sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Hoje é dia do Saci


 




Fotos: celebrações do dia do Saci no centro de Florianópolis

Até os anos 60 do século passado a vida da gente era completamente imbricada com a natureza. As grandes cidades ficavam muito distantes e as crianças vivenciavam toda a beleza de conhecer e compartilhar as figuras míticas, moradoras das florestas e dos cantos escuros dos lugares onde viviam. Desde pequenos, os meninos e meninas aprendiam que no meio da noite vagava um negrinho, pastoreando uma boiada, e que se alguma coisa se perdesse dentro de casa era só acender uma vela, e o negrinho ajudava a encontrar. O negrinho do pastoreio era visto nas noites de chuva, quando os relâmpagos riscavam o céu, imponente, no seu baio, cavalgando no rumo das estrelas. 

Nas tarde de inverno, quando os redemoinhos varriam as ruas, a gurizada saia como foguete, com suas garrafas de bocas abertas, buscando aprisionar os Sacis Pererês. Porque afinal, desde sempre aprendiam que o negrinho de uma perna só costumava estar sempre no meio do redemoinho e só aí, quando estava distraído, girando no vento, é que se podia pegá-lo. De resto era sempre um tal de fazer estripulias, batendo janelas, quebrando as louças, levantando as saias das moças. O Saci é guri frajola, serelepe, cheio de alegria e de liberdade.

E se vinha a noite fechada, as crianças entravam em casa, porque sabiam que lá fora, na mata, haveria de andar o boitatá, a cobra de fogo que come os olhos dos bichos, ou ainda o lobisomem, buscando sangue fresco, e o curupira, arrastando os pés virados, procurando pela mula-sem-cabeça. Esse era um universo conhecido e reproduzido nas escolas, na família, nas rodas de conversa ao pé do fogo. 
Já na ilha de Florianópolis, além de todos esses animais míticos também voejavam as bruxas, fazendo rodar as saias, empurrando as canoas para o alto mar, encantando os pescadores, fazendo sortilégios. Era bater o vento sul e as famílias já ficavam de orelha em pé.  

Mas, aí veio a urbanização, o crescimento das grandes cidades, o capitalismo apertou seus laços, infundiu a ideia do consumo. E, além da dominação econômica que já se apresentava, com o Brasil subordinado a bancos internacionais e governos de fora, outra dominação foi tomando conta da vida das gentes: a cultural. 

Já não bastava mais importar o jeito de produzir, a maneira de fazer as coisas, mas era necessário também copiar a cultura, o modo de ser no mundo daqueles que economicamente já dominavam a vida por aqui. Foi assim que se introduziu a moda, com a calça jeans, a minissaia, ou a música, com a introdução da guitarra elétrica e o rock, abafando de vez a marchinha, o xaxado, o baião e a vaneira. 
No cinema, dava-se adeus aos musicais inocentes e aos filmes do caipira Mazzaropi, recheados da vida nacional. Era chegada a hora de Roliúde e seus enlatados repletos de ideologia, colonizando as mentes, apresentando mentiras. Os faroestes estadunidenses endeusavam os cowboys e demonizavam os índios. Os filmes de ação apresentavam os soldados estadunidenses como heróis, salvando o mundo dos horrores das guerras, dos comunistas, e os dramas consolidavam a certeza de que bom mesmo era viver em apartamentos com carpete, fumar Malboro e encontrar o homem dos sonhos, que seria branco, alto e de olhos claros. 

A partir daí foram-se ocupando os territórios mentais. As cidades cresceram, se modernizaram, e as gentes se faziam cada vez mais parecidas com aqueles que, de certa forma, já dominavam no terreno da economia e da política. Bom mesmo era cantar em inglês e não foram poucos os jovens cantores brasileiros que iniciaram suas carreiras cantando na língua estrangeira. Um bom exemplo foi Morris Albert, que fez sucesso no mundo todo com a música “Feelings”. Cantar em português era coisa de brega. Nas festinhas a juventude enrolava um inglês que sequer se entendia. Papagaios.

O conceito de colonização diz que essa situação se faz real quando se conquista um território e se estabelecem novos moradores de acordo com o desejo dos que dominam. Pois foi exatamente isso que aconteceu com a gente. Nas cabeças das crianças, desde a mais tenra idade, foram sendo plantados novos conceitos, totalmente alienígenas. E esse tipo de controle chegou também no campo dos mitos. De repente, já ninguém mais falava em Saci, Curupira, Boitatá, Mula-sem-cabeça. Pela via do cinema cresceu a figura do vampiro e das festas estadunidenses. Uma delas é o Dia das Bruxas.

Até uns 20 anos atrás o tal do “Raloim” era celebrado apenas nas escolas de inglês, o que até tinha certo sentido, uma vez que quando se aprende uma língua há que se aprender algo da cultura do povo. Mas, depois, de mansinho, a festa foi se imiscuindo na vida cotidiana dos jardins de infância das escolas públicas e particulares, espaço de terra virgem, onde a colonização mental tem uma força tremenda. Sem que as famílias percebessem, os elementos mais enraizados da cultura estadunidense começaram a fazer morada na vida da criançada brasileira. Abóboras, a lenda do Jack, enfim, todos os elementos da belíssima lenda de origem celta que foi trazida aos Estados Unidos pelos colonos ingleses. Coloniza-se a cultura e movimenta-se a máquina do capital.

Ao contrário do significado cultural e místico que o Raloim tem nos Estados Unidos, aqui, ao ser transferido de forma artificial, o tal “dia das bruxas” nada mais é do que uma data a mais para vender coisas, que aparecem em profusão nas lojas: abóboras, máscaras, fantasias. Desafortunadamente, essa colonização mental não acontece unicamente no Brasil, ela toma conta também de quase todos os países latino-americanos, onde se pode ver a indefectível abóbora nos 31 de outubro de cada ano.
No Brasil, um grupo de ativistas da cultura do interior de São Paulo começou desde há anos um importante trabalho de conscientização sobre a história da cultura nacional. Grupos como a Sociedade dos Observadores do Saci, a Sosaci, tem dado contribuição importante nesse processo, produzindo vídeos e outros materiais educativos visando recuperar os antigos mitos e lendas da cultura indígena e negra. Levando esse debate por todo o país, os militantes da Sosaci lutaram muito para que fosse instituído o dia 31 de outubro como o Dia do Saci, fazendo com que nosso moleque, de raiz indígena e negra, vença de uma vez por todas a dominação cultural do “raloim”, como bem atesta o manifesto do grupo. “Nós, brasileiros, temos nossos próprios mitos, que não ficam nada a dever a esses importados, comerciais, que são usados para anestesiar a autoestima do nosso povo. Respeitamos os mitos dos outros, mas não queremos que eles sejam usados pela indústria cultural como predadores dos nossos. E, Cada vez mais, muitos brasileiros começam a compreender isso. 

Uma prova são eventos como “O Grito do Saci”, realizado em São Luiz do Paraitinga, Estado de São Paulo, que atrai muita gente e cria uma catarse geral, uma lavação de alma. Outra prova é a onda de adesões que a Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci) recebe de vários pontos do país. O Saci, a Iara, o Boitatá, o Curupira, o Mapinguari , as bruxas da ilha e muitos outros brasileiros legítimos estão aí para serem festejados, sem espírito comercial, como nossos legítimos representantes no mundo do imaginário popular e infantil”. E assim é.

A discussão que foi criada em torno da celebração do Dia do Saci em nada tem a ver com a xenofobia ou o desrespeito a outros povos. Momentos como o Dia dos Mortos no México, o Inti Raimi na América Andina e o Halloween nos Estados Unidos representam a essência cultural de cada um dos povos que os reverenciam. Assim, a celebração dos nossos mitos autóctones é justamente a retomada do nosso território cultural que há tanto tempo vem sendo invadido e colonizado. Respeitar e dialogar com as demais culturas é rico e saudável, mas o preço disso não pode ser a destruição das nossas memórias ancestrais. 

