terça-feira, 1 de junho de 2021

O Steve Biko



Já vai fazer uns 15 anos que essa criatura vive comigo. Chegou aqui enrolado na minha blusa. Eu o encontrei no caminho da Rádio Campeche, quando voltava pra casa, perdido, abandonado, cheio de carrapatos. Era um naquinho, pequeno e magricela. Ele olhou pra mim na entrada de um atalho e eu olhei pra ele. Meu coração condoeu, mas segui andando. Então, olhei pra trás e ele me olhava ainda como a dizer: vais mesmo me deixar aqui? Voltei, enrolei-o na blusa e vim correndo. Tinha tanto carrapato que chegou a ficar com um problema neurológico. Mas, fora isso, nunca ficou doente. Eu já tinha um gato preto ao qual dei o nome Zumbi, então coloquei nele o nome do herói negro sul-africano, Steve Biko. Ele sempre foi tranquilo, mas fujão. Mesmo com o portão fechado ele sempre pulou o muro para seus passeios e escapadas. 

Pois agora, justo num momento em que estou dedicada aos cuidados com o meu pai, que tem demência, o Steve começou também a dar sinais de velhice e o primeiro deles é a rabugice. Desde a manhã quer sentar na mesma poltrona do pai e se eu tiro, bah, é um deus nos acuda. Ele chora ou morde. E assim, durante todo o dia tenho que administrar a refrega entre ele  e o pai. Ele se aboleta no sofá e o pai já vem pra tirar. Aí ele rosna, ameaça e o pai fica batendo nele com a almofada. Lá tenho eu que correr e mediar o confronto, pois ele pode morder. Um pouco o pai fica sentado, um pouco o Steve. Mas é o dia inteiro nisso. Se o pai vai para o alpendre é a mesma coisa, ele vai atrás e quer sentar na cadeira do pai. Novas confusões. 

Como ele já está velho não consegue mais pular o muro então fica chorando para que eu abra o portão. Eu não abro e é aquela agonia. Se eu abro ele sai, anda pra lá e pra cá e logo volta, chorando pra entrar. Isso acontece umas mil vezes por dia. Haja paciência. O pai de um lado e o Steve de outro, os dois querendo sair. Valamideuzi.

Quando é de noite eu ponho vídeos de viagens para o pai ver e o Steve finalmente se aquieta. Aí é um em cada poltrona. O pai vendo a TV e o Steve dormindo. Vez ou outra, se dá alguma balbúrdia lá fora, ele se levanta e chora pra sair da casa. Lá vou eu abrir a porta, para dali a dois minutos abrir de novo pra ele entrar. Nesse diapasão meus dois velhinhos vão ocupando meu dia até lá pelas nove da noite, quando cada um vai para sua cama.



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