quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Novo ataque à UFSC - Entenda o caso



A Corregedoria-Geral da União publicou uma portaria na qual pune o reitor da UFSC, Ubaldo Balthazar, com suspensão do cargo, e ainda aplica uma advertência à vice-reitora Alacoque Lorenzini Erdman e ao Diretor do CSE, Irineu Manoel de Souza. Segundo a portaria a punição diz respeito ao fato de o reitor ter nomeado Ronaldo Davi Viana Barbosa como Corregedor-Geral da UFSC, depois de discussão e aprovação no Conselho Universitário.

Para compreender esse episódio é necessário voltar a outro, que acabou causando, inclusive, a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier, em dois de outubro de 2017, quando ele se atirou do sétimo andar do Centro de Compras Beira-Mar. Cancellier tinha sido denunciado por obstrução de justiça, justamente pelo então corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado. A denúncia levou a uma operação policial na UFSC que prendeu o reitor e o submeteu a uma série de constrangimentos e humilhações, culminando com a decisão de afastá-lo da universidade. Cancellier se viu envolvido em um escândalo de desvio de 80 milhões de reais, conforme divulgava a mídia da época e que, depois, com o andar da carruagem caiu para 300 mil. Notícias enviesadas e mal apuradas levaram a manifestações bastante fortes da comunidade universitária contra Cancellier, a tal ponto de até no velório do reitor haver pessoas, aos gritos, desrespeitando sua memória.

Cancellier, que havia sonhado uma vida inteira com a reitoria, viu sua reputação ser destruída em poucos dias. Não podia falar com os colegas, não podia sequer entrar na UFSC. Seu gesto desesperado chocou a instituição que tinha sido muito lenta na defesa do reitor. Nos dias que sucederam a denúncia e a prisão, poucos se manifestaram em apoio e o nome de Cancellier ficou manchado como aquele que havia roubado os 80 milhões. Na verdade, a denúncia fora por obstrução e não por roubo. O que o corregedor alegava era que Cancellier sabia do uso indevido do dinheiro e não investigou o caso, apesar de ter sido alertado. Mas, para a mídia e para a opinião pública isso não estava claro. O reitor aparecia como um ladrão. Cancelier não suportou.

Os dias que se seguiram a morte de Cancellier foram pesados na UFSC. A investigação policial não apresentava qualquer prova sobre a suposta obstrução realizada por Cancellier e a instituição foi percebendo que todo o espetáculo montado durante a prisão tinha sido uma exagerada ação que beirava o desmando e o abuso.

Internamente, o corregedor-geral Rodolfo Prado passou a ser visto como o responsável pela morte do reitor, visto que partira dele a denúncia. Ele bancou a denúncia que fez e seguiu trabalhando normalmente, mas logo pediu afastamento por licença médica e depois mais 30 dias de férias. A reitoria decidiu por exonerá-lo do cargo em fevereiro de 2018, alegando a necessidade da manutenção da harmonia após o tumulto causado pela Operação Ouvidos Moucos. A UFSC ficaria então sem um corregedor-geral. Assim, depois da exoneração de Rodolfo, o reitor decidiu nomear Ronaldo Davi, que já era corregedor auxiliar, para assumir como corregedor-geral. A CGU foi consultada e declarou não haver nada desabonador contra ele. Por conta disso, quando encerrou o mandato tampão, Ronaldo foi reiterado como corregedor-geral, para novo mandato.

Nesse ínterim as disputas envolvendo o cargo seguiam se fazendo e Ronaldo chegou a ser denunciado em um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), por não cumprimento de horário e retirada de documentos sem autorização quando ainda era corregedor auxiliar. Esse PAD foi aberto na CGU com alegações de que o clima era instável na UFSC por conta da operação que levara o reitor à morte. A reitoria da UFSC alega que não sabia desse PAD aberto em maio de 2018, quando Ronaldo já era o corregedor-geral, e só foi informada numa segunda nota técnica encaminhada em 2019, a qual solicitava que Ronaldo não fosse reconduzido como corregedor-geral.

Um parecer sobre as notas da CGU foi solicitado pelo Conselho Universitário e escolhido o relator: o diretor do CCJ, professor José Isaac Pilati, que coloca por terra as alegações da CGU considerando as notas técnicas equivocadas e sem sustentação jurídica. Assim expressa o documento: “com muita habilidade, o texto (no caso, da segunda nota técnica) inseriu ocorrência posterior, para vincular a nomeação perfeita a um processo administrativo disciplinar movido a poster/or/ contra ele, Ronaldo; a misturar as coisas de modo a extrair consequência jurídica estranha ao caso, ou seja, para pleitear a anulação ab ovo da nomeação válida e perfeita ao seu tempo”. E, com base na argumentação do relator, o Conselho decidiu por manter a decisão de nomeação de Ronaldo como corregedor-geral para mais um mandato de dois anos.

Ocorre que a CGU não aceitou a decisão do CUn e decidiu por afastar o corregedor nomeado das funções de técnico-administrativo por 60 dias, tentando impedi-lo também de entrar na UFSC . O reitor e o Conselho Universitário consideraram a decisão da CGU como um ataque à autonomia e decidiram mantê-lo no cargo. E foi isso que acabou gerando o Processo Administrativo contra o reitor e todos os que participaram na sessão do CUn, que agora culmina com essa punição.

Na época, a maioria dos conselheiros, ao ser notificada do PAD, que é uma investigação interna, decidiu entrar na Justiça contra a decisão, pois, afinal, tinham votado num parecer apresentado pelo relator do tema, um jurista, e que garantia ser completamente legal a indicação de Ronaldo. O processo se extinguiu, mas a CGU conseguiu desmembrá-lo e reabriu novo PAD contra aqueles que não haviam ingressado na justiça, no caso, os três agora punidos. Lendo os documentos, que estão disponíveis na plataforma Solar, parece claro que a UFSC tomou a decisão acertada, sem qualquer dolo para a instituição.

Na imprensa, como sempre, o caso aparece como uma coisa isolada e as pessoas envolvidas são apresentadas como criminosas. A verdade é que o tema tem suas implicações políticas e o pano de fundo é a luta pela autonomia da universidade, que está na Constituição, no artigo 207, mas que mesmo assim encontra dificuldades para ser reconhecida ou respaldada. É na verdade mais uma batalha na guerra deflagrada contra as instituições federais de educação. Por isso que dizer meias-verdades, ou não contextualizar a notícia, pode provocar ainda mais desinformação.

A imprensa segue sendo irresponsável.

O diretor do CSE, Irineu Manoel de Souza, que na época da abertura do PAD decidiu não entrar na Justiça, acabou penalizado justamente por ter confiado no processo interno. Ele afirma que o conselheiro tem por obrigação votar em qualquer processo, contra ou a favor, e seu voto é balizado pela decisão apresentada pelo relator. Na época, nada havia no parecer do relator que significasse irregularidade, daí o seu voto favorável. Agora, com essa punição, que considera injusta, ele deverá recorrer na justiça comum.

Nessa sexta-feira, o Conselho Universitário se reúne para discutir o tema.

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