Paradoxo na UFSC: trabalhador que trabalha pode ter ponto cortado
Assembleia do dia 17 manteve a greve A Universidade Federal de Santa Catarina vive um momento inédito. Pela primeira vez na história dos trabalhadores, eles estão sendo ameaçados de punição por trabalhar e ampliar o atendimento aos usuários. Para entender todo esse enredo, é preciso antes falar sobre como funciona uma universidade. Mais do que uma "escola" onde se ensina uma profissão em nível superior, a universidade é um espaço onde se articulam esse ensino, mais a pesquisa e a extensão. É como um órgão vivo, pulsando todas as horas do dia. Para comprovar isso, basta circular pelo campos a qualquer hora do dia e mesmo da noite. Sempre tem alguém trabalhando e até nas madrugadas pode-se vislumbrar uma ou outra luzinha em algum laboratório. Por todos os cantos está em ebulição a criação do saber. Esse processo de trabalho - na sua maioria imaterial - é vivenciado pelos docentes, os técnico-administrativos em educação e os estudantes. Em maior ou menor medida cada uma dessas categorias atua nos três campos, de ensino, pesquisa e extensão. Isso mostra que a universidade não é um espaço que pode funcionar como uma fábrica, em horário comercial e muito menos um lugar no qual as tarefas estão claramente demarcadas. Aqui, a "produção" desse trabalho imaterial nunca para e é possível ver um estudante de pós dando aula, um técnico coordenando pesquisa e um professor administrando um centro. As atribuições são complexas e se misturam. A tal "divisão do trabalho" tem fronteiras muito largas. Por conta disso desde há muito tempo os trabalhadores discutem a possibilidade de, segundo garante a lei, realizar turnos corridos de seis horas, garantindo atendimento ininterrupto nos setores de toda a instituição. Leva-se em conta toda a complexidade do trabalho realizado aqui e o fato de haver aulas nos três turnos - manhã, tarde e noite - o que garantiria atendimento a uma parcela significativa de alunos/trabalhadores que não podem vir à universidade no período comercial. A lei é clara. Um contrato de trabalho de oito horas pode ser cumprido com turnos de quatro horas/um intervalo de duas/um turno de quatro, ou com seis horas ininterruptas. Por isso a batalha pela segunda opção. Para os trabalhadores, a organização do trabalho - melhorada com as novas tecnologias - exige um outro olhar sobre a questão da jornada de trabalho. É voz corrente que as novas tecnologias proporcionaram uma considerável diminuição de tempo na operacionalização de muitas tarefas. Hoje, os trabalhadores já tem as condições objetivas para reduzir a jornada, sem deixar de cumprir todas as tarefas que tem sob sua responsabilidade. Assim, unindo essas condições à necessidade de a universidade atender cada vez mais pessoas, por conta de seus cursos noturnos e à distância, a luta pelos turnos de seis horas com atendimento de 12 horas ininterruptas cresceu. Com a eleição de uma nova administração há dois anos, garantida pelo seu perfil progressista, os trabalhadores iniciaram um debate sobre esse tema e conseguiram que a nova reitora, Roselane Neckel, aceitasse a ideia de criar um grupo para estudar a viabilidade da redução da jornada aos moldes propostos: com ampliação de atendimento, abrindo setores no horário do meio dia e à noite. O grupo trabalhou, estudou o tema e apresentou um relatório, que, segundo um acordo realizado com a administração, deveria ser discutido em todos os Centros de Ensino da UFSC. No relatório, trabalhadores e representantes da gestão, concluíram que a UFSC estava preparada para iniciar o processo de turnos ininterruptos. Mas, a administração não cumpriu o acordo e não colocou o relatório em discussão. Em 2014, os trabalhadores técnico-administrativos realizaram uma longa greve, com uma pauta nacional, em luta por reajuste salarial, data base e outros temas históricos dos TAEs. Essa greve iniciou no mês de março e terminou em julho, sem que houvesse avanços nas negociações nacionais. Na UFSC o movimento foi forte e envolveu os trabalhadores nas discussões. Muitos foram os atos e protestos realizados, nos quais se aproveitou para cobrar as promessas locais, como a da discussão do relatório das seis horas. A reitora fez-se surda aos apelos. Surpreendentemente, poucos dias depois do final da greve nacional, a administração central, sem qualquer debate com os trabalhadores sobre o tema, baixou uma portaria mudando o processo de controle de ponto. Até então, os setores organizavam-se conforme suas características específicas e o controle de frequência era o controle negativo: ou seja, caso o funcionário não comparecesse ou chegasse atrasado, a chefia anotava o fato e enviava ao setor de pessoal. Se nenhum registro fosse enviado, o setor de pessoal considerava frequência total. Com a portaria, a reitora reinstalou a folha ponto, que deveria ser preenchida diariamente, com jornada de oito horas. A medida foi considerada uma espécie de "vingança" contra os trabalhadores por conta da movimentação da greve e também como um profundo retrocesso administrativo. A greve de ocupação Por conta disso, os trabalhadores resolveram discutir a portaria e depois de vários debates decidiram entrar em greve contra a forma antidemocrática com que a reitoria definiu o processo de controle de frequência. Entendiam que havia uma discussão sendo feita institucionalmente - com o grupo que realizou o relatório - e que num espaço democrático como a universidade, o mínimo que a administração deveria fazer era ouvir a comunidade, incluídos aí os próprios trabalhadores. Mas, a greve deflagrada - a primeira greve interna da história da UFSC - não foi como as outras, na qual os trabalhadores fechavam os setores e interrompiam o processo de trabalho. Ao contrário, eles decidiram mostrar, na prática, como seria a universidade atendendo nos três turnos, de forma ininterrupta, tal como vinham reivindicando. Foi assim que começou, no dia 5 de agosto, a greve "de ocupação", como foi chamada. Todos os trabalhadores seguiam cumprindo suas tarefas, mas fazendo os turnos de seis horas ininterruptas, conforme garante a lei. Com isso, vários setores passaram a abrir as portas ao meio dia, causando grande entusiasmo entre os estudantes que necessitam da universidade aberta . Só que se os estudantes vibraram, a administração não. Chegou, inclusive, a não permitir a entrada de usuários no prédio onde funcionam as pró-reitorias no horário do meio-dia, mesmo com os trabalhadores lá dentro, querendo atender aos estudantes e professores. A greve seguiu seu curso em queda de braço com a administração. A cada ação dos trabalhadores, logo vinha um novo memorando, apertando mais o cerco, mudando as regras ao sabor da disputa. A universidade virou um palco de guerra, apesar dos sucessivos pedidos de diálogo. Duas reuniões chegaram a ser realizadas, mas a comissão representante da reitoria se mantinha inflexível quando a qualquer avanço. A negação ao diálogo foi tanta que dois dias depois da última reunião conjunta, veio o memorando que orientava as chefias a descontar o salários dos trabalhadores que não assinassem o ponto. Ou seja, a administração seguiu desconhecendo a greve e o próprio trabalho dos TAEs.
Na última assembleia, em 17 de setembro, mesmo com as ameaças de corte de ponto, os trabalhadores decidiram manter a greve. Eles entendem que a universidade não pode cortar o ponto de quem está comparecendo ao trabalho diariamente, e ainda proporcionando a ampliação do atendimento. A reitora, por outro lado, deu entrevista no jornal de maior circulação do estado, dizendo que vai cortar o salário. É a manutenção do impasse. