quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A mãe e as costuras


Se tem uma coisa que herdei da minha mãe foi o gosto pelas coisas rootzeiras, raizais. Ela era assim, mesmo nas épocas das vacas gordas tinha aquele espírito de pessoa simples, e gostos bem esquisitos para roupas. Não lhe agradava comprar na Casa Nemetz, uma loja chique onde o pai tinha conta lá em São Borja, aonde vivíamos. Quando íamos para as compras, minha irmã se lambuzava comprando roupas bonitas e modernas. Já a mãe e eu nos entreolhávamos, estranhadas, sem conseguir gostar de nada. Penso que foi isso que a levou para a costura. 

Ela tinha uma máquina Singer que a acompanhou quando tivemos de migrar para Minas Gerais. Foi a única coisa que não vendemos e a única coisa que carregamos pela estrada afora até Pirapora, onde fomos viver. Na verdade ela não gostava muito de costurar, mas costurava bem. Fazia as próprias roupas. Suas preferidas eram as calças largas e confortáveis, as quais não encontrava nas lojas. Tinha muitas, pois as fazia em tempo recorde. 

Minha irmã se beneficiava também, pois quando queria uma roupa nova para um baile ou uma festa, a mãe conseguia garantir numa única tarde. Seu palácio de compras não era a Nemetz, nem a loja Amilíbia, também chique. Não. Eram as Pernambucanas, onde se deliciava com as mais variadas texturas das quais fazia brotar seu modelitos estranhos. 

Eu tinha minha moda preferida que era um tipo de vestido retinho, de alças. Possuía os mais variados, de diversas estampas, mas sempre o mesmo modelo. Era tão necessário que eu mesma aprendi a fazer. Quando saí de casa levei o molde e estava sempre reproduzindo. Quando ia pra casa nas férias aprendia amiúde uma coisa nova. Costurar com a mãe era parte de um ritual. Nossa cumplicidade na estranheza. Os vestidos de saco de farinha tingidos e as calças largas eram de lei. 

A vida e o trabalho me desviaram da costura. E, mesmo quando a mãe encantou e eu herdei sua máquina de costura, era difícil para eu arriscar os modelitos. Vida corrida. E costurar é coisa que exige paciência, atenção, tempo. A máquina foi doada a quem lhe deu uso e eu segui sem os meus vestidinhos. 

De qualquer forma meus gostos esquisitos para roupa seguiram e sempre é um problemão comprá-las, pois não há coisas de que eu goste nas lojas. Cada vez que entro numa sinto minha mãe do meu lado e nos entreolhamos, estranhadas. As modas impõem um tipo de calça, um tipo de vestido, um tipo de modelo. E eu continuo gostando de usar os vestidos de saco e as calças largas. 

Então, dia desses, enquanto conversava com o pai nas tarde de inverno travestido de verão tomei a decisão de voltar à costura. Fui  buscar as velhas revistas da mãe que guardo como um tesouro e achei os moldes dos meus vestidos e das calças.  Estavam ali, ainda com a letrinha dela. Fui direto para a Casa do Povo e me senti como naqueles dias dos anos 1960,70 nas Pernambucanas, entre os tecidos e texturas. Comprei alguns panos e me pus a costurar. De imediato consegui dar vida as calças largas e confortáveis que tanto gostamos, a mãe e eu, e já as tenho, completamente livre da moda do momento. Para o verão virão os vestidinhos.  

Assim, nas tardes com o pai, entre panos, chimarrão e os moldes de papel manteiga, vamos reconstituindo um passado, dialeticamente. E na cozinha, onde armo a parada, vejo a minha mãe sorvendo o mate, com sua perna cruzada, sorrindo. São momentos de pura beleza. E hoje estreei meu primeiro modelo em flanela. Tá meio torto, mas tudo bem. Que felicidade. 


Um comentário:

Paulo Abreu disse...

Minas Gerais, 22 de agosto de 2019

Prezada Elaine Tavares,

Ainda sou do tempo das cartas entre outros atavismos. Estou passando para parabenizar pelo seu blog. Muito legal.

Li que você é de São Borja, a cidade fronteiriça de origem jesuíta, tornou-se símbolo da brasilidade que por estes tempos anda necessitando de novos Getúlios e/ou Jangos. Valei-me São Borja.

Um abraço! Desejo tudo de bom e do melhor hoje e sempre

Paulo Abreu