Praça de Lages
Santa Catarina entrou para o mapa da história do mundo em 1515 quando alguns náufragos da expedição de Juan Díaz Solís passaram pelo estado em direção ao estuário do rio da Prata. Eles aportaram na então chamada ilha dos Patos, onde hoje é a ilha de Santa Catarina e foram muito bem recebidos pelos povos que ali viviam, possivelmente a gente Guarani. O fato de começar por Santa Catarina o famoso caminho do Piabeiru, que ligava os povos indígenas em rotas comerciais até o império inca, mostra que a região era bem cobiçada pelos que vinham da Europa em busca do ouro.
Durante mais de 100 anos os espanhóis ocuparam essas terras, cometendo as mais atrozes violências contra os povos originários, também em franco combate com os portugueses que buscavam garantir o controle sobre a área. Mas, foi só em 1660 que os portugueses conseguiram fundar uma colônia estável, onde hoje é São Francisco do Sul. Quinze anos mais tarde foi a vez do bandeirante Francisco Dias Velho fundar uma colônia na ilha de Santa Catarina. Logo em seguida foi a vez de Laguna.
O litoral era um espaço importante para os portugueses, mas havia o desejo de fincar raízes nas terras adentro. E foram justamente os caminhos abertos pelos tropeiros a transportar o gado do Rio Grande do Sul para São Paulo que proporcionaram esse avanço para o interior. O fato de a ilha de Santa Catarina ter sido elevada à vila em 1726 deu mais força para o povoamento do interior. Assim, os portugueses foram tomando as terras indígenas, arremetendo contra os espanhóis e ampliando o território. E foi justamente essa sede por novas terras que fez com que a coroa portuguesa recorresse à imigração. Então, o povo dos Açores encheu o litoral. No interior a base portuguesa era a cidade de Lages onde se expandiram as fazendas de gado. Esses eram, então, os principais focos de povoação do estado.
A vida correu tranquila por aqui até que estourou a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, em 1835. O movimento de libertação dos gauchos ultrapassou a fronteira do estado e chegou a Laguna, aonde os catarinenses chegaram a proclamar a República Juliana, compartilhando o ideário dos farroupilhas. Também envolveu a cidade de Lages que igualmente aderiu a revolução. Mas, dez anos mais tarde, Santa Catarina já estava “pacificada” e recebia festivamente a visita de D.Pedro II e sua mulher. Foi só depois que nasceram Joinville (1845), Blumenau (1850) e Brusque, cidades que iriam desempenhar papel importante na história do estado por conta de suas indústrias.
Quando chegou a República, Santa Catarina era uma região tranquila, de 200 mil habitantes, cuja maioria vivia da pesca e da pequena lavoura. Por aqui os escravos eram poucos, pois não havia grandes plantações. Mesmo assim chegaram a somar mais de 18 mil almas, marcando presença no processo cultural do lugar. A imigração estrangeira, de alemães, suiços, italianos e noruegueses também chegou com força, dando nova conformação às forças produtivas.
O primeiro governador dessas terras, nomeado por Deodoro da Fonseca foi Lauro Müller, militar de carreira, adepto do positivismo, que vivia no Rio de Janeiro, embora fosse natural de Itajaí. Ele acabou deposto tão logo Deodoro saiu do poder, por pressão dos federalistas catarinenses. Assim, a exemplo da farroupilha, também a revolução federalista teve reflexos profundos em Santa Catarina, com muita instabilidade na política e com o povo alçado em armas. A “rebeldia” foi vencida pela força de Moreira César e muitos dos revolucionários foram enforcados ou fuzilados. Pouco tempo depois a vila de Desterro era denominada de Florianópolis, em homenagem ao seu carrasco, Floriano Peixoto.