O campo da cultura é sempre um espaço muito mal cuidado pelos movimentos sociais e sindicatos de luta. Faz-se muita política, discute-se o capitalismo, mas muito pouco se discute o pilar de todas as mudanças que é o imaginário popular, a cultura. Desde aí se pode avançar com muito mais eficácia no processo de transformação da sociedade. Se desde bem pequenas as crianças tomarem contato com a beleza que vive no seu próprio espaço de vivência, muito mais fácil será trabalhar conceitos como soberania, liberdade, pensamento crítico, transformação.

A proposta do Dia Nacional do Saci, já definida como 31 de outubro, não é pueril, muito menos folclórica. É uma resposta inteligente e criativa a um longo processo de colonização mental que impera no nosso país desde a invasão europeia. Destruíram muitas culturas originárias, impuseram determinadas crenças e hoje, buscam homogeneizar a cultura. Mas, por todos os cantos do Brasil se levantam os amantes do Saci, do Curupira, do Boitatá, de Iara, Mãe d´água, Boto cor-de-rosa. Todos juntos se encontram nesse dia 31 para uma grande festa com carne seca, mandioca e viola. Porque nossa cultura autóctone tem beleza demais para se render aos interesses do capital.
Mas, para isso, é preciso que cada brasileiro faça sua parte. Pais e mães precisam retomar as velhas histórias, escolas devem ensinar os antigos mitos e toda a gente deve celebrar esse dia 31 de outubro como o dia do Saci e de todos os seus amigos. 

Em Florianópolis o grupo da Revista Pobres e Nojentas celebra desde o ano de 2003, no 31 de outubro, o Dia do Saci e seus amigos. Com atividades de rua e com divulgação busca  dialogar com a população, apresenta a história dos mitos locais, incentiva o festejo da cultura nacional. A mobilização até rendeu até a criação de uma lei municipal que estabelece esse dia como um dia de celebrar o gurizinho de uma perna só, retrato amalgamado da nossa cultura, juntando elementos indígenas, negro e europeu. Mas, como muitas leis, não vingou. O Saci segue bem esquecido.

Os mitos brasileiros são nossa herança cultural e não podem morrer. Eles mudam, se transformam, se atualizam, mas seguem apontando caminhos. Por isso, não se perdem. Então, preste muita atenção quando passar pelos taquarais que ainda resistem por aí na ilha de Santa Catarina. Ao ouvirem os barulhinhos de “cloc, cloc, cloc”, atentem-se. São os Sacis nascendo. Eles nascem dentro das taquaras e bambus. E estão vindo, aos milhares, pulando em uma perna só, fazendo bagunça na proposta de destruição cultural que o império tenta nos impor. 

Saci vive e está bem aí, do seu lado. Com ele, voam as bruxas da ilha, balançando as cabeleiras e enroscando nossos corações. Acredite! Viva o saci e seus amigos...
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quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Reforma do estado, proposta de destruição




A conferência de Vladimir Nepomuceno, que atua como assessor de várias entidades sindicais, em atividade conjunta do Sintufsc e Apufsc, colocou às claras o que é o projeto de Reforma Administrativa apresentado pelos deputados da direita brasileira, que chega ao Congresso sob o nome de PEC 38. Nada mais, nada menos do que a reedição da proposta de FHC quando, nos anos 1990, tentou embarcar na onda neoliberal que alardeava ser o melhor dos mundos. Para os empresários e os ricos, é claro. Não para a classe trabalhadora. Tanto que, naqueles dias, foi rechaçada. Bresser Pereira queria implantar a lógica do cidadão-cliente num estado mínimo – para a maioria – e máximo pra a classe dominante: só consumiria serviço público quem pudesse pagar. 

Só que este cadáver da reforma administrativa nunca foi enterrado. Ficou por aí, em alguma gaveta, fedendo e clamando vida. Agora, com o Congresso quase que completamente apandilhado, servindo a interesses que não são os da maioria dos brasileiros, ele volta à baila, de novo com o velho discurso de “progresso”, “modernização” e “pleno desenvolvimento”. O centro da questão é a reforma do Estado, a proposta de redução da máquina pública e a abertura de espaço de negócios para o empresariado local e estrangeiro. 

Vladimir observa que nada de novo se poderia esperar de uma proposta que vem formulada pela Fecomércio, Fiesp, Confederação Nacional das Instituições Financeiras, Confederação Nacional do Transporte, capitaneadas pelo Instituto Lemann. Sim, o documento que dá origem à PEC foi construído sem a participação de instituições do setor público e totalmente baseado em indicações do BIRD, um banco internacional. Ou seja: é o mundo empresarial definindo como o Estado vai se organizar, assumindo sem pejo o que Marx já denunciara, “o Estado é o balcão de negócios da burguesia”.  

A proposta prevê uma centralização completa da vida pública na esfera federal. Estados e Municípios sequer poderão definir de forma autônoma quais as políticas públicas que fortalecerão ou não. A decisão sempre virá de cima, sem apelação. Prevê ainda um processo de avaliação das políticas totalmente baseado em produtividade. Ora, como medir produtividade no serviço público, se o que move não é o lucro? Também propõe que sejam criados centros regionais de digitalização, centralizando todos os dados públicos, visando obviamente entregar esses dados para a iniciativa privada. Hoje, por exemplo, toda a folha de pagamento da União está na mão da Microsoft. Um verdadeiro absurdo. 

A reforma também aponta que os atuais órgãos autônomos como Ministério Público e Defensoria perdem sua autonomia, o que é um tremendo golpe para a maioria da população, já que estes são órgãos aos quais se busca quando falha a ação governamental. Pois, com a reforma, eles estarão reféns do estado. Além disso, o projeto agrilhoa ainda mais o serviço público visto que haverá limite de verbas para as políticas públicas.  

Os trabalhadores então ficarão completamente submetidos ao governo central, mesmo os que atuarem como servidores estaduais ou municipais. Todas as regras de administração da carreira, cargos, estágios, procedimentos disciplinares etc... sairão de Brasília. Também serão extintas as carreiras. Haverá uma tabela de remuneração única, sem separação por cargos, o que apaga as suas complexidades. Ou seja, um trabalho de alta complexidade pode ser remunerado com o mesmo valor de um trabalho menos complexo, desestimulando cada vez mais a carreira pública. Ficará mais atrativo ser contratado como temporário do que como servidor público. 

O rosário de maldades previsto na reforma inclui ainda congelamento de salários, congelamento de vagas, contratos precários, extinção de cargos, redução das carreiras, fim da progressão por tempo de serviço e a ampliação da presença das Parcerias Público Privadas, o nome bonito para a ação das empresas privadas no serviço público. Só os trabalhadores das carreiras consideradas de estado serão servidores públicos. Será o fim de serviços essenciais para a população como os da Previdência e do SUS. 

A direção de tudo isso pode ficar na mão da Fundação Lemann, através do Movimento Pessoa à Frente, outro nome bonito para um projeto de destruição, já que pelo que já comprovado, onde a Fundação Lemann bota a mão, o negócio fenece. Lembrem que foi essa gente que deu o golpe no escândalo das Lojas Americanas, falida por fraude contábil, com um rombo de mais de três bilhões de reais. E o mais emblemático é que o trio que “quebrou” as Americanas, entre eles Lemann, hoje está 42 bilhões de reais mais rico, e dando cartas inclusive no governo Lula no campo da educação. 

O documento de 600 páginas que dá estofo ao projeto tem ainda muito mais bombas para explodir no colo dos trabalhadores públicos e da população brasileira. Daí que desvelar esse jogo passa a ser fundamental. Informar a população e construir uma luta massiva contra essa reforma é urgente, sob pena de entrarmos agora, em 2025, no furacão destrutivo da ordem neoliberal, que já foi testada e falida em várias partes do mundo. Um retrocesso, portanto.

