quarta-feira, 4 de abril de 2018

As aventuras com o pai



No passado cuidar dos idosos não se constituía problema. As famílias eram grandes, sempre tinha alguém em casa e o velho passava pelos cuidados coletivos. No geral era respeitado e acabava sendo o centro de todas as atenções, mas sem que isso fosse um peso. Hoje não. As famílias são pequenas, todos trabalham e a tendência é o velho ficar sozinho. Quando ele adoece, tudo se complica, porque precisa de cuidados 24 horas e não há como fazer. |Ou vai para um asilo ou alguém tem de ficar em casa. na segunda opção os malabarismos são constantes. Estou com o meu pai há dois anos. Ele já completou 86 anos e vive seu processo de esquecimento. Está bem de saúde, mas vez em quando apronta. Um cigarro solto na cama, o intestino que se solta sem ele querer, dinheiro rasgado, documentos estraçalhados, tudo na inocência. A família pequena precisa armar uma logística tremenda para poder sair para estudar e trabalhar. Temos nossos turnos e ainda conto com a ajuda de duas outras pessoas que se revezam no cuidado. É uma correria. O dinheiro é curto, não dá para ter cuidador em tempo integral. Dá um estresse tremendo, mas a gente vai se ajeitando como abóboras na carruagem. Dia dessas uma das cuidadoras teve um problema e não pode chegar. Todos nós já havíamos saído, o pai estava só. Quando ela avisou, eu já estava na UFSC. Aí foi pesado. Meu trabalho fica a uns 15 quilômetros de casa, mas vivo em Florianópolis. Aqui o transporte é um caos e a gente pode levar até três horas para cumprir esse trajeto, pegando três ônibus. Pirei na batatinha. Era a que estava mais perto. Tinha de ser eu a chegar. Meu espírito de pobre nem cogitou um taxi. Já estava correndo para a parada de ônibus quando um amigo me gritou: “Chama um Uber”. Oi? Bah! Grande ideia. Chamei. Ainda assim levamos uma hora para chegar. Trânsito pesado para o Campeche agora é toda hora. Eu com o coração aos saltos. Finalmente cheguei. O pai estava no portão, olhando a rua. Os cachorros deitados na área, cuidando. Felizmente não saíra. Ficou surpreso em me ver e eu nem deixei transparecer que estava em pânico. Enfim, passado o susto e o estresse, fui cuidar da vida. Ele seguiu com seus afazeres matinais. Na hora em que estava preparando o almoço ele chegou, sentou na poltrona e ficou ouvindo música, como sempre faz. Ele bate o pezinho, eu canto, e a comida vai saindo. De repente ele pergunta: “Mas hoje não ia vir uma mulher aí?” - Sim, mas ela teve um problema, não pode vir. A única mulher que vai estar aqui hoje contigo sou eu. - Ah, tá, e é bem bonita – respondeu, sorrindo. Foi só aí que eu chorei. A parada é dura, mas tem seus momentos de puro encanto.



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