terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Não há férias com o Alzheimer


Quem decide cuidar de um idoso com Alzheimer ou demência precisa inventar novas formas de viver. Pois, uma coisa é certa: o cuidado é 24 horas. Não há meio termo. No geral, mesmo que seja uma família grande, o idoso escolhe uma pessoa que vai ser a que tem a voz de comando. A partir dela é que se orienta, e essa pessoa passa a ser a bússola do idoso, está amarrada a ele. Então, sinto muito. Não há descanso, não há férias. Mas, como fazer para não sucumbir ao cansaço físico e emocional? Bueno, não há receitas. Cada um tem de encontrar seu ponto de equilíbrio.

Descobri isso da maneira mais dura. Depois de três anos cuidando do pai, decidi levá-lo para passar umas semanas com minha irmã. Assim eu poderia viajar, descansar, ficar sem fazer nada, o que fosse. Uns dias só para mim. Porque é certo, a gente precisa. Viajamos até lá e tudo ia bem, chegamos, comemos, conversamos, e preparamos tudo para as férias dele e nossa. Ele estava normal e à vontade na casa que foi dele durante anos. Quando a noite chegou fomos embora e ele ficou.

No dia seguinte minha irmã já me ligava aturdida, pois o pai tinha literalmente surtado. Gritava desesperado, não a reconhecia, queria sair portão afora, e não havia nada que o acalmasse. Foi um terror. Esperei mais um dia para ver se ele se acostumava, e não teve jeito. No terceiro dia lá estava eu pegando o pai de volta, dando adeus ao descanso. Ele voltou para casa tranquilo e seguiu a velha rotina. Seu sul era o espaço no qual ele se sentia seguro.

Percebi então que tirar o idoso com Alzheimer ou demência de sua rotina é um risco grande. Não voltei a fazê-lo. E, isso determinou o que disse lá em cima: nada de férias para quem é cuidador.

Diante disso há que buscar estratégias. Uma viagem de um ou dois dias pode-se arranjar. No mais é estabelecer períodos do dia nos quais o foco seja a gente mesma. Uma tarde para passear no centro ou outro lugar que a gente goste, um cinema, um café com as amigas. Uma manhã para pegar uma praia, um meio-dia para ir no bar. Enfim, no curso das 24 horas buscar janelas de tempo para cuidar de si. Isso é fundamental porque o cuidado exige demasiado de nós. E, para garantir essas janelas precisamos de aliados. Eu tenho um companheiro e um sobrinho que assumem o cuidado quando eu saio voando pela janela da fruição. E quem não tem ninguém? Aí é difícil, bem difícil mesmo. Mas, há que buscar um amigo, um vizinho, ou mesmo alguém pago, para fazer companhia ao idoso, garantindo um tempo para si.

O fato é que o idoso precisa de sua rotina e mesmo os passeios com ele não devem se estender. Há que voltar logo à segurança do sempre sabido. Mas, ainda assim se podem inventar bons momentos com eles. Já com os que estão acamados isso é impossível.

O importante mesmo é que a gente se cuide e se mantenha firme, física e mentalmente, fazendo exercícios diários e ouvindo muita música, mesmo quando o desespero é grande. Ninguém pode cuidar de alguém se não estiver bem. Nossos velhos não são um peso, são uma responsabilidade. Eles cuidaram de nós por anos a fio quando éramos crianças. Agora é nossa vez. Sem drama, sem tristeza, buscando força onde for preciso. 


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