Quem assume o comando do estato então é Hercílio Luz, filho da elite florianopolitana, tendo estudado na Europa. Depois dele, o Partido Repúblicano continuou rendendo figuras influentes como Felipe Schimidt, Vidal Ramos, Adolfo Konder e Vitor Konder. O domínio político se dividia entre o litoral e o planalto (região do latifundio), com alguns filhos de imigrantes também aparecendo em cena. Quando em 1930 o Rio Grande puxa outra revolução, com Getúlio Vargas, Santa Catarina se coloca contra, pela primeira vez, mas é vencida pelas tropas gaúchas e com a vitória de Getúlio em nível nacional. Assim, até 1945 o estado é governado por interventores da confiança de Getúlio. Dentre eles destaca-se Nereu Ramos (filho de Vidal Ramos) – o único que foi eleito pelo povo, de filiação liberal.
Naqueles dias vicejavam dois partidos que dominavam a política e se intercalavam no comando. O Partido Social Democrático (PSD), de caráter liberal-conservador, apoiador do Estado Novo, e a União Democrática Nacional (UDN), formada por antigos republicanos, ultraconservadores, antinacionalistas e antigetulistas. De qualquer sorte, em Santa Catarina, os dois representavam a elite e nada tinham de progressistas. Durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, é criado o Partido Trabalhista Brasileiro, que acaba sendo, menos um partido de trabalhadores, e mais uma resposta das elites para a modernização do estado brasileiro, com uma aliança dos interesses burgueses e dos proprietários rurais, colocando as relações trabalhistas sob o controle do Estado. Ainda assim, em Santa Catarina, o partido não vingou.
Nos anos 50 a região do meio oeste começou a se desenvolver e passaria a ser também um ponto de disputa na política estadual, até então limitada a Lages e Florianópolis. A política volta a ser dominada pelos mesmos conservadores de sempre, agora representados pelas famílias Ramos/Bornhausen, cuja base material da riqueza estava na terra. Nos anos 60 criam-se as universidades, a Federal em 60 e a Estadual em 65. Aí já está instalado o golpe militar e quem comanda Santa Catarina é Ivo Silveira, ainda escolhido pelo voto direto. Depois de 64 os partidos tradicionais já não existem e os militares instituem o bi-partidarismo: Arena (para onde vão os velhos udenistas) e o MDB (a oposição). E é nesse contexto que aparecem os novos governadores, Colombo Salles e Antonio Carlos Konder Reis, nomeados pela Assembleia, Jorge Borhausen (primo de Konder Reis), nomeado por um colégio eleitoral e Esperidião Amin, também nomeado pelo governo militar. Todos eles eram aliados da ditadura, pertencendo, portanto, a Arena. E também todos fazem parte da mesma corrente latifundiária/conservadora. O voto direto só volta em 1982, quando então se elege Esperidião Amin (já sob a sigla PDS), sob graves denúncias de fraude.
É que com a abertura política, ainda no governo militar, havia mudado o universo partidário. Para fugir da identificação com a ditadura, a velha Arena se transforma em Partido Democrático Social (PDS), e o MDB deixa de ser um movimento e passar a se chamar Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Depois das conturbadas eleições de 1982, onde uma denunciada fraude inviabilizou a eleição de Jaison Barreto, o PMDB acaba vencendo em 1986, com Pedro Ivo Campos, mudando um pouco a balança política e tirando de cena a velha elite latifundiária/conservadora que vinha governando desde o tempo da colônia. Pedro Ivo, natural de Joinville, era tenente coronel e, na juventude, militara no antido PTB, partido de raízes trabalhistas. Pedro Ivo morre antes de terminar o mandato, assumindo Casildo Maldaner, seu vice. Mas, mesmo sendo menos conservador que os "inimigos", o PMBD não avança em praticamente nada que mexa nas estruturas cristalizadas. Nas eleições que se seguem aparece então a "nova direita", com caras diversificadas, mais jovens, desconectadas do mundo rural, mas ainda representando a mesma velha oligarquia que comandara o estado desde sempre. Assim, é o Partido da Frente Liberal (PFL – filho do desmembramento do PDS, ex Arena, ex UDN) quem leva o governo através de Vilson Kleinübing, tendo como vice o velho Konder Reis. Com ele, os servidores vêem acabar-se a data-base, ainda não recuperada até os dias de hoje. Logo em seguida o PMDB também ataca de novas caras e o jovem Paulo Afonso Viera logra vencer em 1995, terminando seu governo envolto no escândalo das letras. Ou seja, nada de novo na política local.