Não será fácil, a considerar a conformação do Congresso, com ampla maioria de ultra direita. Mas, a luta terá de ser feita. Se pá, a gente vence!

quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A Palestina será livre

Gaza antes do massacre





Israel leva mais de um ano bombardeando Gaza, Palestina. Um genocídio à céu aberto. O que era uma cidade linda e pujante à beira mar agora é só escombro. Pouca coisa resta em pé. Dos dois milhões de moradores, praticamente a metade foi dizimada. Mortos, mutilados, desaparecidos somam mais de 700 mil pessoas. Milhares de crianças assassinadas, hospitais bombardeados, médicos fuzilados, jornalistas assassinados, escolas e creches explodidas. A fome sendo usada como arma, com Israel impedindo a distribuição dos alimentos que chegam de todo mundo. Tudo isso sendo praticado sob os olhos do mundo, transmitido via internet, disponível nas telas dos celulares. 

A propaganda sionista valida o genocídio dizendo que os palestinos são terroristas. E nas redes lemos e ouvimos comentários de pessoas que, mesmo sem conhecer a história, respaldam esse discurso mentiroso. Como podem ser terroristas as crianças que vagam pelos caminhos, feridas, sem pai nem mãe? Como podem ser terroristas os bebês que morrem de fome ou explodidos pelas bombas? Mulheres e homens, velhos e velhas, gente trabalhadora que até um ano atrás viviam suas vidas, sobrevivendo ao campo de concentração que Israel tornou Gaza. Hoje, metade da cidade pereceu. Trabalhadores, crianças.

Israel diz que a culpa de tudo isso é do Hamas, grupo de resistência que luta pela libertação da Palestina. Tampouco esses militantes são terroristas. São pessoas que lutam contra a ocupação militar, selvagem e ilegítima de seus territórios. Travam uma batalha desigual já que Israel é uma potência militar, armada até os dentes por seu parceiro maior, os Estados Unidos. Reagem à violência, respondem à invasão sistemática que expulsa os palestinos de suas casas, de seus olivais. Quem, sendo roubado e violado sistematicamente não reagiria? 

Agora, depois de mais de um ano de bombardeio Israel obriga a população restante, que se abriga nos escombros, a sair de Gaza. Diz que ali vai construir outra cidade, só com colonos judeus. É uma invasão, um massacre, um genocídio. Quer que todo palestino seja eliminado e está obrigando as gentes a sair do território em gigantescas colunas. Colunas estas que são também bombardeadas, violando todo e qualquer vestígio das regras mínimas de um confronto. 

É por isso que não se pode dizer que há uma guerra. Não é uma guerra. É um genocídio. Os palestinos são vistos como insetos pelos sionistas, não humanos, não-seres. Daí a magnitude do massacre. Por isso é possível ver os soldados sionistas fazendo troça dos despojos das famílias que eles matam. Estouram a cabeça dos palestinos e vestem suas roupas, gargalham, fazem troça dos brinquedos que ficam largados nos caminhos. Quem afinal, nesta história, é não-humano? 

Em todo mundo se levantam as gentes, mas são os sem-poder. Os que comandam silenciam. Quando muito, fazem um discurso aqui e ali, retórico. Agora querem reconhecer o estado Palestino. Agora, quando Gaza já não há. Pessoas impotentes gritam nas ruas, outras navegam em direção à Gaza, em barcos pequenos, numa desesperada tentativa de ajuda. São igualmente ridicularizados pelos meios de comunicação. Os barcos são atacados, sequestrados, e tudo segue normal. O mundo dorme em berço esplêndido. Ninguém se atreve parar Israel. Por quê? Consideram que os palestinos são insetos? E que não importa se forem dizimados? 

Israel avança sobre Gaza, com tanques e máquinas de limpeza. Querem “limpar” a área, tomar o mar. Israel bombardeia os países vizinhos e ninguém se importa. São árabes. E Israel avança. Irá até onde? Quem sabe... Junto com o candidato ao Nobel da Paz, Donald Trump, buscam a paz dos cemitérios...

Não vislumbro esperança para Gaza. Mas, espero da humanidade. As milhares de pessoas que saem às ruas em solidariedade à Gaza se sabem impotentes, e não desistem. Hão de gritar até o fim, mesmo que não haja quem ouça. Porque mesmo que tudo seja aplastado, um dia, mais hoje, mais amanhã, os palestinos voltarão. E os malditos criminosos haverão de pagar... 


quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Florianópolis e a Airbnb



Na foto: Ammar Aziz, Gerente de Políticas Públicas do Airbnb no Brasil; Topázio Silveira Neto, Prefeito de Florianópolis; Fiamma Zarife, Diretora Geral do Airbnb para América do Sul e Juliano Richter Pires, Secretário de Turismo, Desenvolvimento Econômico e Inovação de Florianópolis. Créditos: Allan Carvalho/Prefeitura Municipal de Florianópolis.

A Prefeitura divulgou com pompa e especificidades foto do prefeito de Florianópolis com representantes da plataforma Airbnb anunciando uma parceria de compartilhamento de dados para "fomentar o turismo". É isso num momento em que uma cidade explode em novas construções dos chamados “estúdios”, que nada mais são do que pequeníssimos apartamentos feitos unicamente para especulação. Se até então a plataforma do Airbnb organizava aluguéis de curta temporada juntando proprietários de um imóvel interessado em ganhar um troquinho, agora já existem empreendimentos inteiros feitos especialmente para servirem deste tipo de aluguel. E, é claro, o que é bom para alguns acaba sendo um inferno para grandes levas de gente. 

O primeiro problema causado por esta plataforma de aluguel de curta duração é que começa a faltar imóveis para aluguel normal, ou seja, para pessoas ou famílias morarem por longos períodos. Os donos dos imóveis obviamente obtêm muito mais lucro alugando na lógica da alta rotatividade, evitando assim problemas com inquilinos. Mas, as pessoas que precisam morar num lugar acabam ficando sem alternativas porque, ou não encontram imóveis ou têm de pagar valores altos. Para se ter uma ideia há estúdios sendo personalizados no bairro Trindade, próximo à universidade, por 3.600 reais ao mês, um valor exorbitante numa quitinete de 30 metros quadrados. 

Cidades turísticas são as que mais sofrem com essa explosão de aluguel de curta duração e algumas delas, principalmente na Europa, já estão proibindo a ação da plataforma. Ocorre que o Airbnb não se configura uma rede imobiliária ou hoteleira, ela vende a tecnologia, a plataforma. Sendo assim a empresa não paga qualquer imposto como o fazer os hotéis normais ou as imobiliárias. Então, para ela, tudo é lucro. Isso levou o movimento dos hoteleiros a reivindicar uma regulamentação ou mesmo a decisão. Paris, Londres e Barcelona estão na lista das cidades que proibiram este tipo de plataforma depois de verem os moradores sendo praticamente expulsos das cidades por conta da alta dos aluguéis. No caso do Brasil, que é um país dependente e subdesenvolvido, o problema fica ainda maior porque o déficit habitacional já é bastante elevado. 

Em Florianópolis, onde o bonde do cimento avança, o déficit é de 20 mil moradias e todos os dias as pessoas se deslocam para as cidades vizinhas em busca de aluguéis mais baratos, pois é quase impossível viver na capital. Considerando que a média dos trabalhadores está em 3.600 reais fica impraticável morar e comer, visto que como já foi aqui, uma quitinete custa isso por mês. Nos bairros praieiros, principalmente no sul da ilha, o deserto de famílias já é visível. Com os prédios subindo na beira da praia, todos eles voltados para especulação, viver por ali ficaram impraticáveis, ainda mais considerando que a prefeitura não oferece qualquer mudança na estrutura viária, de saúde, de água ou luz. Isso significa um surto desproporcional e muitos incômodos para os moradores. 

Aqueles proprietários que usam suas próprias casas para alugar no verão ficam maravilhados com a possibilidade de deixar tudo por conta de uma plataforma gigante como o Airbnb, mas no longo prazo acabarão por serem também responsáveis ​​pela destruição dos bairros como espaço de moradia. As casas hoje mudaram para investimentos financeiros e toda a lógica comunitária está mudando. No longo prazo esse aluguel orgânico, feito só na temporada, já não servirá mais e o turista vai preferir a comodidade dos prédios preparados para esse tipo de negócio. Ganha a plataforma multinacional e perde o morador local. O déficit habitacional cresce e o abismo social se aprofunda. O fim da história já sabemos de cor.

