quarta-feira, 29 de agosto de 2012

As batalhas no Chile


No último mês de agosto tem sido assim: praticamente todos os dias os estudantes chilenos saem às ruas a protestar e exigir gratuidade na educação. O Chile que até bem pouco tempo era mostrado como a menina dos olhos do neoliberalismo mostra as rachaduras de um sistema que exclui a maioria, enquanto enriquece a elite entreguista. Como o país viveu muito tempo mergulhado numa ditadura brutal e sanguinária (Augusto Pinochet), os reflexos desse estado de exceção repercutiram nas gerações seguintes levando ao medo e ao silêncio. Mas, agora, os estudantes, principalmente os do ensino secundário, resolveram batalhar pelo direito de estudar com qualidade e sem os altos custos da educação privada.

As primeiras grandes revoltas começaram no governo da socialista Michele Bachelet, em 2006. Quase um milhão de pessoas foram às marchas e aos protestos de rua. A revolta contra a privatização do ensino foi puxada pelos secundaristas e ficou conhecida como a “revolta dos pinguins”, numa alusão ao uniforme usado pelos alunos. Naqueles dias um garoto de 16 anos foi morto pela polícia e o país se levantou. Desde então, as lutas não param. Arrefecem um pouco, mas depois voltam à carga. Em 2011, já durante o governo de Sebastian Piñera, reconhecidamente um linha dura, os protestos revelaram a bela líder estudantil universitária Camila Vallejo, que nos dias atuais ocupa o cargo de vice-presidente da Federação de Estudantes das Universidades do Chile, cedendo passo a novas lideranças. E, agora, em 2012, as grandes manifestações voltaram com força, de novo puxadas pelos secundaristas. Todas elas com toda carga de repressão bem típica dos tempos da ditadura. Grandes contingentes policiais e aparatos bélicos para enfrentar meninos e meninas saídos da escola.

Na última semana os jornais chilenos estamparam denúncias de abuso sexual por parte de policias em garotas presas durante os protestos. A comunidade está em pé de guerra. Porque, afinal, a gurizada não se intimida com as prisões e segue se expressando nas ruas, como sempre contando com a adesão de sindicalistas e outros movimentos sociais que convocam greves e paralisações para acompanhar os protestos.

No campo da economia o Chile segue apresentando números recordes de crescimento e a população quer ver esses números expressos em serviços públicos. Mas, isso não acontece. A saúde pública é um fracasso, a educação perde qualidade, foi municipalizada e não recebe investimentos, a universidade só pode ser cursada por quem tem muito dinheiro ou se dispõe a alimentar uma dívida gigantesca. Por isso a juventude trata de batalhar por um futuro digno. Os estudantes já se deram conta a bastante tempo que o tal do “sonho liberal” só é sonho para alguns. A maioria está submetida à falta de qualidade nas escolas pagas e à exclusão.

Assim é que a batalha nas ruas, que levam milhares aos protestos, exigem mudanças radicais no processo educacional, tais como democracia, qualidade e gratuidade. No rastro dessa massiva revolta dos pinguins, vêm os universitários, professores, sindicatos e movimentos sociais. Eles aproveitam para reivindicar a refundação do estado chileno, ainda eivado de leis oriundas do regime ditatorial. Para se ter uma ideia, o povo Mapuche, comunidade originária que vive no Chile e reivindica território e autonomia, tem sido perseguido e aprisionado com base nas leis de segurança nacional do tempo de Pinochet. São encarcerados como terroristas. Não é sem razão que toda a comunidade chilena esteja reivindicando uma nova Constituição para o país, afinal, o mundo mudou, o Chile mudou e as gentes de hoje já perderam o medo.

O presidente Sebastian Piñera tem sido muito duro no trato com os estudantes assim como com os indígenas. Seu governo – reconhecidamente de direita – vem perdendo popularidade, mas, ainda assim não oferece solução para o problema da educação. Mesmo em meio ao fervo dos protestos ele insiste que não vai tornar pública as universidades. A queda de braço vai continuar.

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