Os tempos atuais
Em 1999 Espiridião Amin volta ao governo, com todo o aparato direitista e em 2003 reassume o PMDB, desta vez com o então prefeito de Joinville, Luiz Henrique da Silveira, que fica no governo por oito anos seguidos. Essa dobradinha envolvendo um rodízio da direita – ora PFL, ora PP – e o PMDB foi constante desde o final da ditadura. Mas, o PMDB já não era mais o mesmo do tempo de Pedro Ivo, que mantinha certa raiz progressista, da tradicional ética emedebista. Com Paulo Afonso já se pode perceber todo um mergulho na corrupção e o completo descompromisso com o povo catarinense. A ação de Luiz Henrique foi ainda mais nociva, pois esse governo atuou com forte conotação neoliberal e privatizante. Com ele avançou a terceirização dos serviços no estado. Foi durante seu mandato que o governo criou, defendeu e aprovou o Código Florestal – que serviria de modelo ao nacional – um instrumento de devastação ambiental. Ironicamente, ele também criou um Plano de Desenvolvimento para o Estado, o qual objetivava tornar Santa Catarina uma referência no desenvolvimento sustentável. Isso claramente não se sustenta quando se observa que durante seu governo, o estado foi tomado pelas empresas de plantação de pinus, outra praga de destruição permanente.
Com ele também começa o reinado das parcerias público/privadas e as Organizações Sociais. Entidades de cuidado com o menor, presídios, hospitais, tudo passa a ser comandando pelas organizações sociais, com o Estado ficando completamente omisso diante de questões de vital importância como a saúde, a educação e a ressocialização de menores infratores. No seu governo também é promovido um desmonte no Deter, o departamento de estradas, e as vias são entregues à empresas privadas, com a instalação de inúmeros pedágios. A famosa “descentralização” promovida no seu governo nada mais foi do que a montagem de aparelhos eleitoreiros nos cantões do Estado, sem muita alteração na vida das gentes. As tais das secretarias regionais (em número de 36) consumiam e ainda consomem do estado 700 milhões de reais por ano, só para funcionar, sem oferecer espaço de participação efetiva à população. Também é no governo de Luiz Henrique que a criminalização dos movimentos sociais assume a condição de política de governo. Toda luta ou reivindicação vira caso de polícia.
Por isso, em 2011 o retorno do velho conservadorismo oligárquico representado pelo DEM não foi novidade. O estado de Santa Catarina, historicamente, tem suas raízes fincadas nesse modo de fazer política. Raimundo Colombo, o governador eleito, vem dos campos de Lages, perpetuando o ciclo interminável de dominação da política seja pelo litoral (com Florianópolis) ou pela serra. Mas, no começo do governo, Colombo decidiu desgarrar-se do velho DEM e subiu no bonde do PSD, uma nova sigla para a mesma velha política. Com esse movimento, Colombo tentou virar o leme mais ao centro, buscando ampliar sua base de apoio. Também foi uma forma de se aproximar do governo federal, uma vez que em nível nacional o seu atual partido, PSD, tem votado nas propostas governistas. Colombo também volta a se aproximar do PP, partido que tem à frente Espiridião Amin, unindo assim mais uma parte do coservadorismo catarinense.
