sexta-feira, 16 de outubro de 2020

A primeira professora



Eu tinha seis anos e uma sede imensa de saber das coisas. Tinha aprendido a escrever aos cinco, quando minha irmã brincava de professora, escrevendo num quadro negro no quintal. Eu era ensimesmada e amante dos livros. Tudo o que eu queria era ir para a escola. Achava incrível toda aquela parafernália na pasta: lápis de cor, plástico da mesa, cadernos, letrinhas formando palavras. Em frente à minha casa morava uma moça que era professora e que convenceu minha mãe a me deixar ir para a escola com ela, apesar de eu ainda não ter a idade exigida. Dava aula numa distante escolinha, no bairro do Paso, a Francisco de Miranda, bem perto do rio Uruguai. Eu achava que ela era uma deusa e tinha por ela imensa paixão. Todos os dias a gente pegava o ônibus e ia para a escola, eu olhando aquele imenso mundo pela janela e ela me oferecendo aquele presente. Maria Elena Souza, filha da dona Noêmia e do seu Aparício.

A escola, naqueles dias, era de madeira, bem humilde, como costumam ser as escolas nos bairros mais empobrecidos, e tinha as classes construídas em dupla. Nas salas, o retrato do famoso libertador. Cantava-se o hino todas as manhãs e no recreio a gente escapulia para um bar que ficava logo em frente onde íamos comprar picolé colorido. O rio, lá embaixo, nos chamando. Mas, as professoras, vigilantes, porque não havia muros, nunca deixaram que a gente saísse muito longe. A Maria Elena não era minha professora - era a Ione (não tenho certeza do nome), também nossa vizinha - mas foi a imagem dela que se eternizou na minha mente como a primeira pessoa que me abriu o mundo. A formosa moça de vestido tubinho com uma faixa branca nos cabelos negros, dona da chave latino-americana. Linda como as manhãs.

Depois desse ano na Francisco de Miranda o pai decidiu que eu tinha de estudar numa escola "melhor", e me colocou no colégio das freiras. Mas, sempre que me assomam as lembranças das primeiras letras é a Francisco Miranda que me vem. O bairro mesclado de sotaques, os colegas energizados pela vida livre nas ruas e na beira do rio, a imagem do libertador, essa ideia de uma América Latina, a simplicidade, a alegria e a Maria Elena, essa garota que pegou na minha mão e permitiu que eu vislumbrasse mundos jamais havidos. Por isso, nesse dia dos professores, é ela quem quero abraçar com minhas memórias e o meu amor. 

Obrigada por tudo, maestra.


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