segunda-feira, 6 de maio de 2019

O governo e a educação



O candidato Jair Bolsonaro tinha como mantra na sua campanha a proposta de que não iria governar nem atuar a partir de ideologias. Para muitos, isso significava que ele seria um político do tipo imparcial, sem conexões político-partidárias, sem uma filosofia própria de trabalho e sem uma definição política clara. E esses votaram nele, acreditando nisso. Um governo neutro. 
Para outros essa ideia de “sem ideologia” significava simplesmente desfazer tudo aquilo que o Partido dos Trabalhadores tivesse colocado a mão. Isso porque, para esses, apenas o PT atuara na política com ideologia. 

Bom, passados mais de 100 dias de governo o que se se percebe é que o entendimento do segundo grupo é o que está vigente. Quando Bolsonaro diz “sem ideologia” está querendo dizer sem nada que lembre ações ou pensamentos de esquerda, ou melhor, do PT. Ou seja, é um governo ideológico. Mas, não fica só nisso. É bem mais profundo. Em alguns casos, trata-se inclusive de mera vingança, como o do Hospital do Piauí que teve 100% das verbas cortadas porque lá, segundo os bolsonaristas, os votos foram 100% PT. Ora, isso é agir levando em consideração apenas a bílis. Não há aí qualquer espírito público e muito menos aquele pretenso “nacionalismo” que aparece nas propagandas do governo. 

Não existe Brasil acima de tudo. Pelo contrário. O que aparece acima de todos é a proposta do capital, que quer destruir tudo o que é público para poder abocanhar lucros, e junto com ela alguns desejos da família Bolsonaro e seus mentores  relacionados às suas vinganças pessoais. 
A proposta de cortar verbas da educação está diretamente colada a essa duas vias. O empresariado desde há tempos vem buscando botar a mão na fatia graúda da educação. Assim, sufocar as universidades públicas abre espaço para as universidades privadas de fundo de quintal. Essas que oferecem cursos a 190 reais por mês. Não têm pesquisa, não têm extensão, não têm nada. Apenas um pretenso ensino de uma profissão. É uma ideia furada. Essas universidades não são capazes de formar bons profissionais porque qualquer profissão exige também a experimentação e a relação com o mundo externo à universidade. Os “colegiões” são apenas espaços caça-níqueis que vão enriquecer alguns e deixar milhões no limite da ignorância. 

Qualquer pessoa medianamente informada sabe que são as Universidades Públicas as que são capazes de realizar pesquisas demoradas, essas que realmente mudam a vida e geram patentes. Pesquisas que resolvem problemas práticos da população. E se hoje ainda estamos capengas não é por falta de qualidade nas universidades públicas, mas justamente por conta  do pouco investimento e da atenção demasiada na inovação, que não cria coisa alguma. 

Há quem argumente que o governo quer acabar com a educação por raiva. É fato que há uma pitada disso sim, afinal o governo do PT investiu bastante nas universidades e isso por si só gera um desejo de vingancinha. Mas, não se iludam, a questão não é moral, nem pessoal. O que está realmente em questão é o aprofundamento da dependência tecnológica e intelectual. Os países de periferia precisam produzir matérias primas. Que deixem a ciência para os “grandes”. Afinal, esses grandes precisam vender o conhecimento para a periferia. Como vão fazer se a periferia também pensar e criar novos conhecimentos?  

Por isso esse ataque às universidades públicas. Estrangular financeiramente. Fazer com que venham as greves, as paralisações, os fechamentos de curso. Tudo isso fornecerá lenha para insistir na propaganda de que só tem “balbúrdia” na universidade pública. Assim, uma imagem aleatória de uma apresentação teatral acontecida há milênios, na qual havia uma pessoa pelada, passa a ser difundida como se fosse o cotidiano das instituições. De novo, a questão moral aparecendo para encobrir o político, a ideologia. E enquanto a turba moralista se move para acabar com os “pelados” , o empresariado ri, preparando a casa para a mordida. Ora, se há pelados nas universidades são os pelados de recursos, que precisam comprar com o próprio dinheiro, os insumos para suas pesquisas, ou o giz para suas aulas. 

Quem já frequentou uma universidade pública sabe que ali se expressa a sociedade no microcosmo. Tem de tudo. Tem gente estudando, tem gente curtindo, gente namorando, gente pesquisando, gente alienada, gente descolada, gente fazendo a grande política, gente fazendo pequena política. É um espaço de vida, em todas as suas facetas. Mas, é inegável que é ali o lugar onde 90% das pesquisas são produzidas, porque as privadas não aportam recursos para isso. 

A universidade não é o lugar prefeito. E está longe de ser a casa do saber visto que atravessada pela ideologia dominante. Claramente não é um espaço da esquerda. Não é. Ali, domina o status quo. Então, a única coisa que se pode depreender desse ataque é única e exclusivamente a sede de lucros do empresariado do ensino. Como não estão nem aí para o Brasil, pouco importa o pouco que a universidade pública ainda consegue aportar. Há que acabar com elas também. Que as gentes paguem para estudar. Educação deixa de ser direito. 

Ora, educação é direito. Está na Constituição. Então, até que mudem a Carta Magna, teremos de lutar. Algumas universidades já se levantam. Pelotas saiu na frente, outras já estão se mobilizando. Os Institutos federais também. A vida começa a ferver nos espaços que estavam aquietados. Essa vida fervente é a universidade do pensamento crítico, a universidade necessária. Que cresça. Dia 15 de maio está sendo chamado um ato nacional. E as ruas serão tomadas pelos que querem educação.  Há muito para mudar na universidade, mas há que ser para melhor. 

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