Apesar de estarmos no século XXI algumas questões ainda permanecem estagnadas no serviço público, principalmente na universidade. Uma delas é o completo desconhecimento da “mulheridade”. Uso esse conceito em vez do de “gênero” porque o segundo não me compraz. Parece-me que de alguma forma esteriliza as lutas pela emancipação das mulheres e torna tudo meio gosmento, sem identidade. Por isso inventei o conceito de “mulheridade”, porque creio que falar da mulher é falar da diferença e da posição de classe. Não dá para só pensar na mulher como um gênero, porque este gênero se divide em classes e as mulheres da classe dominante são tão opressoras quanto os homens, por isso não me permito misturar as coisas.Quando digo mulheridade quero falar do jeito específico de ser mulher trabalhadora, lutadora, cheia de vontade de mudar esse mundo que aí está como espaço do consumo, da dominação, do medo e da opressão.
Pois um dos aspectos da mulheridade é a beleza. E isso bem que poderia ser considerada coisa do gênero, porque é comum às mulheres que oprimem e às que lutam. Há uma coisa em nós que nos move na direção da beleza, esse jeito de escolher um adereço, uma pintura. Pode ser a mulher mais pobre do mundo, mas ela sempre vai encontrar um jeito de realçar o que é bonito nela. Por isso me encantam as mulheres indianas. Mesmo na mais triste miséria elas vestem-se de cores, pulseiras e pingentes. Sabem que a beleza é um estado de espírito e que se precisa dela para ter força de lutar e mudar as coisas. A beleza nos aquece, enternece, salva. Veja a diferença de uma Margareth Thatcher, a dama de ferro inglesa, com seus terninhos sem sal e o cabelo armado como um capacete. Mulher sem mulheridade. No poder feito um homem, com toda a sua vileza, crueldade, desprovida de ternura.
Outra coisa que atrai ás mulheres é o espelho. Filhas diletas de narciso elas não podem ver um. Porque as mulheres cheias de mulheridade gostam de se ver. No reflexo invertido elas saúdam a beleza, a graça, a ternura que brota nos seus corpos, nos olhos cheios de brilho e vontade de transformar as coisas em volta. Esse adereço indispensável é coisa mítica, é primal. Sem a imagem por inteiro antes do arrancar para o dia, parece que falta algo. É por isso que as mulheres aproveitam cada falso-espelho como as vitrines, por exemplo. Parece que há sempre que confirmar a beleza que nos é intrínseca.
Na Universidade Federal de Santa Catarina o único banheiro a ter um espelho onde a gente se vê por inteiro é o Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pudera. Ele, geralmente, é dirigido por mulheres. E elas lá sabem muito bem da mulheridade que lhes cabe. Sempre falei deste delicado detalhe do CFH, sonhando com o dia em que o Centro onde trabalho também tivesse espelhos de se ver por inteiro no banheiro feminino. Mas, os demais centros são masculinos demais, incapazes de um gesto de ternura e compreensão da mulheridade.
Pois, ao voltar à ativa neste janeiro, tomei um susto. Susto bom. Ao entrar no banheiro do Centro Sócio-Econômico lá estava ele. Enorme. Desci as escadas conferindo o banheiro de cada andar. E, em todos, assomava o santo oráculo da beleza feminina. Isso me deu um alento. Se no CSE, ao assumir a nova direção sob o comando de Ricardo Oliveira, deu-se um passo na direção da compreensão da mulheridade, isso significa que esta universidade pode, sim, um dia mudar. Sair do atraso, do conservadorismo, do pensamento único, patriarcal, colonialista. O professor Ricardo me surpreendeu com esse gesto de profunda ternura e me deu esperanças! Isso foi um bom começo de ano!
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