segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O medo de faltar


Um dos medos mais tenebrosos que temos, os cuidadores, é o de ficar doente. Afinal, se a gente cai, o que será do nosso velhinho? As pessoas que tem demência precisam fundamentalmente de rotina. As coisas sendo feitas do mesmo jeito, na mesma hora, o mesmo tom de voz. E se a gente falta, o mundo se transforma. Daí esse pavor. Mas, como tudo sempre pode ficar pior, a doença vem e o cuidador precisa fazer de conta que não está passando nada, o que, por outro lado, só piora a doença em si. Pode ser uma gripe, uma febre, uma tontura, um aperto no coração. Seja o que for, é preciso seguir levantando a mesma hora, fazendo as mesmas coisas e prestando a mesma atenção no cotidiano. A parada é bem dura. Ainda mais que o velhinho, mesmo dentro de sua demência, consegue identificar que algo não vai bem. 

Nos dias em que fico ruim, fazendo esforço para não demonstrar, o pai, intuitivamente sabe que algo está passando. Então ele acorda mais cedo, ele me segue por todo lugar ou fica parado me olhando fixo, como a indagar se está tudo bem.  O esforço de fingir acaba piorando tudo. O estresse aumenta e um desespero surdo toma conta da gente. O mundo balança. Esses são dias em que realmente eu desabo. Já li que as estatísticas de cuidadores morrendo antes da pessoa cuidada são bem altas. É quando vem o medo de sair de cena e deixar o meu velho sozinho. São vários sentimentos amalgamados que levam nosso emocional ao último nível do suportável.  

Quando é assim me agarro na música. Faço uma lista das minhas preferidas e coloco pra rodar, o som bem alto. Se a situação permite, eu danço. Aí o pai se acalma, como se ao me ver cantando registrasse que tudo está bem. E então eu vou seguindo sendo aquele fingidor de que falou Pessoa, fingindo tão completamente que as vezes pensa que é força a força que de fato tem. Ainda assim, o medo de faltar segue assaltando, tornando a jornada bem mais pesada.  

São dias tristes.  



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