segunda-feira, 15 de junho de 2009

Haiti: mais mortes e violências pela mão da Minustah


Já se vão cinco anos de ocupação do Haiti por tropas das Nações Unidas, no melhor estilo estadunidense de “defender a democracia”. E, para piorar esta situação, é o exército brasileiro quem está à frente, no comando da operação. Nas propagandas oficiais do governo Lula, a idéia que aparece é a de que os soldados estão lá para ajudar o povo, mas para quem sofre diuturnamente a ação da repressão armada, a palavra ajudar não cai muito bem. Sindicalistas e militantes sociais haitianos são pródigos em denúncias sobre barbaridades que são cometidas contra o povo sob o manto da “ajuda humanitária”.

A mais recente ação contra as gentes haitianas foi na última semana quando as tropas da Minustah dispararam contra uma manifestação de estudantes e trabalhadores em luta pelo cumprimento de uma lei. Segundo informes das entidades sociais do Haiti, mais de 40 pessoas foram presas, uma criança morreu sufocada pelo gás lacrimogêneo e um jovem teve a cabeça dilacerada por um balaço. Os protestos aconteceram dentro da cidade universitária e indignaram toda a população.

No dia seguinte os militantes sociais insistiram pela soltura dos prisioneiros, já que todas as manifestações estavam sendo pacíficas e legítimas. Apenas cinco pessoas foram liberadas. Os estudantes que insistiam em protestar foram encerrados no próprio bairro onde fica a universidade e ninguém pode sair. Os secundaristas decidiram então sair em passeata para apoiar a luta dos universitários e trabalhadores e as tropas protagonizaram novas ações de violência. Chegaram a aspergir gás lacrimogêneo na região do Hospital da Universidade Estadual, onde até os médicos fugiram, deixando os doentes sem qualquer proteção. Um senhor idoso morreu sufocado pelo gás. Mais gente foi presa.

No outro dia, mais dois espaços universitários foram invadidos pelas tropas da Minustah, a Faculdade de Etnologia e a Faculdade de Ciências Humanas (FASCH). Mais confusão e prisões. O estudante Emmanuel Jean-François recebeu uma bala na cabeça e acabou morrendo. Também corre a boca pequena que a Minustah tem uma lista de professores marxistas para matar, acusados de incentivar idéias de rebelião nos estudantes e de acompanhá-los nas manifestações. A Minustah também é acusada de agir com violência durante a greve que aconteceu em maio na Faculdade de Medicina e Farmácia, o que mostra que as forças da ONU estão sendo usadas como polícia nos casos mais prosaicos da política haitiana.
Os motivos das lutas

Os recentes conflitos no Haiti dizem respeito ao fato de que o presidente ainda não sancionou a lei aprovada pela Câmara dos Deputados e o Senado que reajusta o salário mínimo de 70 para 200 gourdas (42 gourdas = 1 dólar). Segundo informações que chegam dos movimentos sociais do Haiti, a Associação dos Industriais Haitianos (ADIH), no dia 13 de maio, promoveu uma conferência colocando claramente que pretende impedir a publicação da lei no jornal oficial do Estado e insiste para que os parlamentares voltem atrás no voto. E é esta queda de braço entre os trabalhadores e empresários que está mobilizando as gentes. Os trabalhadores querem que o governo cumpra com a obrigação legal de publicar a lei já aprovada. Mas, em vez de fazer o que tem de ser feito, o governo de Preval prefere usar as tropas da ONU para matar, prender e reprimir a luta popular.

O pano de fundo

O Haiti tem uma longa tradição de luta popular. Foi o primeiro país de Abya Yala a garantir, na luta, a sua independência. O único no mundo onde os escravos foram os protagonistas, e não os criollos, como no restante dos países latino-americanos. Foi no Haiti que Francisco de Miranda e Simon Bolívar buscaram abrigo e conhecimento, que os levou à luta pela libertação da Pátria Grande. Mas, a ousadia deste pequeno país em fazer valer sua libertação teve um preço alto: 150 milhões de francos/ouro, a primeira dívida externa – com a França - que saqueou o país e impediu a construção de uma alternativa econômica. Desde aqueles dias de independência colonial, mas não financeira, o Haiti se manteve na linha da pobreza, com uma classe dominante bastante débil.

Por conta deste permanente estado de tensão, o Haiti ficou vulnerável a lutas internas também consideráveis entre negros e mestiços. Viveu ainda décadas de ditadura do pai e do filho Duvallier, governos ferozes, predadores, mortais. E, quando conseguiu sair da longa estrada da opressão elegendo um presidente, Bertrand Aristide, se deparou com a corrupção, o roubo de suas riquezas e a companhia nefasta do império, os Estados Unidos.

Desde os anos 80, no governo Regan, foi organizado um plano para os países do Caribe, entre eles o Haiti. Criaram-se fábricas, parques industriais e zonas francas. Tudo isso com a promessa do desenvolvimento. Mas, como sempre, o plano só é bom para os EUA. Assim, o Haiti começou de fato a produzir coisas, mas nada do que faziam era ou é vendido no país. O povo não tem dinheiro para comprar. No acordo firmado, a grande vantagem que o governo haitiano oferecia às empresas era a mão de obra barata de sua gente. A jogada é manter o salário miserável para que as empresas fiquem no país. Assim, ganhando 1,65 dólar ao dia, um haitiano ainda tem sob sua cabeça a ameaça constante: se brigar contra isso, as empresas vão embora. Então, entre nada e o dólar miserável, ele tem de preferir o dólar.

A política de zona franca no Caribe torna a região um espaço surreal. Hoje já são 56 zonas livres de impostos. Coisa para turista. A burguesia existente é a que mexe com esse setor. A lógica da ALCA é a que manda. Aos trabalhadores resta a fome e a opressão. Os trabalhadores das zonas francas passam o dia todo sem comer, porque não têm condições de ir para casa e muito menos comida para levar. Quando muito, fazem uma refeição por dia, e rala. A repressão aos sindicatos é coisa normal. Estar vinculado a uma organização de classe é quase como pedir demissão. E agora, nem o aumento salarial aprovado pelos legisladores está sendo aplicado.

Não bastasse isso, o povo tem de aturar a ocupação do país por tropas estrangeiras que, como se vê, fazem o papel de polícia, defendendo os interesses dos empresários e do governo. E para piorar - para nós - estas tropas estão sob o comando do Brasil.

Para os trabalhadores e militantes sociais haitianos, se o Brasil quisesse mesmo ajudar, mandaria médicos, engenheiros, professores, gente para erguer o país e não se prestaria a ser capacho do império, fazendo o serviço sujo. E o que pedem ao povo brasileiro é que seja solidário e pressione o governo e Lula para que retire as tropas do Haiti. Saindo o Brasil a Minustah perde muito de sua legitimidade.

Nenhum comentário: