Imagine um homem que foi arrimo de família uma vida inteira.
Sempre preocupado com as contas, com os compromissos, com as compras, com tudo.
Tudo apontadinho, tudo organizado. Meu pai sempre foi assim. Aí vem aquele
momento do esquecimento. A memória falha, as coisas ficam confusas. Isso parece
ser coisa normal entre aqueles que vivem muito. E já se vão lá 86 anos...
Por isso é fundamental que, nessa etapa da vida, eles tenham
tarefas cotidianas para cumprir. É uma maneira de não se sentirem inúteis.
Outro dia, ao chegar a casa, ele estava agitado. Pegou minha mão e disse:
precisamos conversar, com aquele tom solene. Então, explicou: “preciso ver como
arranjar um emprego. Tenho que trabalhar”. Posso com isso?
Expliquei pra ele que já trabalhara muito, por quase 50 anos,
e que agora estava aposentado. Falamos longamente de seus antigos empregos e
tudo o que já fizera. E que isso garantia a ele seu salário, portanto não
precisava preocupar. Ele respirou, aliviado: “agora tô mais tranquilo”.
Também mostrei que ele segue tendo obrigações importantes. É da
responsabilidade dele regar as plantas, secar os pratos e cuidar dos cocozinhos
dos cachorros, tarefas que cumpre religiosamente, até quando chove.
Essa última, dos cocôs, ele cumpre de um jeito bem peculiar. Caminha
pelo quintal, de ponta a ponta, procurando por eles. Encontrando-os, coloca ao
lado deles um pauzinho, como uma marcação. Quando eu chego, no fim da tarde,
ele está esperando no alpendre e já avisa: “tá tudo marcadinho”. É a minha vez
de atuar então, juntando cada um dos cocôs e enterrando na compostagem. Ele faz
sinal de positivo com o dedo, sorri e dispara: “parceria perfeita”.
E é bem assim.
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