sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Das vitórias com o pai


Foto: Seu Tavares arranjando confusão, junto com o outro velhinho da casa – o Steve – na hora do almoço. Adora fuçar no fogão. Haja atenção!

Na vida é assim. A gente traça nosso projeto. Determina o objetivo geral e os específicos e vai tentando cumprir. O que aprendi ao longo dos meus 60 anos é que os específicos vão mudando, muitas vezes à nossa revelia. No meu plano, desde há muuuuuuito tempo o objetivo geral é construir e vivenciar a revolução brasileira, a transformação do mundo, a queda do sistema capitalista. Esse permanece. Já os específicos, tive de muda-los quase na totalidade por conta da doença do pai. As frentes de luta “callejeras” ficaram mais escassas e comecei a travar uma longa batalha para dar qualidade de vida ao pai, para que ele pudesse viver com alegria e segurança esse tempo com o Alzheimer. 

Foram muitas as batalhas: acabar com as alucinações, com a violência, com a ansiedade, com o tremor das pernas, com a insônia. Introduzir a fralda, organizar melhor a noite, ufa... esse alemãozinho – o sr. Alzheimer – é duro na queda. Eu contra ele é assim como se estivesse no ringue com o cubano Mijaín Lopez. A derrota é segura. 

Mas, ainda assim, sou nojenta, do tipo que não desiste. E vou dando batalha a cada novo desafio. Nessa caminhada contei com a ajuda do querido amigo, médico, Kike, e com o valoroso diálogo de familiares de doentes de Alzheimer num grupo de facebook, onde compartilhamos os problemas e as alternativas encontradas. Claro que o que vale para um às vezes não vale para o outro, mas ajuda a gente a pensar. 

Meu objetivo atual é manter o pai sequinho durante a noite, principalmente por conta dos dias muito frios aqui do sul. Para isso já comprei todos os tipos e modelos de fraldas, desde as tipo cueca até as normais. Todas elas vazam. Apelei então para as calças plásticas e também encomendei vários modelos diferentes, sem botão, com botão, do tipo bermuda. Juntei fralda com calça plástica, não deu certo. 

Tratei de pensar. O que fazer. Vi na internet várias técnicas para manter a pessoa sequinha. Testei todas. Nada. O pai dorme de lado e o xixi vaza pela parte de cima da fralda. Então inventei algo: colocar a fralda tipo cueca, rasgar as abas de outra e colocar atravessada na cintura, no lado que ele fica mais tempo. Do outro lado, colocar uma faixa com duas fraldas de pano, dessas de neném. Então ele fica como numa espécie de cinturão. E por cima de tudo a calça plástica, segurando. Tudo pronto, deitei o velhinho e esperei. Na manhã seguinte: vitória. Sequinho. E assim tem sido. Vez em quando, quando o volume aumenta muito ou ele mexerica demais na calça, vaza um pouco, mas no geral dá certo. 

Tá bom, é uma novela mexicana ajeitar essa  coisa toda na hora de dormir, com direito a dramas intermináveis, mas vale o esforço. A fralda que fica na cintura, apertada pela fralda cueca, absorve quase todo o xixi.  Foi uma baita sacada. Repasso a ideia para quem tem problema semelhante. 

E enquanto meu paizinho dorme bem sequinho, eu tenho tempo de pensar sobre meu objetivo geral – a revolução brasileira - e fazer algumas coisas para chegar lá. E o plano vai se acertando. Vou rengueando, mas vou.

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