quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Três meses de greve na educação: o que está em jogo



Na última reunião da Fasubra (federação que congrega os sindicatos de trabalhadores da IFES) com o MEC e MPOG (ministérios da educação, planejamento, orçamento e gestão), acontecida no início desse mês, os trabalhadores técnico-administrativos das universidades, que já estão no terceiro mês de greve, viveram uma situação inusitada. Diante das discussões em torno da pauta de reivindicações, o governo insistiu que ainda havia tempo até 31 de agosto para mexer no orçamento. Ou seja, na prática, foi quase que uma indicação para que a greve seguisse até esse dia, embora de antemão já anunciasse que não haveria qualquer possibilidade de ganho econômico. O governo mantem diálogo apenas nos pontos que não implicam em dinheiro e que não são outros que os mesmos que vêm sendo discutidos desde 2004, quando então apresentou o novo Plano de Cargos e Salários, hoje vigente. Nesse sentido, se não há nada de novo na mesa, porque incentivar o espichamento da greve? 

O estranho comentário pode parecer surreal, mas não é. Ele denota claramente que ao governo pouco importa que as universidades estejam paradas. É até bom, porque assim, ele pode economizar e ir colocando em prática o velho plano do Banco Mundial (estranhamente um formulador de políticas educacionais), desenhado nos anos 80, e que vem sendo “melhorado” e aplicado, em pequenos pedaços, de maneira sutil, desde então, pelos sucessivos governos. Nem o do PT fugiu à regra.

Na época do auge da política neoliberal, em 1986, o Banco Mundial lançou um documento no qual expunha as “boas” opções de políticas educacionais que os países em desenvolvimento deveriam seguir. A ideia geral era de que a educação tinha de se adequar aos princípios da globalização econômica, os quais deixavam bem claro que no mundo globalizado seria fundamental a “divisão de responsabilidades”. No campo da educação isso significava o seguinte: os governos dos países periféricos deveriam investir dinheiro público na educação básica deixando que a educação superior fosse cuidada pela iniciativa privada. As alternativas nesse setor seriam a de cobrança de taxas e mensalidades, mesmo nas universidades ditas públicas. 

Com isso o Banco Mundial incentivava, obviamente, uma proposta de criação de um sistema de crédito estudantil, coisa que iria gerar ainda mais lucros para o sistema financeiro. Ou seja, seria transferida para o aluno, a responsabilidade de arcar com seus estudos superiores. O Banco também sugeria que era necessário descentralizar a educação incentivando a expansão de escolas comunitárias e privadas. Todo esse “indicativo” foi imediatamente incorporado pelos governos da época, e exigiram muitas lutas nas universidades. 

Em 1995, num novo documento que apresentava já alguns resultados dessa política em diversos países, o Banco Mundial reconhece que o incentivo ao ensino superior tinha tido boas repercussões no mundo do trabalho, mas, ainda assim, sua proposta seguia sendo não a de fortalecer as universidades públicas, e sim as privadas, que deveriam expandir ainda mais. Para o Banco Mundial, se as públicas crescessem iriam causar rombos nas contas públicas.  Melhor era entregar esse setor a quem pudesse fazê-lo rentável. A ideia de uma universidade pautada na indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão era considera antiquada num tempo em que era preciso atender as demandas do mercado.

Quem viveu esses tempos neoliberais durante o governo de FHC sabe que foi um período de grandes embates. Foi aí que iniciaram com mais velocidades os cursos pagos dentro das federais e pulularam as propostas de cobranças de taxas e mensalidades. Naqueles dias, o governo, amparado nessas indicações do Banco Mundial, não queria saber de formar sujeitos críticos, mas apenas uma mão de obra que fosse do interesse pragmático dessa nova fase do capitalismo.

Em 1998, o Banco lançou novo documento reafirmando sua tese de que a educação superior estava melhor guardada se nas mãos privadas. É claro que no documento, o BM não falava da proposta de que a periferia do mundo fosse cada vez mais apenas um espaço de – quando muito – inovação. A ciência não precisava ser feita no sul do mundo. Isso era coisa para gente grande, os países desenvolvidos. O “terceiro mundo” que ensinasse apenas para que as pessoas pudessem manejar o sistema com um mínimo de conhecimento. Adestramento para o mercado e só. Não bastasse isso, o adestramento deveria ser bancado pelo próprio adestrado. Política esperta a mais não poder. Para o Banco Mundial, claramente, o conhecimento não é um bem público. Ele deve ser apropriado pelo setor privado para gerar lucros para alguns. 

