Os jornais estamparam na sexta-feira: acabou a greve dos técnico-administrativos das universidades. Eles repercutiam a reunião do Comando Nacional de Greve em Brasília, a qual decidira encaminhar a proposta de saída de greve aos sindicatos de suas bases. Até aí, tudo bem. O triste foi ver lideranças dos trabalhadores dando entrevista como se a “Inês” já estivesse morta. “Foi o possível no momento”, disse um colega chamado Ronaldo Ribeiro. Depois, em outra reportagem, o coordenador-geral da Fasubra (federação que congrega os sindicatos de todo o país), Gibran Jordão, repete o mantra: “A proposta ainda ficou inferior ao que estávamos reivindicando, mas foi o possível no momento”.
Ora, quando lideranças importantes da Federação começam a se manifestar dessa forma, antes de os sindicatos de base discutirem e deliberarem, significa que já estão influenciando as decisões. Isso pode até ser legítimo, mas não é ético. O certo seria que as lideranças se limitassem aos fatos: o CNG está indicando o fim da greve, mas são as bases que decidem. Há que esperar.
O CNG dos técnicos-administrativos fez a sua escolha. Numa conjuntura em que tudo apontava para uma negociação na qual os trabalhadores poderiam arrancar bons frutos, as lideranças da Federação, respaldadas pela maioria dos delegados do CNG, decidiram rebaixar a proposta e aceitar a migalha oferecida pelo governo. O governo federal está numa sinuca de bico. Ao mesmo tempo em que libera rios de dinheiro para as grandes empreiteiras e para o pagamento dos juros da dívida – essa chupando mais de 60% do orçamento – enfrenta mais de 30 categorias de trabalhadores públicos dizendo que não há dinheiro para melhorar os salários. A greve no serviço público cresceu, foi tomando corpo e já se configura uma imensa parede de resistência.
É fato que não há uma unificação orgânica das lutas, mas essa união acaba acontecendo na prática, porque cada uma – a seu modo e com suas especificidades – vai pressionando e exigindo do governo algo mais do que sequer a reposição das perdas. Isso fortalece cada categoria e enfraquece o governo. Também há que considerar que o governo petista enfrenta toda a carga do julgamento do “mensalão” em plena época eleitoral, o que faz com que os milhares de candidatos em todo o país se comprometam com as lutas das ruas, visando votos. Tudo isso pesa contra o governo e ajuda a luta dos trabalhadores.
Assim que esse era um momento em que a correlação de forças estava a favor dos trabalhadores e não contra. Havia fôlego para empurrar mais, exigir mais, esticar a corda. Mas não. As várias correntes que compõe a Fasubra, e que de alguma forma apoiam o governo do PT, decidiram dar uma força e topar uma negociação rebaixada. Há os contrários, é claro, mas são minoria. O governo acenou com 15% divididos em três anos, a começar em 2013. Isso sequer repõe as perdas do ano. O CNG decidiu então apresentar uma contraproposta rebaixada, retirando pontos de pauta e incluindo alguns que significariam pouco impacto na folha. Até o histórico step de 5% foi deixado de lado. Rifou-se o reposicionamento dos aposentados, os trabalhadores que estão fora da racionalização dos cargos, os extintos, a luta contra a privatização dos HUs.Fortaleceu-se a proposta da qualificação individual. Os que conseguem fazer mestrado e doutorado terão maiores ganhos. Ou seja, as vantagens são maiores para os mais qualificados. Os mais frágeis seguem frágeis. Nada de novo num mundo onde a solidariedade é só uma palavra.
A proposta do governo Dilma segue a lógica definida ainda no governo Lula, a separação cada vez maior entre os trabalhadores mais qualificados e os menos qualificados. Divisão. Foco na excelência. Lição de poder tão antiga quanto o mundo.
Agora, com a decisão do CNG os sindicatos de base vão realizar assembleias na semana que entra para decidir se acatam ou não a proposta governista. Óbvio que uma grande parte da categoria já está contaminada pela fala das lideranças, pela peremptória realidade colocada pela mídia: acabou a greve! Muitas serão as defesas inflamadas de que essa foi uma luta vitoriosa, que os trabalhadores conseguiram arrancar um bom acordo. Que isso era tudo o que se podia conseguir. “Foi o possível” dirão outros líderes, emocionados. E muita gente boa, trabalhadores dedicados que se entregaram na luta por três meses inteiros se sensibilizarão. E a maioria fatalmente acatará a decisão acreditando piamente que “isso era o possível”, porque essa é a correlação de forças hoje dentro da federação.
Arrisco dizer que lutar pelo “possível” é pouco demais. Imagino Che, Fidel e os outros gatos pingados que aportaram em Cuba no velho barco Gramnna, dizendo um ao outro que haviam feito o possível. Não haveria revolução, não haveria Cuba. Imagino Prestes abandonando sua coluna a dizer aos seus: Fizemos o possível. Ou Lenin, segurando os bolcheviques, a dizer que já haviam feito o possível. Não, esses camaradas foram além do possível. Observaram a realidade e se contrapuseram a ela, captando com inteligência todas as brechas. Porque eram seres de depois de amanhã. Sabiam que tinham de ultrapassar o possível. E eles estavam colocados diante da possibilidade da morte. Nossas perdas seriam bem menores.
Nós, nas universidades, hoje, temos esses líderes. Os que vão só até o possível, e um possível que eles mesmos definem. É nossa realidade atual. Já foi diferente e pode voltar a ser. Mas, para isso, haveremos de renovar as trincheiras, inflá-las com novas almas e novas mentes. Uma longa e cansativa jornada precisa começar. Vamos em frente! O processo da emancipação dos trabalhadores é árduo e demorado. Não há que esmorecer. Podemos perder uma batalha, duas, cem... Mas haveremos de seguir caminhando no rumo do meio dia. Sempre há a possibilidade de uma rebeldia. Quem pode saber?...
Um comentário:
Belo artigo Elaine.
Acho que isso mesmo. Ir ao "impossível" é fazer a revolução.
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