Em linhas gerais, o governo de Colombo em nada se diferencia de Luiz Henrique. Sua linha é de endurecimento com as lutas trabalhistas e todo o poder aos “empreendedores”, com grandes cortes no orçamento, deixando descobertos setores estratégicos como educação, saúde e segurança. Grandes têm sido as lutas dos professores, dos trabalhadores da saúde e dos agentes de segurança. Na área da saúde a situação se vê dramática, com os hospitais perdendo seus leitos sem que nada seja feito. Colombo, que foi um crítico de Luiz Henrique durante o processo de “descentralização”, manteve as secretarias regionais que seguem servindo de cabide de empregos aos correligionários, agora do PSD. No final de novembro de 2012 e agora em janeiro/fevereiro de 2013, viveu a chamada "crise na segurança", quando o estado foi atacado sistematicamente pelo crime organizado desde dentro das penitenciárias. Completamente acuado, como se devesse alguma coisa, o governo demorou demais a agir, claudicou, jogou a comunidade à própria sorte, precisando os trabalhadores do transporte exigir segurança para os usuários. A crise se prolongou por quase 20 dias, e não teve um final, uma vez que as causas dos ataques - violências, maus-tratos e torturas nos presídios estaduais - não foram levadads em conta. A solução dada pelo governo foi o uso de mais força, com o pedido de socorro à forças nacionais.
O futuro
Agora, para as próximas eleições, além das forças tradicionais, outra grande ameaça que paira sobre o estado é a possibilidade da família Berger - uma espécie de azarão correndo por fora - se apropriar do aparelho administrativo. Os Berger iniciaram uma carreira solo, desvinculados das forças tradicionais, mas aliados do "empreendedorismo moderno", o que significa uma aliança muito estreita com o mercado imobiliário. São José, cidade foco da família, se verticalizou vertiginosamente com a chegada de Dário à prefeitura em 1996. Concreto e asfalto foram suas armas. E foi com esse mote de progresso e modernidade que Dário chegou à prefeitura de Florianópolis, onde permaneceu por dois mandatos, também provocando um estouro imobiliário. Dario Berger nunca escondeu seu desejo de chegar a governador e não é sem razão que saiu do PFL e entrou para o PMDB. Conhecedor da tradição do estado, no rodízio direita-centro, está apostando todas as suas fichas nessa proposta. Para isso se elegeu prefeito de Florianópolis, garantindo ainda a reeleição. Dário não conseguiu eleger seu sucessor na capital em 2012, mas muitos de seus colaboradores seguem na máquina de poder, junto com César Souza Junior (das forças mais conservadoras). Assim, o nome de Dário deverá ser uma possibilidade no tabuleiro eleitoral e, caso consiga levar o governo do Estado, inaugura em Santa Catarina uma nova cara para o PMDB, já sem qualquer vestígio da velha conduta emedebista, e cada vez mais vinculado a interesses exclusivos do capital. Logo, praticamente sem diferenciação dos velhos grupos.
As outras forças
Nessa dobradinha de repetição da elite catarinense, ora pela direita, ora pelo centro, a esquerda nunca teve vez, sendo sempre uma força secundária no tabuleiro político. O antigo PT (quando era mais à esquerda), que tem suas raízes – não por acaso - no oeste catarinense, nunca conseguiu fazer-se uma força capaz de criar alguma turbulência no jogo político catarinense. Nascido no oeste, com as lutas camponesas, de mulheres, de agricultores sem-terra, o PT sempre foi visto pelos conservadores catarinenses como “muito radical”, representando uma ameaça à ordem. Apenas agora, com o governo Lula e a ascensão da senadora Ideli Salvatti, o partido começou a aparecer como palatável, embora não tenha conseguido nunca lograr uma organização de base estadual capaz de balançar o barco da velha classe dirigente. Pelo contário, preferiu aliar-se aos velhos inimigos em nome do que chama de "governabilidade". Pois, ao se fazer "palatável" perdeu definitivamente sua radicalidade, e deixou de se situar no campo da esquerda, ficando mais para o centro, ora assumindo uma posição mais progressista, ora regredindo. Campanhas para governador em que lideranças do PT aparecem abraçando e apoiando Esperidião Amin mostram isso com clareza. Por conta dessas decisões estaduais e as alianças feitas em nível nacional para vencer a eleição presidencial o partido perdeu muitos de seus históricos militantes, o que enfraqueceu bastante a base popular/camponesa do partido. Embora no oeste o PT ainda mantenha uma militancia aguerrida, não conseguiu criar um nome com força capaz de mobilizar o estado. Carlito Mers, que conseguiu se eleger prefeito de Joinville, a maior cidade do estado, com uma classe trabalhadora bastante organizada, tampouco tem mostrado força para assomar como um nome estadual. Pedro Uczai, atualmente deputado estadual, é um dos nomes que tem crescido, mas ainda restrito à região oeste.
O PC do B, com suas alianças confusas como as do PT ( também apoiou Amin e é uma das bases do governo petista), está cada vez mais no campo do centro, desvinculando-se das forças de esquerda. O PDT, sigla assumida por Brizola depois de ter perdido a do PTB, que deveria enveredar para o lado de seu passado histórico que, ainda sendo de cunho populista, em certo momento esteve junto das lutas populares antes do golpe, tem sido parceiro dos governos peemedebistas, sendo que pouco se pode esperar. Vale lembrar que em nível nacional também já esteve aliado até com Collor de Melo. Restam, no campo da esquerda, o PSOL e o PSTU, que, apesar de terem boas propostas programáticas, individualmente não configuram possibilidade de lograr uma alternativa para o estado. O PSOL fez bonito na eleição em Florianópolis, mas não tem encarnação na vida de outros municípios do estado.
Já no âmbito dos movimentos sociais com força para intervir na política estadual sem sombra de dúvidas o MST ocupa o primeiro lugar. Organizado em praticametne todas as regiões de Santa Catarina o movimento acompanha de perto a política, intervêm, atua em consequência. Também realiza análises periódicas da conjuntura e tem bastante clareza quanto ao que quer para o estado, apostando no predomínio do minifúndio, das cooperativas e da articulação com os trabalhadores da cidade. Talvez ainda falte ao MST uma análise mais aprofundada do caráter urbano e industrial de Santa Catarina, para que possa intervir com mais universalidade, saindo do particularismo das questões camponesas. Também sua postura em relação ao governo federal se domesticou bastante nos últimos anos e não tem havido uma presença mais concreta no que diz respeito a proposição de um projeto de país. Ainda na área rural, é forte o movimento dos pequenos produtores, mas, durante o governo do PMDB esteve fortemente vinculado a ele, chegando a apoiar massivamente o Código Florestal aprovado na Assembléia Legislativa. Por sua condição de proprietários (assumindo postura clásica da pequena burguesia), esses agricultores são mais suscetíveis ao conservadorismo.
No universo urbano um movimento importante em nível de Estado é o dos professores, historicamente combativo, sempre protagonizando lutas importantes. Mas, de qualquer forma, por presentar uma categoria, sua atuação ainda é bastante reativa, sem a consolidação de uma proposta global para Santa Catarina. Trabalhadores das regiões industriais ou mineiras realizam lutas pontuais, mas tampouco se configuram em forças capazes de intervir no jogo político global. A própria CUT que - por aglutinar um número maior de sindicatos - poderia ser a locomotiva das lutas de categorias urbanas como a dos comerciários e trabalhadores das indústrias, por exemplo, não tem atuado como uma força capaz de articular e propor um projeto novo para o estado de Santa Catarina. Sua ação é também mais reativa que propositiva. Vale lembrar que essa Central, que nasceu para ser um instrumento dos trabalhadores, ao logo dos anos também foi perdendo sua radicalidade, atuando muito mais na lógica da conciliação de classe e na preparação dos trabalhadores para a domesticação na vida laboral. Os trabalhadores públicos estaduais, que igualmente têm protagonizado lutas importantes ao longo dos anos, ficam restritos ao corporativismo e lutas pontuais. Falta definitivamente um elemento unificador de todas essas lutas esparsas e a construção unificada de um projeto para Santa Catarina que se diferencie do que vem sendo implementado desde o princípio dos tempos, capitaneado pela elite que representa pouco menos de 12% do Estado.
