mortadela já estava muito bom. O máximo que eu chegava a fazer era um arroz com guizado para comer com farinha. Quando decidi morar com o Pedro, os deuses me abençoaram, ele adora cozinhar. Depois, chegou meu sobrinho, praticamente um chef. Ô, bênção! Ainda assim, se eles não estão, eu tranquilamente me viro com sanduiches.

Com a chegada do pai, as coisas mudaram. Ele precisa de refeições balanceadas. Há que ter almoço, jantar, lanches. Valamideuzi. Antes da pandemia, o Renato me valia e tudo ia bem. Mas, com a peste, tive que ficar em casa e aí, a cozinha estava lá, me chamando. As aulas pela internet do Renato e o meu trabalho remoto viraram a vida de pernas para o ar, e ao final, em vários dias da semana o almoço é por minha conta. 

Foi só aí que entendi o lance da mãe. Sobre como podia ela não gostar de cozinhar, mas ainda assim fazer as comidinhas mais deliciosas do mundo (sim, porque nunca encontrei panquecas ou bifes à milanesa melhores do que os dela).  Não era o que fazer, mas o para quem. Ela cozinhava para nós, seus filhos, seu companheiro. Ela superava o fato de não gostar de cozinhar com o seu compromisso de amor. Por isso tudo saia tão bom.

É o que acontece comigo. Quando é meu dia de cozinhar já começo bem cedinho tirando os ingredientes da geladeira, deixando-os descansar. Depois, vou fazendo tudo como a mãe fazia, do mesmo jeitinho e com os mesmos temperos. Coloco para tocar as músicas do Expresso Rural, abro uma cerveja, e entre cantorias e bailados vou mexendo os caldeirões. Quando o pai acorda, já encontra a cozinha nessa polvorosa, porque também como a mãe, eu faço uma baita bagunça com os temperos e as panelas. Como ele gosta de música, ponho os vídeos do Orlandinho e ele se diverte com os passinhos. A gente dança. Depois, passamos para as músicas gaúchas, de preferência as que falam de Uruguaiana. Ele toma um vinho e a comida vai se fazendo. Não há mau humor nem má vontade porque tudo está temperado com a bem-querença. É quando sinto, visível e concreto, o espírito da minha mãe. Ela conhecia esse segredo. Era só amor. 

Acho que é por isso que consigo fazer comidas gostosas, mesmo que sejam meio sem sal (por conta da pressão alta da turma). E, assim, vamos mantendo o bom astral e a alegria, apesar de ter de conviver com uma doença tão terrível como é o Alzheimer. 

Não, a vida não é um conto de fadas e nem todos os dias são bons. Mas, seja em qualquer hora, ver o riso do pai é a melhor pedida. Vale todos os sacrifícios. Penso que era isso que ia mudando o humor da mãe, todas as manhãs, enquanto ia cozinhando. Sua alegria era a mesa farta e todos nós saboreando. Mas, ela encontrava um jeito de se “vingar” também, deixando a pia repleta de louças. Acabo fazendo igual. Cozinho, mas bagunço. Por isso o Renato, quando se prepara para sua tarefa de lavar a sujeira toda, diz:

- A dona Helena passou por aqui. E é bem verdade.



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