Há que compensar essa lógica e principalmente há que orientar e informar os moradores das cidades sobre essa prática predadora, típica da capital que só pensa em se expandir sem qualquer preocupação com as pessoas. 

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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

A percepção da notícia em Florianópolis




Por solicitação do vereador Leonel Camasão (Psol) aconteceu ontem (21.08) uma Audiência Pública, na Comissão de Educação da Câmara, para discutir os resultados de uma pesquisa realizada pelo Laboratório de práticas para o jornalismo local, vinculado às Pós Graduação dos cursos de Jornalismo e Sociologia Política da UFSC. A pesquisa, apresentada pela professora Andressa Dancosky, traz dados importantes sobre como a população de Florianópolis se conecta com o jornalismo local, analisando hábitos, interesses, sustentabilidade, engajamento e participação. 

A proposta de uma discussão destes dados surgiu principalmente pelo fato de a pesquisa ter apontado que o sítio mais procurado pela população de Florianópolis para se informar sobre a realidade local ter sido o “Floripa Milgraus”, uma página que se autodenomina de “humor manezinho”.  Este dado mostra de maneira cristalina o quanto a cidade está abandonada pelos meios de comunicação, que não priorizam a notícia local. Isso acaba provocando a migração do público para as redes sociais, nas quais vão encontrando informações que aparentemente lhes dizem respeito. O Floripa Milgraus, apesar de ser uma página de humor apresenta cotidianamente informações sobre acidentes, casos policiais e situações citadinas, aparecendo assim como uma fonte de informação do local. 

A audiência pública tinha como objetivo colocar os vereadores da Comissão de Educação a par dessas informações para então propor alternativas no sentido de garantir uma informação qualificada para a cidade. Mas, como sempre acontece quando um tema é proposto pela oposição, nenhum vereador da comissão apareceu. Ainda assim, o vereador Camasão assumiu a coordenação da audiência e o trabalho seguiu. Na plenária estavam muitos jornalistas e representantes de projetos de comunicação comunitária, independente e popular, além da representação da UFECO, ACI e Sindicato dos Jornalistas.  

A pesquisa apresentada pela professora Andressa ouviu 604 pessoas entre maio e junho de 2024. Destas 69,7% se identificaram como brancas, 27,4% como negras, 1,2% como indígenas e 0,5% como amarelas. 33,3% ganham entre três e cinco salários mínimos, 21,4% entre um e dois salários e 17,1% com renda superior a dez salários. 

Para os entrevistados o principal motivo que os leva à busca de notícias é o interesse pessoal e em segundo plano o interesse social. Sobre os temas que mais interessam, as respostas mostraram claramente que, pelo menos no que diz respeito à mídia tradicional, há um abismo. Os temas mais buscados – e não encontrados – foram educação, cidadania, prestação de serviços, meio ambiente, saúde e alimentação. O tema “celebridades e entretenimento” foi o último colocado.  

A pesquisa também aponta que a principal fonte de informação são as redes sociais (55,3%), mas a televisão ainda tem certo poder (25,3). E 79,5% dos entrevistados consideram jornais e jornalistas as fontes mais confiáveis. Pagar para ler notícias foi considerado o principal motivo para desistir (73,5%). Vai aí uma boa dica para os sítios de notícias que escondem notícias só para assinantes. 

Os dados revelados não apresentam muita novidade, pelo menos para quem está atuando no campo do jornalismo comunitário e popular. Estas sempre foram percepções da empiria, por isso é bom ver que uma pesquisa realizada com parâmetros científicos reforça o que já se sabia. A experiência mostra que as pessoas querem saber das coisas locais, elas tem sede e fome de notícias que digam respeito aos seus problemas mais prosaicos, por isso talvez que páginas como a do Floripa Milgraus  seja bem vista, porque ali assomam questões como trânsito, segurança e esporte. 

Outra questão importante para problematizar é a de que esse jornalismo que a população quer, plasmado na pesquisa, já existe. Ele é praticado em Florianópolis em algumas experiências como jornais de bairro, a Rádio Campeche, o Desacato, o Catarinas, a Pobres e Nojentas, ente outros. Ocorre que fazer reportagens e manter um sítio atualizado de notícias não é coisa barata. Aí entra o financiamento. Muitos destes veículos que já existem patinam na falta de recursos, e acabam produzindo menos do que poderiam. Por isso a mídia popular e independente tem feito movimentos no sentido de também garantir para si os recursos públicos que migram em milhões para a mídia comercial. O governo do estado, por exemplo, dispendeu esse ano, até agora, 20 milhões de reais para apenas dois grupos de comunicação que têm rádio, televisão, portal e jornal impresso: NSC, afiliada da Globo, e ND, afiliada da Record. A Assembleia Legislativa transferiu para Acaert (entidade dos patrões do rádio) cerca de 15 milhões para reproduzir seus programas. A pergunta é: por que então não há repasse para as outras mídias? Essa é uma batalha antiga que não avança em Santa Catarina.

O mais impactante da pesquisa é que ela mostra de maneira luminosa que o jornalismo praticado hoje na mídia comercial não interessa e não serve à maioria da população. Isso muito provavelmente explique o porquê da página do prefeito da cidade ser tão vista e seguida. Ainda que recheada de enganos e manipulações, a página fala da vida cotidiana, do parquinho, da praia, das coisas da vida real, da cidade real, das pessoas reais. Na verdade, a comunicação do Topázio segue muito mais as dicas da realidade do que até mesmo alguns espaços ditos de esquerda, que acabam distribuindo informações muito particularizadas e sem interesse imediato para o trabalhador.

É fato que a disputa no campo comunicacional sempre existiu e sempre foi muito desigual para os veículos de cunho popular, independente ou comunitário. E, agora, com o advento das redes sociais, as pessoas acabam buscando aquilo que tem mais a ver com seus interesses pessoais, como aponta a pesquisa. Isso também explica o sucesso da página do deputado Sérgio Guimarães – que foi repórter e se apresenta assim na sua página do Instagram – porque ali se encontra muito mais notícias da cidade, ainda que sob o seu viés político singular, do que em outros espaços da mídia popular. 

A pesquisa deu boas pistas para o pessoal da política, dos movimentos, dos sindicatos, dos meios populares. Ocorre que no caso dos veículos populares o quesito financiamento ainda é um nó cego. Uma mídia dos trabalhadores deveria ser financiada pelos próprios trabalhadores, mas, muitas vezes há que se recorrer a financiamento que podem, inclusive, ir contra o propósito de soberania popular, como são os projetos financiados por fundações estadunidenses ou outras instituições forâneas, que logicamente têm seus interesses, que não são os nossos. 

Por fim, a plenária apontou alguns encaminhamentos que foram entregues ao vereador Camasão que, ainda que ele não seja da comissão de educação, deverá encaminhar o relatório final. Para os jornalistas que lá estiveram fica a esperança de algo se avance, ainda que essa novela do financiamento seja bem antiga e muitos passos já tenham sido dados, sem que os projetos tenham realmente saído do lugar. 

O que fica de bom é a certeza de que o jornalismo ainda é algo que realmente interessa à população e que o jornalista ainda goza de credibilidade. O que reforça ainda mais a responsabilidade do nosso fazer. Reportar o local e mirar o universal é a velha lição de Adelmo Genro Filho (teórico do jornalismo). Fazer isso é o nosso feijão com arroz, o que não impede que seja um feijão com arroz cheio de bossa.



terça-feira, 19 de agosto de 2025

O jornalismo nos tempos do "Eu sozinho"



Foto: criação Kristina Alexanderson - CC-by-sa

Lembro quando até bem pouco tempo fazíamos protesto nas ruas contra o monopólio de comunicação da Rede Globo. A empresa abocanhava Tvs, rádios, revistas. E era muito poder. Fazíamos denúncias sobre essa acumulação de veículos estar burlando a Constituição, mas isso sempre deu em nada, nunca conseguimos sequer arranhar o processo de renovação das outorgas. Uma das alternativas que tínhamos era constituir veículos de comunicação que pudessem chegar às pessoas, contrapondo as informações, no mais das vezes manipuladas pelas grandes empresas de comunicação. Uma luta bem desigual visto que jornais, rádios e outras formas de comunicação da esquerda sempre tiveram pequeno alcance. Disputar com a capacidade de alcance da Globo, Record e SBT era algo brutal. Mas, resistíamos.