É bom que se tenha em mente que a falta de um projeto para o estado está também visceralmente ligada à falta de uma proposta de um projeto para o país. Não se consegue perceber, hoje, sequer um partido político, ou movimento social, ou uma junção deles, que consiga dar conta dessa tarefa. Assim, a mesma incapacidade que se verifica em Santa Catarina se coloca em nível de país.
Essa constatação não deve servir como elemento imobilizador ou motivo para choramingações. Pelo contrário. Deveria ser a mola a impulsionar um nosso projeto histórico capaz de avançar no sentido de construir verdadeiramente uma proposta nacional, libertária, socialista e internacionalista. Tarefa árdua que precisa de muito estudo e capacidade de organização.
A riqueza em jogo
Quando se fala em conjuntura e em construção de uma proposta de país e de estado, há que levar em conta a base material do que está em questão. No caso de Santa Catarina - que é o motivo dessas breves notas - o que está em disputa é uma riqueza cuja economia está colocada em sexto lugar no país. Apesar de ser um estado pequeno (95.285 km quadrados) Santa Catarina movimenta 4% do PIB nacional, ou seja, 129,8 bilhões, o que não é coisa pouca. Sua força maior está na indústria, representando 22,3% do PIB estadual. É gigante na área textil, na agroindústria, na cerâmica e metal-mecânica. É o maior exportador de frango e de carne suína do Brasil, sendo a Sadia e a Perdigão as responsáveis por isso. Hoje as duas empresas estão configuradas numa multinacional, a Brasilian Foods. Também está em Santa Catarina a maior fábrica de motores elétricos do mundo, a WEG, e uma das maiores fabricantes de compressores para geladeira, a Embraco. Com sede no estado está ainda a maior encarroçadeira de ônibus do país, a Busscar, assim como outras marcas de nome nacional com a Consul e a Brastemp. Para se ter uma idéia, no último ano, com a política de incentivos ao consumo da linha branca, esse setor da indústria cresceu tremendamente.
A região de Blumenau congrega o maior parque textil do estado e mesmo as pequenas empresas ou as produções domésticas estão a serviço das grandes empresas como a Hering. A região norte condensa a metalmecânica. O setor industrial, sozinho, teve um acréscimo das vendas no mês de março que ultrapassou os 15% em relação ao mesmo mês no ano passado.
Apesar de ser conhecido nacionalmente como um estado de minifúndios, Santa Catarina está cada dia que passa se transformando num deserto verde. Tudo isso por conta da expansão das empresas de florestamento que atuam com pinus, uma planta exógena que, comprovadamente, provoca a desertificação das áreas. O pinus tem se espalhado pelas regiões do meio oeste e serra, ocupando inclusive topos de morro, uma vez que é muito difícil controlar a sua disseminação. Muitos pequenos agricultores estão abandonando o cultivo de alimentos e se dedicando a plantar pinus. Acreditam eles que é mais lucrativo, e de fato é. O manejo é ínfimo e um produtor de pinus pode ficar em casa descansando, só esperando a árvore crescer. Não há preocupação com clima, nem com perdas. É lucro seguro. O problema é que com o tempo a terra vai minguando e pode ficar incultivável. Não é sem razão que Santa Catarina foi o terceiro estado que mais desmatou as florestas nativas, e é o maior produtor de celulose. Tudo está a serviço das empresas de reflorestamento que, longe de ajudar a recuperar as matas, as estão matando. Inclusive os pinheirais, parte da tradição da vida do povo da serra, estão minguando. A produção de pinhão declina ano após ano.
