quinta-feira, 24 de setembro de 2015

A debutante



A televisão é um mundo surpreendente para mim. Ontem, passando os canais, deparei-me com alguém falando do seu baile de debutantes. "Meu pai trouxe o Caio Castro para dançar a valsa comigo". Bom, o Caio Castro é um artista global e cobra em torno de 20 mil reais para ficar uma hora na festa, incluindo dançar a valsa. Choquei. Que tipo de pai paga um cara para dançar com a filha? E que garota é essa que aceita algo assim?

Divagando sobre isso lembrei do meu baile de debutantes. Fiz 15 anos em São Borja, cidade fronteiriça com a Argentina. Lá, a vida social se dava nos clubes e o baile de debutantes era o ápice. Havia três clubes grandes na cidade. O Comercial, que era o espaço dos ricos, o Recreativo Samborjense, da classe média, e o Esperança, dos negros. Nós frequentávamos o Recreativo e minha mãe insistia que as duas filhas debutassem. Quando me tocou a vez, ainda esbocei resistência. Achava aquilo uma maçada. Uma coisa meio besta. Mas, não teve jeito, minha irmã mais velha já tinha cumprido a tradição e eu não escaparia.

Naqueles dias eu já era quem sou. Bicho do mato. Poucos amigos. Não tinha ninguém com quem dançar a valsa. Mas, tímida e envergonhada por tão pouca popularidade escondi esse detalhe. Todos os preparativos para o baile foram sendo finalizados. Vestido bordado, feito em costureira, convites e tudo mais. Nos ensaios eu mentia que o meu par estava com esse ou aquele problema e não viria. E o tempo foi passando. 

Faltando dois dias para o baile continuava sem a menor ideia de quem seria meu par. Tinha duas saídas. Ou entrava em pânico ou aprendia a gerir meus problemas cotidianos com criatividade e valentia. Ao fim,o acaso me deu um empurrão. No recreio da escola escutei alguns guris falando do baile e um deles saiu com essa: 

- Queria ir no baile, mas não sou sócio. 

Foi a deixa e a salvação. Fiquei à espreita e quando ele se separou dos amigos encostei e fiz a proposta.

- Olha, eu vou debutar e preciso de um par. Se tu quiser, eu posso te por para dentro. Tu entra como meu par. Só precisa dançar a valsa e depois, pode se esbaldar. 

Ele estranhou, não me conhecia direito. Mas, topou. Dois dias depois, lá estava ele na porta do clube, com seu terno preto e gravata borboleta. Com o nome na lista, feito par de debutantes, entrou e esperou a hora da valsa, bem tranquilo, na mesa com meus pais. A cerimônia correu bonita, com rosa para mãe, valsa com o pai e, finalmente a valsa com o par. Como um milagre, ali estava o meu, contrariando todos os prognósticos que eu antevira ao longo dos meses de preparação. E o que era para ser um grande fracasso social e pessoal, passou sem nuvens.

Aquele tinha sido, talvez, meu primeiro grande drama. Chegar ao baile sem um par. E, também contrariando minha própria natureza tímida, eu resolvera de maneira super pragmática, sem que ninguém a minha volta soubesse do fato. Enfrentara e vencera, sozinha e sem alarde. Estava nas nuvens. Dancei a valsa e liberei o rapaz, que curtiu o baile a noite toda. Bruno era seu nome, nunca o esqueci. 

Hoje, tão distante no tempo, percebo que aquela foi uma decisão bonita demais. Minha e dele, ambos vencendo nossas limitações. Isso em muito determina os caminhos que vamos trilhar. Imagine se eu tivesse pedido ao meu pai que arranjasse um par para mim? Toda a determinação para enfrentar os pequenos problemas da vida se perderia. E eu talvez me tornasse uma tola. Naquele dia eu tomei meu primeiro pileque e acho que foi de pura alegria por ter enfrentado sozinha o terror social. Eu não sabia, mas já era uma mulher. Vejo isso claramente na foto que olha para mim do passado e no riso radiante que marca minha cara.


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