O tempo passou e a coisa ficou ainda pior. Chegaram as big techs, com um poder muito mais extraordinário que o da Globo. Oligopólio mundial, alcance infinito e imediato. Além disso, detêm total controle sobre quem pode operar cada uma das chamadas “redes sociais” que disponibilizam.  Criadas para democratizar a comunicação, elas acabam aprofundando ainda mais o abismo. E, se no começo pareciam permitir que todas as vozes ecoassem, agora controlam o que se vê a partir de um algoritmo. Um robô decide se uma postagem nossa pode ou não circular. Estamos presos na teia. E elas entraram na vida das pessoas de tal maneira que hoje, se uma das plataformas sai do ar, ocorre um caos mundial, como se o fluxo da comunicação não pudesse mais viver sem elas. 

No campo da esquerda a resposta ao violento controle tem sido bem pífia, ou ainda pior, de aceitação desta lógica. Há quem proponha a taxação das big techs, ou uma lei que controle em alguma medida os conteúdos veiculados, mas isso é absolutamente impossível. Mesmo que haja taxação e lei elas seguirão fazendo o que fazem que é disseminar a ideologia do capital. A mercadoria na sua forma pura, sendo semeada o tempo todo e sem controle algum. Mercadorias materiais e imateriais, ideias, ideologias, só o que interessa aos donos do poder. O que aparece nas nossas linhas de tempo é o que o algoritmo dita. E o algoritmo é controlado pelos graúdos.

No campo do jornalismo a situação só piora. Se antes, com o monopólios das três gigantes (Globo, SBT e Record) a informação era manipulada, havia sempre alguma chance de algo escapar, bem como os veículos independentes podiam contrapor os fatos, com algum alcance. Jornais sindicais, por exemplo, tinham boas tiragens e chegavam aos trabalhadores. Hoje não. Vivemos o tempo do “jornalismo de pessoa". Os jornais, comerciais ou não, estão quase extintos e os que existem trabalham com pautas policiais (à exaustão) e temas amenos que não constituem a possibilidade do conhecimento ou da reflexão sobre os fatos. E justamente por isso, os jornalistas que ainda atuam fazendo jornalismo acabam tendo de publicar nos seus blogs ou páginas pessoais nas plataformas ditas “sociais”. Isso é ruim para o jornalista que fica sozinho, exposto, sem qualquer anteparo e é ruim para o jornalismo, pois se o jornalista em questão não tem um número massivo de seguidores, sua voz fica totalmente obscurecida. É praticamente a mesma resistência frágil que tínhamos nos velhos tempos, só que sem o suporte do projeto coletivo, o que torna tudo mais difícil. E se o jornalista não conseguir abocanhar seguidores, o trabalho fica invisível.

Além disso, o fenômeno das redes sociais instituiu a figura do “influenciador”, que já virou até profissão. É a pessoa que domina o processo de comunicação com a massa, basta que tenha milhões de seguidores. Isso vale para quem faz dancinha, vende produtos, mostra o corpo ou mesmo repassa ideias. Vide as estranhíssimas criaturas do universo bolsonarista que divulgam coisas absurdas, amealhando milhares de seguidores. Assim, a mediação do jornalista sobre os fatos parece não ser mais necessária. Uma pessoa com um microfone pode informar que os extraterrestres estão chegando, que o golpe vem em 72 horas ou qualquer outra coisa, sem precisar mostrar qualquer comprovação. 

As pessoas consomem a informação diretamente das fontes que elegem como “confiáveis”, ainda que apresentem grotescas falsificações ou realidades forjadas na IA. Se olharmos com detalhe não se diferencia muito do que sempre foi, já que uma informação que aparecia no jornal ou na TV também vinha carregada de ideologia ou manipulação. E também tinha mais poder quem tinha mais audiência, como era o caso da Globo, cujo sinal conseguia chegar limpinho nos confins do país. 

A diferença é que hoje, pelo menos no campo do jornalismo, a informação virou um produto do “eu sozinho”.  Há que se confiar na pessoa, no jornalista que atua em solidão, e este precisa disputar o coração e as mentes num universo absolutamente desfavorável e sem qualquer controle. Um robô qualquer, numa manhã qualquer, pode derrubar a página e já era. O poder da comunicação de massa está na mão de pouquíssimas figuras, das quais raríssimas estão a serviço da informação veraz. É uma batalha ainda mais desigual do que a que travávamos antes do advento das plataformas. 

Vida dura! Mas, seguimos, resistindo. 


quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Abandono do Essencial



Tenho por hábito olhar as páginas dos sindicatos, até porque tenho um programa de rádio e hoje a turma parece que só se comunica pelas redes sociais.... Fico estarrecida em ver que praticamente nenhum tem discutido seriamente a Reforma Administrativa que está por vir. Ontem, recebi uma mensagem do meu sindicato, o Sintufsc, chamando para um ato no centro da cidade. Um chamado protocolar, um dia antes, sem que a gente possa se organizar. Creio que atos são importantes, mas antes de qualquer um deles é preciso explicar para os trabalhadores o que está por vir com a Reforma. Afinal, é quase certo que ela passe, dada a configuração do Congresso nacional.

O projeto de Reforma Administrativa data de 2020, não é do Lula, mas certamente que o governo vai apoiar. O ministro da Fazenda já falou sobre isso. Todos usam o argumento de que é preciso modernizar o serviço público. Então, se até os do governo são à favor, qual a nossa chance em barrar isso? Sem compreensão do que é essa reforma e sem ação na vida real, creio que a chance é bem pequena.

A reforma retoma velhas ideias de Bresser Pereira, que já queria fazer isso lá no governo de FHC. Só que naquele tempo, a gente estava em luta, na rua, e conseguiu barrar. A grosso modo, o projeto acaba com a carreira do servidor público. Prioriza os que estão em "cargos típicos de Estado" e os demais joga na lata do lixo. Nós, das universidades, por exemplo, não estamos nessa categoria de "típicos". Com a reforma, a estabilidade só será dada aos "típicos de Estado", uma perda grandiosa, porque deixa o trabalhar público a mercê da política.

Outra coisa que o projeto define é o trabalhador temporário, que poderá ser contratado em caso de greve, por exemplo. Desejo antigo dos governantes, mesmo os ditos de esquerda. Vai permitir também que as instituições públicas compartilhem estrutura física e pessoal com entidades privadas, em parcerias (?). Aponta novas regras na previdência e muitos mais. É um verdadeiro massacre dos direitos dos trabalhadores.

Então, há que esmiuçar isso, detalhar cada ponto, discutir com os trabalhadores público e também com os demais, que não são públicos, porque lá na ponta ele é atingido também. Limitar o servidor público é apostar no atendimento privado, o que significa prejuízo em todos os espaços públicos.

Enfim, essa deveria ser a luta mais importantes dos trabalhadores no momento,. Mas, o que se vê é uma turma lacrando nas redes com posts anti-fascistas ou anti-bozistas. A vida real nos engolindo, a vida real nos engolindo... As nossas redes deviam inundar o espectro e os trabalhadores deveriam estar no cangote dos deputados... Mas, qual!



sexta-feira, 8 de agosto de 2025

A materialidade da vida


Quando várias entidades de jornalismo e de comunicação começaram a defender a tributação dos big datas ou mesmo a regularização das mesmas, tratei de alertar para uma coisa básica: estas empresas, absurdamente gigantes, não têm qualquer compromisso com a verdade ou com o respeito à informação veraz. São grandes negócios que buscam apenas o lucro. Taxá-las ou regulamentá-las não resolverá, no mais mínimo, o problema que representam, de serem oligopólios mundiais. Claro que a crítica ficou no vazio, ou ignorada ou criticada com as fórmulas remoídas: ah, esse povo do contra... Tudo isso porque a ação das Big Datas se dá em cima de pessoas comuns, gente sem grande destaque. Mas, quando algum influencer – seja lá o que isso seja – é atacado, as entidades se mobilizam para criticar a ação das plataformas. Insisto: não há saída enquanto formos dependentes destas plataformas. Não há nada a fazer. Quando eles quiserem apagar nossas páginas, o farão. Quando quiserem nos calar por um dia, dois, um mês, um ano, o farão. Eles são os proprietários do negócio. 

