terça-feira, 4 de outubro de 2016

A riqueza como meta




Joãozinho Trinta, um dos mais importantes carnavalescos do Brasil, foi muito criticado quando disse a frase que ficou célebre: "O povo gosta de luxo. Quem gosta de miséria é intelectual". Naqueles dias, ao defender o luxo nas escolas de samba, ele já intuía que numa sociedade capitalista, que trabalha sistematicamente com a pedagogia da sedução, a qual define como bom o que é branco, magro, culto e rico, a única meta possível para a maioria das gentes fosse justamente tornar-se o que insufla a propaganda.  

O pensador Ludovico Silva, no seu livro “A mais-valia ideológica” mostra com maestria como se forma o consenso sobre as coisas do mundo a partir da televisão. Sentada, diante da tela, a pessoa consome uma proposta de mundo que está visceralmente ligada ao modo de produção hegemônico, o capitalista. Assim, nas propagandas, nos programas de entretenimento, nas novelas, nos jornais, o que se apreende é que só se dá bem na vida quem é rico e “bonito”, dentro dos padrões estabelecidos pelo próprio sistema. 

Esse é um elemento que talvez explique o profundo fascínio que as pessoas têm pelos ricos, que, afinal, não passam de 1% da humanidade. Como entender que uma revista como a CARAS, que tem como objetivo mostrar as pessoas ricas se divertindo à larga, seja um fenômeno de vendas? O que leva alguém a pagar para ver como os milionários passam as férias? E como explicar o sucesso de programas televisivos como os que mostram a vida de festas e viagens das Kardashians ou dos jovens ricos de Beverly Hills? A usina de ideologia fumegante que é a televisão não pode ser descartada como importante elemento de sedução. 

Isso também talvez possa explicar por que mais da metade das grandes cidades brasileiras definiram, em primeiro turno, por candidatos a prefeito que estão no patamar de “milionários”.  Segundo informações da mídia comercial (G1), dos 37 prefeitos eleitos em cidades com mais de 200 mil eleitores, 23 deles declararam patrimônio maior do que o de um milhão de reais. João Dória, que venceu em São Paulo, é um exemplo. Declarou uma fortuna de quase 200 milhões de reais. E Vottorio Medioli, de Betim, declarou um patrimônio de mais de 300 milhões. Outro milionário que se deu bem junto aos eleitores foi o neto de ACM, na Bahia. E por aí vai. São figuras que representam bem o padrão “bem sucedido”.

Aloísio Silva, que trabalha numa empresa de limpeza, defende o voto nos ricos. “Eles já tem bastante dinheiro, aí não vão roubar da cidade e sobra pra investir na educação, na saúde”. Raciocínio lógico perfeito. Para uma população que foi bombardeada com a formulação do consenso de que o político é corrupto por natureza, os candidatos que aparecerem descolados da política tradicional acabaram aparecendo como as melhores opções. 

Fato muito parecido acontece nos Estados Unidos, onde o candidato ultra milionário, racista e misógino, Donald Trump, aparece como favorito para as eleições presidenciais. Nas fotos divulgadas pela mídia, vê-se o candidato com a família na sua mansão, que mais parece um cenário de cinema. Na sala, o filho pequeno montado num leão. Eu disse: um leão. Empalhado, mas um leão. Coisas que o dinheiro pode comprar. E isso é visto como o suprassumo da chiqueza. Suas piadas racistas e a depreciação das mulheres são vistas como “gracejos sem maldade”, afinal, ele é um homem da alta sociedade.

Claro que essas figuras bizarras não estão descoladas da política, mas a usina ideológica, a fábrica de propaganda, assim os mostra. O que não mostra é que justamente por estarem colocadas no topo da pirâmide social, essas pessoas defenderão com unhas e dentes os interesses do 1% que lhe é próximo. Aos 99% restantes serão jogadas as migalhas, como sempre foi na casa-grande.  

Ainda há uma longa estrada para percorrer no processo de desvelamento da realidade. Sem meios de comunicação massivos e sem um trabalho de base sistemático - que nos falta há tempos  - fica muito difícil enfrentar a pedagogia da sedução capitalista. A proposta de um mundo de riquezas repartidas não encontra eco e aparece como muito chinfrim no imaginário popular. As pessoas querem ter a vida do Dória ou do Trump. Sem essa de repartir. Claro, ninguém nasce assim, egoísta e desprovido de altruísmo. 

Esse é um consenso construído que precisa ser derrubado. Coisa difícil. Quando os programas mais vistos na televisão são os shows de realidade nos quais as pessoas são levadas a “eliminar” os concorrentes, e os que assistem também participam “eliminando” o outro, isso significa que a fábrica ideológica está a todo vapor. 

Ainda assim, seguimos, apostando na vida comunitária e na construção de outra sociedade, na qual não existam classes e todos desfrutem das belezas da vida. 



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