No campo da pequena produção que ainda resiste o milho é a principal cultura. Segue-se a soja, bastante cultivada na região do meio oeste, o fumo, a mandioca e o feijão. Tirando a soja, que é plantada em grandes propriedades, as demais culturas estão no controle dos pequenos proprietários. No que diz respeito a criação de animais é a suinocultura e a avicultura que domima o cenário, sendo que no oeste, a maioria dos pequenos produtores trabalham associados aos grandes frigoríficos, em condições bem desfavoráveis. Também a pesca tem representado importante papel na economia do estado. Santa Catarina é um dos maiores produtores de pescado e crustáceos do país, com maior produção na região de Florianópolis, Itajaí e Navegantes.
Na área do extrativismo mineral é a região de Criciuma que se destaca. Todo o entorno já foi um grande produtor de carvão e apesar do decréscimo na produção, ainda representa muito dentro da economia catarinense. Existem ainda reservas de fluorita, sílex, quartzo, bauxita, petróleo e gás natural. A região também domina a produção de cerâmica e é uma das maiores produtoras do país.
Conforme informações da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) no que se refere às exportações Santa Catarina é campeã de lucros e representa 3,8% das exportações do país. De janeiro a abril de 2012 houve um crescimento de 8,2%, chegando a US$ 2,84 bilhões, bem acima da média nacional, de 4,5%, no mesmo período. Os produtos industrializados catarinenses que aumentaram a participação no mercado internacional foram os motores e geradores elétricos, cujas vendas cresceram 22,3% e atingiram US$ 190,2 milhões; motocompressores, com crescimento de 8,8% e receita de US$ 168,9 milhões; e blocos fundidos, com incremento de 18,9% nas vendas e receita de US$ 141 milhões. A carne de frango, principal produto da pauta de exportação, cresceu 10,6%, para US$ 733,5 milhões.
A Fiesc também revela que as vendas reais da indústria catarinense cresceram 13% no primeiro trimestre de 2012 em relação ao mesmo período de 2011. Os setores que comandaram esse aquecimento foram máquinas e equipamentos (39,6%), produtos químicos (22,6%); alimentos e bebidas (17,5%) e máquinas, aparelhos e materiais elétricos (17%). Segundo os dirigentes, esse crescimento tem sido possível por conta do crescimento da economia em nível de Brasil. “A capacidade produtiva das fábricas fechou o trimestre em 83,4%, resultado ligeiramente inferior aos 84,1% registrados neste mesmo intervalo de tempo em 2011. As horas trabalhadas na produção decresceram 0,6% e a massa salarial real aumentou 8,6%”.
No que tange aos indicadores sociais Santa Catarina é sempre considerada uma espécie de Europa brasileira. O índice de famílias colocadas na classe E é o mais baixo do país, 6,9%. Por outro lado, as classes A, B e C somam 80,4%, maior índice do país. O estado ostenta o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano, tem 51,9% dos trabalhadores com carteira assinada, com salário médio de 1.258 reais. Tendo na sua formação cultural forte conteúdo migratório, também é bastante conhecida a fibra da população catarinense (descendente de alemães, italianos, poloneses, açorianos) acostumada a vencer qualquer sorte de desgraça, como as comuns cheias do Vale do Itajaí. Talvez venha daí essa capacidade de aguentar também maus governos e condições desfavoráveis de reprodução da vida.
A força patronal
Além das forças políticas, expressas nos partidos, e a ação dos movimentos sociais de cunho trabalhista ou popular, também há outras forças com forte atuação na vida do Estado. Uma delas é a da Fiesc, que representa a maior e mais rica força econômica: a indústria. São 38 mil empresas representadas na entidade, que, juntas, empregam mais de 670 mil pessoas, sendo responsáveis por um terço da riqueza gerada no estado. A Fiesc também articula 130 sindicatos de indústria, representando política e institucionalmente o setor. Além disso, ainda oferece serviços nas áreas de comércio exterior, política econômica industrial, infraestrutura e meio ambiente, legislativa e tributária e relações do trabalho. Portanto, sua atuação junto as forças que comandam o estado é sempre sinérgica.
O sistema Sesi, ligado à Fiesc atende 280 mil trabalhadores por dia, oferecendo serviços nas áreas de saúde, lazer, educação, farmácia e alimentação, criando assim, vínculos emocionais com os trabalhadores das indústrias, o que faz com que muitos deles considerem as empresas onde trabalham como sua segunda casa. Esses vínculos, muitas vezes, impedem que a luta por melhores salários se faça, uma vez que os trabalhadores acabam acreditando que a empresa faz “o suficiente” para seu bem-viver. O sistema de qualificação profissional, o Senai, possuiu hoje 400 laboratórios e atende, a cada ano, 90 mil alunos. Desde sua criação, com as 34 unidades espalhadas pelo estado, já formou 1,7 milhão de profissionais. Com tamanha encarnação na vida dos trabalhadores, essa é uma força que não pode ser ignorada quando se trata de pensar um projeto para o estado.
Não é sem razão que a FIESC, muito mais articulada que os movimentos sociais, tenha o seu projeto para Santa Catarina muito bem delineado, com uma série de documentos livremente publicados na internet, não só no campo econômico, mas também dando receitas para a saúde e educação, no qual os dirigentes políticos bebem para realizar suas propostas de obras e de desenvolvimento do estado. No mais das vezes, a simbiose Fiesc/governo é quase total.
Assim, uma das tarefas que está colocada para os movimentos sociais e partidos de esquerda é justamente a de melhor conhecer as forças que atuam no estado, compreender e avaliar os projetos e a situação da classe dominante e, de forma articulada, iniciar um movimento sistemático de estudo e análise da realidade para poder combatê-la. Perceber quais as propostas e anseios das gentes que atuam na vida real, conhecer suas lutas – que não são poucas – ficar ciente da correlação de forças que existe entre a classe dominante e os “de abajo”. Depois, com base nisso, definir ou redefinir os seus objetivos. Recomeçar o difícil e árduo trabalho de articulação e construção de um novo projeto político para Santa Catarina, que tenha a classe trabalhadora (formal ou informal) como protagonista e condutora das mudanças.
Mas, esse projeto para o estado não poderá estar descolado da questão nacional, visto que os mesmos partidos que atuam aqui, apresentam seus projetos em nível nacional. A relação com o império estadunidense, a proposta para a América Latina, a aliança com o agronegócio, os conceitos de desenvolvimento, são elementos que apenas se diferenciam de forma muito pontual entre os partidos que representam a elite dominante. E o PT, com seus aliados nacionais como o PCdoB e PMDB, de instrumento da classe trabalhadora e partido de esquerda, passou a ser um partido ideológico (que encobre a realidade), tal como os outros, representante de uma classe média emergente que quer chegar ao paraíso capitalista.
Assim, transitar no conjunto dos movimentos do campo e da cidade, com seus mais diversos matizes políticos não é coisa fácil. Também se configura difícil a possibilidade de que a maioria deles saia dos seus particularismos para assumir uma proposta transformadora, de destruição do sistema capitalista, de construção de outro projeto nacional, de revolução. Mas, alguns há que pensam e caminham, e, com isso, o processo vai avançando. No caso de Santa Catarina é chegada a hora de os partidos de esquerda e os movimentos comprometidos com outra forma de organizar a vida decidirem-se por travar uma boa luta e avançar na discussão sistemática com a população, para muito além do momento eleitoral. Ou isso, ou seguiremos indefinidamente repetindo a velha dobradinha direita/centro nos centros de poder, com sérias chances de ver o estado ser assaltado sistematicamente por velhos/novos e ardilosos gangsteres profissionais.
Nesse sentido, segue muito atual o lema do grande educador venezuelano, Simón Rodríguez: "ou inventamos, ou erramos". Esse é o desafio para todos nós que queremos um estado e um país diferente desse que aí está.
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