Lembro quando Hugo Chávez iniciou sua batalha pela soberania comunicacional, buscando produzir satélites venezuelanos para garantir a comunicação e pensar outras formas de colocar a Venezuela no caminho de uma autonomia nesse campo, todo mundo o chamava de louco, de censor, e de tudo mais... Mas, o que ele queria era justamente isso: não deixar o povo venezuelano refém desses empresários que dominam a comunicação no mundo. Infelizmente não conseguiu avançar, sempre acossado pelo império.

A tecnologia está aí, ao alcance da mão. Porque não temos nossas próprias plataformas? Por que não buscamos uma soberania comunicacional? Este é o ponto. 

Podemos fazer campanhas pela volta dos perfis bloqueados, e eles voltarão... Só que também serão tirados do ar de novo, e de novo e de novo.. porque essas plataformas não são controladas por nós... 

Essa lógica de luta pela humanização do capital é realmente cansativa. Quando retomaremos a luta mesmo? 



quarta-feira, 9 de julho de 2025

O futebol que não é mais


Eu lembro quando eu era louca pelas corridas de Fórmula 1. E atentem, sou do tempo do Emerson Fittipaldi. Era um tempo de grandes pilotos tais como o James Hunt, o Ronnie Peterson, Niki Lauda, o próprio Emerson, depois Piquet. Enfim, era um tempo em que o carro contava, mas o piloto fazia a diferença. Pois chegamos a ganhar com o nosso Coopersucar. Então valia a pena acordar cedo para ver uma corrida, porque tudo podia acontecer. Depois, quando a tecnologia passou a ditar os resultados, deixei de ver. Porque, afinal, não precisava nem saber o nome do piloto. Ou era a McLaren ou a Ferrari as que iriam vencer. Estava dado. 

O mesmo parece estar acontecendo com o futebol e essa tal Copa do Mundo dos Clubes mostrou claramente. O lance não é mais o futebol em si, mas a grana que pode comprar o que há de melhor no mundo. Veja o caso do Chelsea. Os caras compram jogadores de todo o planeta, basta o guri se destacar, chegando a ter jogadores que nem usam, só para concentrar o “pé-de-obra” (expressão criada por Nilso Ouriques). E assim fazem também alguns outros grandes times europeus. Então, o que faz a diferença em campo nem é o futebol, mas o dinheiro que conseguiu comprar o craque. Ou seja, o futebol é sequestrado pela grana. 

Dito isso, a parada que fica clara é que o futebol brasileiro não está em queda nem perdeu a qualidade. Ele apenas não consegue acompanhar os times ricos. O Fluminense ontem jogou valente, mas enfrentou os melhores do mundo. O time dos ingleses quase nem tem ingleses. E, como ironia maior, foi derrotado por um guri criado nos seus gramados. 

Definitivamente fica bem difícil a gente torcer e vibrar num campeonato no qual a gente já sabe de antemão que só um milagre pode fazer com que os times endinheirados não sejam os campeões. E milagres não acontecem assim... 

Eu um dia abandonei as corridas... Ontem abandonei o futebol. Essa porra do capitalismo é uma mão podre... Acaba com todas as nossas alegrias...

sexta-feira, 4 de julho de 2025

A banalidade do mal

A morte em Manaus, durante a Covid. Imagem: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real

Nos anos 1960, quando Ana Arent acompanhou o julgamento de Otto Adolf Eichmann, um dos principais organizadores do holocausto que vitimou judeus, ciganos e comunistas na Alemanha nazista, ela cunhou essa expressão de “a banalidade do mal”. Escrevendo para um jornal estadunidense ela fez o perfil do criminoso. Segundo Ana, não havia em Otto Adolf nenhum histórico sobre ser antissemita ou ser um psicopata. Não. Era um alemão comum que cumpria ordens superiores sem questionar, crescendo unicamente na carreira e se dando bem na vida. Mandava para a câmara de gás homens, mulheres, velhos e crianças sem qualquer sentimento de bem ou mal. Seguiu uma lógica burocrática estabelecida desde o topo até o ponto final. 

Não se discute o tema do mal e aponta que ele pode emergir a qualquer momento, desde que haja espaço para crescer. Avalia também que o mal não é uma categoria metafísica, religiosa: ele é político e histórico. É produzido por pessoas comuns em razão de uma escolha política. E, desde aí, a banalização da violência, do ódio, corresponde a um vazio de pensamento aonde o mal se instala e passa a comandar. 

Ana Arent escreveu sobre isso a partir da constatação dos horrores dos nazistas provocados nos anos 1940. Mas, e hoje, o que pode caracterizar esse momento no qual, de novo, podemos ver a face do mal tão abertamente nas redes sociais? 

Qualquer pessoa que tenha um mínimo de compreensão sobre as coisas do mundo pode visualizar esse mal, essa onda assustadora de vazio humano. Podemos falar do genocídio palestino. Há mais de um ano o estado de Israel bombardeia Gaza, matando gente sem dó, explodindo escolas, hospitais, zonas de refugiados. E as postagens nas redes sociais, tanto dos sionistas quanto de gente comum, são de arrepiar. Festejam, riem das crianças mutiladas, fazem piadas com as cenas de absurda dor. E a vida segue, sem que os que têm poder ajam. 

No Brasil vivemos a experiência do governo de Jair Bolsonaro. Durante uma pandemia, com gente morrendo como mosca, o então presidente fazia piadinhas, ria das pessoas sufocando nos hospitais, dizia que não era coveiro para dar conta dos mortos. E, por todo o país, senhorinhas simpáticas o idolatravam e riam com ele. Pessoas comuns, nossas tias, mães, avós, nossos vizinhos. O mal escancarando os dentes. E ainda hoje isso se expressa nas redes sociais sem pejo. O cara segue sendo chamado de mito.

Na Argentina, um cara com um programa que promete fechar universidades, hospitais, acabar com as políticas públicas, entregar o país, foi eleito por ampla maioria, com as pessoas gritando em delírio quando ele dizia que iria acabar com os comunistas em nome da liberdade. A liberdade de uma pequena fração da classe dominante do seu país. E lá embaixo, o povo, que iria se lascar com essas promessas, aplaudindo e celebrando. 

Em El Salvador, o presidente Nayib Bukele prendeu milhares de pessoas acusadas de criminosas. Prisões enormes foram erguidas e o povo aplaudindo. É fato que ele conseguiu destruir parte das famosas “maras”, bandas criminosas que assolavam o país. Mas, para além das maras agora ele vai trancafiar qualquer pessoa que o critique. A mão dura do poder chegando a qualquer um. E as gentes em festa. Seu modo de governar virou exemplo. E há outros presidentes copiando seus métodos. Ninguém chama isso de ditadura ou governo autoritário. Bukele é amigo do rei. 

E o rei, que são os Estados Unidos, o que faz? Governa de maneira absolutamente totalitária, fazendo coisas jamais pensadas. Ameaça universidades, manda prender estudantes que criticam seu governo, organiza uma caçada humana com os imigrantes, deportando cada um e cada uma que encontra, separando famílias. Um horror indescritível que não aparece na televisão. Mas, mesmo que pareçasse provavelmente não provocaria estupor. Como se vê nas redes, há uma multidão de gente aplaudindo e aprovando os horrores, como se nada. Tampouco se ouve falar que Donal Trump seja um louco, ou um ditador. Não! Nadinha. Fosse Nicolás Maduro que começou a prender gente, aí sim, teríamos o mundo inteiro protestando. 