No ano 2000, em parceria com a UNESCO, o Banco Mundial lança novo documento, apontando que os governos deveriam ter apenas o papel de supervisores no ensino superior, abrindo mercado para  novos “fornecedores” de educação. Também defendia a autonomia das instituições federais para que pudessem captar recursos com menos interferência estatal. Em 2003, chegam até a mudar o conceito de educação superior para “educação terciária”, em alusão aos interesses do mercado e das novas tecnologias que abriam frentes on line. Nesse conceito de educação terciária estava incluído também qualquer curso pós-ensino médio. Ou seja, a ideia de universidade vai se perdendo totalmente.

É nesse universo que chega o governo do PT, aliado ao PL. Com Lula no poder, não há qualquer desvio da política traçada pelo Banco Mundial. Pelo contrário. Dá-se mais ênfase ao ensino técnico (terciário), criam-se institutos de ensino superior sem o compromisso com a produção da ciência e, apesar de serem criadas novas universidades federais, a política de apartamento do financiamento público vai se aprofundando. Mais cargos são extintos nas federais, novas terceirizações são propostas e começa o lento, mas ininterrupto, processo de fortalecimento de algumas carreiras no campo dos trabalhadores, buscando deixar apenas uma “elite” nos quadros públicos. Por outro lado, cria-se o PROUNI que é o fortalecimento das empresas privadas de educação, com o falso verniz da inclusão social. Os pobres entram nas universidades privadas, estudando à noite, em cursos menos procurados, e com qualidade nem sempre assegurada.  Em 2012, já eram 370 mil estudantes pagando o FIES, um financiamento bancário.

Apesar de criar a política de cotas nas federais, com a entrada de negros, índios e estudantes da escola pública, a permanência vem sendo sempre encarada como um “problema” e só as lutas renhidas tem garantido o ensino aos estudantes cotistas, em que pese o fato de que muitos deles - esgotados pela necessidade de “provarem” merecer a vaga, casada com a permanente luta para conseguir permanecer na universidade - desistem no caminho e abandonam o estudo. 

No governo Dilma, nada mudou. A linha parece ser a mesma. Quase nada de produção de ciência, consolidação de alguns polos de excelência, ênfase na inovação, currículos flexíveis e menos especializados, incentivo ao ensino técnico ou cursos não universitários de curta duração.  

Assim, com esse quadro em mente, é possível compreender a razão de uma greve na educação demorar três meses, sem que pareça fazer qualquer diferença para o governo. O desafio para os trabalhadores está nesse fio de navalha. Como fazer a luta por melhores salários, condições de trabalho e defesa da universidade pública, sem se prestar ao jogo do governo que aposta no desmonte? Como mostrar à sociedade essa verdade, que o que está em questão numa greve como essa é a luta contra esse modelo de educação terciária, mercadológica e deseducadora?

Na UFSC, a lógica do Banco Mundial também é seguida pela administração Roselane/Lucia. Não foi sem razão que na greve das 30 horas, elas inauguraram ações inéditas como o corte de salários dos trabalhadores e punições exemplares. Agora, a reitora anuncia que vai abrir o Restaurante Universitário com os trabalhadores terceirizados, visando mostrar aos catarinenses que não precisa mesmo dos trabalhadores públicos. O mundo privado dará conta do recado. Os estudantes, dirigidos pelo DCE, aplaudem, até que amanhã se surpreendam com a cobrança de um preço padrão FIFA e uma qualidade padrão McDonalds. 

Assim, diante do cenário sombrio, não resta alternativa que a luta mesma, e unificada. Professores, técnicos e estudantes que defendem a universidade pública, financiada pelo público, só têm essa saída. A luta e a difícil tarefa de anunciar a triste notícia de que, sem que se perceba, a universidade vai sendo destruída. Mas, apesar do tamanho do inimigo, alguns há que não se intimidam. E estão aí, prontos para o combate.




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