O fato é que com esses seres nefastos e maléficos nada passa. Pelo contrário, quanto mais mal provocam, mais são incensados ​​e aplaudidos. A banalidade do mal. 

E não precisa ir muito longe. No cotidiano de nossas cidades pacatas esse vazio humano que gera o mal também vai se espalhando e se expressa no cara que mata o outro porque lhe cortou a frente do carro, no marido que mata a mulher que não o quer mais, no vizinho que joga veneno no quintal do outro para matar seus cachorros que latem demais. A hera venenosa vai se reproduzir e invadir todos os lugares. As pessoas não sentem nenhum prurido em fazer comentários maldosos nas postagens das redes. Tudo é permitido na banalidade do mal. E destruir o outro virou moda.

Karl Marx já disse em seus escritos de Paris que o capitalismo destruiria de tal maneira as pessoas com sua lógica de exploração, que o gênero humano seria esfacelado. Falou sobre isso há 200 anos. E agora está. Pessoas comuns, que apenas querem dar bem na vida, atuando como monstros. Uns estão bem visíveis na televisão, na tela do celular, outros estão do nosso lado na mesa do restaurante, no ônibus e até dentro da nossa casa. Tomados pelo vazio que o capitalismo gera, na busca desesperada pela vida, aliam-se ao mal.

O que fazer diante disso? É cada vez mais difícil encontrar uma resposta. Transformadas em zumbis, tal como anunciam os filmes apocalípticos, os tomados pelo mal avançam. O único que sei é que há que lutar contra isso. Há que agir na solidariedade, no amor, no cuidado, na bem-querença. Mesmo que pareça pueril e inútil. Esta é uma boa hora de seguir o conselho da mãe: não é porque todo mundo vai, que você também irá. Naqueles tempos do nazismo houve quem resistiu e perdeu. E venceram.

Nós também teremos de vencer botando abaixo do capitalismo, a cabeça do mal. 





quinta-feira, 26 de junho de 2025

O jornalismo morreu?



Nos contos de fada aparece muito essa cena. Uma princesa morre. Uaaaaaa... Tristeza! Depois, a gente descobre que não, não morreu. Ela só dorme. Então vem o príncipe e por conta de um beijo, ela volta à vida. Tirando a lança de príncipe ou princesa que é bem uó, a mensagem destes contos é bastante singela e bem bonita. Aquilo que parece morto, pela força do amor, volta a viver. 

Assim eu sinto o jornalismo. 

Hoje, conversando com um estudante de jornalismo me conta disso bem claramente. Olhando a realidade material, o que se vê é o jornalismo morto. Basta uma espiada num jornal das TVs, qualquer delas, ou folhear os jornais que ainda existem. Morto. O jornalismo está morto. Em Florianópolis, o tal do ND é uma folha de propaganda da prefeitura ou um boletim da polícia, dependendo do momento. As TVs são um apanhado de banalidades sem qualquer relevância pública. O jornalismo morto.

E quando falamos em jornalismo, estamos falando do que nos ensina Adelmo Genro Filho. Uma notícia que, amparada no singular, consegue transitar para o universal, trazendo o contexto do fato, a interpretação, a narração, a descrição. O jornalismo na sua missão pública é de bem informar a população. Assim é que este jornalismo não aparece nos meios comerciais. Morto. É o que se pode dizer dele.

Mas, se tirarmos nossa visão dos meios comerciais e começarmos a cavar no fundo do cemitério de sites que são a internet, ou em alguns veículos alternativos, comunitários, populares, podemos encontrar o jornalismo, vivo, respirando. Repórteres ainda há, sim. Textos bem escritos, contextualizados, com impressão, descrição, narração. São poucos, mas estão por aí, espalhados, escondidos. Há que procurar. E esse jornalismo que ainda respira, apesar das inúmeras camadas de mediocridade, tem a função de, ainda que lentamente, despertar o que dorme. 

Eu sou um pessimista com quase tudo na vida, menos com o jornalismo. Acredito na sua necessidade social. No mundo tal como está, globalizado, as pessoas precisam do texto de qualidade, precisam do texto que media, que analisa, que se espalha para além da mera informação. Não é possível que uma sociedade siga em frente sem ele. Por isso, apesar de observar o corpo inerte do jornalismo na TV ou nos jornais, sinto com profunda clareza que ele apenas dorme. E, nesse caso, não há príncipe, mas jornalistas, esses, de verdade, que ainda existem na resistência. Para que o jornalismo volte a viver há que ter jornalistas capazes de apagar ou vez a chama do texto que universaliza os fatos. 

Em algum momento esta estupidez generalizada que vimos e lemos nas redes sociais vai se esgotar. Então, o jornalismo ressurgirá das cinzas, porque as pessoas precisam dele. E, de novo, voltaremos a ver textos densos, bem escritos, normativos vívidas da realidade, interpretações inteligentes. A vida e sua imanência narrada com bossa, como dizia Antônio Olinto.

O jornalismo espreita, ali na esquina. Ele dorme, mas está vivo. Há que despertá-lo! Como bem disse o grande Marcos Faerman (na foto), "O povo não tem tempo de ler texto ruim. Se for bom, tem leitor".



sexta-feira, 16 de maio de 2025

O Figueirense empresa


Eu sou figueirense de um tempo em que o Figueirense era um clube de futebol. Sim, um clube, que vivia de seus sócios e das algumas outras transações menores. O Figueirense era a casa da gente. Quando entrávamos pelos portões com nossas bandeiras e camisas alvinegras, a gente se encontrava com os “irmãos” no amor. E as tardes de futebol nas arquibancadas eram de alegria, gritaria e cerveja. Uma festa, mesmo na derrota. O Figueirense era clube. Sabíamos que era preciso ir ao jogo, pagar o ingresso, para ajudar o clube a ir para frente. 

Até que então chegaram os “homens de empresa” com o papinho mosca de que o clube precisava se modernizar, levar mais a sério o “negócio” futebol. E que a única maneira era deixar de ser uma associação sem fins lucrativos e virar uma empresa. Seguiam a onda criada no Brasil todo que já engolia alguns outros clubes pelo país, a partir de uma proposta do deputado Pedro Paulo, do DEM do Rio de Janeiro. Virar empresa, virar negócio, bussines, ganhar dinheiro. 

Então, em 2017, o Figueirense que somava algumas dívidas, entregou o clube para uma empresa administrar, a Elefhant (olha o nome da coisa, elefhant). E lá se foi o nosso clube para o cassino do capital, dirigido por gente não muito séria, já que em menos de um ano o contrato com a tal empresa foi rescindido. Não sem antes ela afundar ainda mais o Figueirense deixando, inclusive, de pagar os salários dos jogadores, que obviamente entraram na justiça.  Daí pra cá só ladeira abaixo. Os empresários foram se sucedendo, contraindo mais dívidas. E nesse meio tempo fazendo campanhas junto aos seus sócios e aficionados para arrecadar dinheiro. E a gente dando dinheiro feito bobo para ver o clube afundar mais ainda. Até nosso estádio está penhorado, podendo a qualquer momento ser tirado do clube.  Os números estão aí, a dívida passa dos 200 milhões. Como pagar? Vendendo o patrimônio construído com o sangue e o amor dos torcedores? Hoje, para nossa tristeza, não há mais clube. Não há sequer futebol. Cá estamos na série C, lanterna das lanternas. Aquele trabalho de clube, de criar a gurizada local, não existe. Os jogadores não carregam o peso da velha figueira, desconhecem a história. O Figueirense é só uma empresa onde eles vendem a força de trabalho. Não os culpo, óbvio. A responsabilidade não está neles. Está nos vendilhões, nos que destruíram - e seguem destruindo - o clube. E precisamos desvelar essa gente, dar nome e sobrenome. 

A empresa Figueirense fez um acordo de recuperação judicial, mas a coisa anda capengando. Se o clube não pagar, corremos o risco de perder o estádio Orlando Scarpelli, uma espécie de joia no Estreito, por conta de sua localização estratégica. Numa cidade onde quem manda é bonde do cimento, imaginem a fome dos abutres... 

Enquanto isso, vamos perdendo nosso furacão, que nem ventinho mais consegue ser. E a maior dor é que time a gente não troca, não se abandona. É uma traição impossível, como explica Nilso Ouriques no livro que leva o mesmo nome. Por isso, a cada jogo, a gente fica esperando que aconteça um milagre, o qual, racionalmente, sabemos que não virá. Mas, quem pode controlar o amor? O Figueira se esfarela, mas vive em nosso coração. 

De minha parte, tenho ódio, ódio puro, contra os ceifadores da nossa paixão.




quarta-feira, 30 de abril de 2025

Resenha: Boa Noite seu Tavares


Na página do projeto “Narrar o Alzheimer”, encontro essa generosa resenha sobre o meu livro “Boa Noite, seu Tavares” pela lavra de André Carvalho.  

“Na resenha anterior, apresentei o primeiro livro de memórias brasileiro a tratar dos cuidados de uma pessoa com demência. Hoje, trato do mais recente, "Boa noite, seu Tavares", de Elaine Tavares.

Elaine cuidou do pai, Nelson Tavares, em Florianópolis por oito anos, desde o diagnóstico de Alzheimer em 2016 até 2024, quando ele faleceu. O livro é composto de crônicas sinceras e bem-humoradas escritas ao longo desse tempo, muitas delas publicadas na comunidade virtual Anjos que Cuidam, do Facebook. Temos acesso ao dia a dia de uma filha sensível, carinhosa, firme e corajosa durante o percurso da família através das "milhares de fases" que a doença desenrola.

Elaine é jornalista e escreve muito bem. Cada crônica é sucinta, mas densa. Mistura memória afetiva, informação de saúde e reflexão política, tirando da experiência própria lições para o comum. Aliás, um dos (muitos) méritos do livro, que o destaca dentre similares, é justamente a vocação política de compreender a doença e o envelhecimento no contexto de nosso capitalismo marginal. Assim, mesmo narrando a experiência familiar e doméstica, somos lembrados a buscar as causas para tanto apuro e desamparo, da falta de preparo dos médicos à infraestrutura de transporte público da cidade.

Outro destaque é a consciência das armadilhas de quem vive e narra o cuidado. Elaine não romantiza a doença: "é uma merda". Literalmente. Por outro lado, não existe uma página em que a tragédia domine. No final dos dias mais turbulentos, seu Tavares solta uma frase que derrete nosso coração e redime a penúria da filha. Sempre vale lembrar que Sublime virou marca de papel higiênico.

Há pelo menos outras duas diferenças marcantes com obras do tipo. Primeiramente, não encontramos a tentativa de reconstruir a vida e a identidade do pai, como em biografias tradicionais. A autora aceita plenamente quem o pai é em cada momento, e suas transformações ao longo dos meses e dos anos. O ato-reflexo de voltar à integridade da identidade fixa, segura, está ausente. Em segundo lugar, não existe no livro a cena tradicional do espanto e da crise desencadeados pelo não reconhecimento. Elaine aceita que às vezes seu pai não a reconheça "como filha", mas tem plena segurança de que existe um reconhecimento mais profundo no cuidado e no carinho diários. Juntas, essas diferenças apontam para uma fluidez que narradores/cuidadores de países mais desenvolvidos — leia-se, mais calvinistas e individualistas — raramente alcançam. É na brincadeira, no afeto, no apego à convivialidade e ao improviso de um modo mais humano de existir que Elaine Tavares descobre o caminho. Aqui, o livro realmente se parece com a troca em grupos de apoio de familiares: é gente cuidando de gente.

Se tivesse que recomendar um livro para cuidadoras e cuidadores que desempenham a função 24 horas por dia, seria esse.



sexta-feira, 4 de abril de 2025

A mais-valia ideológica explodiu


Lendo um artigo de Lucas Aguillera, no sítio Nodal, me deparo com a informação de que o argentino médio passa mais de oito horas com os olhos grudados no celular e que mais de 70% da população mundial já tem acesso a esse inoportuno telefone de mão, igualmente abduzido pelo rola-tela em horas a fio. Vejo isso aqui mesmo, na minha aldeia. Há, portanto, uma extraordinária concentração da vida nestes aparelhos que combinam trabalho, vida pessoal, lazer, espiritualidade, tudo ao mesmo tempo agora, desfazendo todas as fronteiras e limites. E, se até então, o capital consumia nossa vida apenas no horário de trabalho, roubando-a a partir da mais-valia, ele agora se imiscui em todos os espaços da existência, exigindo mais e mais, como o deus Moloc.

Com o telefone na mão as pessoas não têm mais horário para o trabalho. A qualquer momento uma mensagem exige algo, 24 horas pulsando. A pessoa está no ônibus e está trabalhando, não está no cinema e está trabalhando, está no parque e está trabalhando. Há quem criou que isso é um ganho, empreendedorismo.

Mas isso não é tudo. O celular também é espaço de roubo da mais-valia ideológica, para usar um conceito de Ludovico Silva. Esse pensador venezuelano, ao estudar a televisão, viu que o trabalhador quando chegava a casa (acreditando estar no seu momento de descanso) e ligava a televisão, estava igualmente capturado pelo capital. Na telinha, entre um programa e outro, as propagandas o incentivando a comprar, comprar, comprar, eram o capital concorrente, bem como as mensagens subliminares escondidas nas novelas, entretenimento etc… Nas palavras dele: “Assim como na oficina da produção material capitalista se produz como ingrediente específico a mais-valia, assim também na oficina da produção espiritual do capitalismo se produz uma mais-valia ideológica cuja finalidade é fortalecer e enriquecer o capital ideológico do capitalismo: capital que, por sua vez, tem como especificamente protegido e protegido o material de capital”.

Pois agora, com o celular, essa produção de mais-valia ideológica é colocada na enésima potência. Daí a importância de se voltar para Ludovico. As plataformas das redes sociais mudam a cada minuto os algoritmos que tentam empanturrar as pessoas com mercadorias para comprar e ideias de jerico para defender. É um carrossel alucinado. As informações são repassadas sem qualquer contexto virando uma algaravia sem sentido e, ao final de mais de 15, 20 horas de rolagem da tela, tudo o que fica é absoluta sensação de vazio e o desejo de comprar.

As plataformas não nos pertencem, então não dá para ter a ilusão de que podemos mudar por dentro. Não dá! O que nos leva ao óbvio. O problema não são as plataformas, mas o modo como o mundo se organiza neste modo de produção. As tecnologias só ajudam a fortalecer e manter essa barbárie. É na realidade material da vida, nas ruas, na luta política, na organização coletiva que pode haver alguma chance de mudar as coisas. É certo que as pessoas estão obnubiladas (cegas), anestesiadas pela luzinha azul da tela do celular, que incutem a ideia de que isto é o perfeito.

Mas, sempre é possível desligar o aparelho e olhar para a vida mesma. Quando a gente enxerga, a proposta de mudança é a única possível. Uma única!

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O livro de Ludovico Silva, “A mais-valia ideológica”, faz parte da Coleção Pátria Grande, do IELA, Volume 3, e pode ser encontrado em www.insular.com.br

quinta-feira, 3 de abril de 2025

Do horror


Sim, sigo despertando no meio da noite, assombrado pelo horror que vem sendo cometido contra o povo palestino, todos os dias, pelo estado de Israel. Vi, ontem, que os soldados de Israel mataram, um a um, no mesmo esquema de execução, 15 paramédicos e uma equipe de resgate. Ou seja, não satisfeitos em arriscar o mundo dos palestinos, querem exterminar qualquer um que resolva ajudar. Isso não é crime de guerra. Não há guerra. O que há é genocídio. Essa gente não pode seguir impune.... E o que me tira o sono é saber que sim, seguirão impunes, e a gente nessa impotência sem tamanho... Os governos que podem mudar isso, não fazem nada.. é aterrador!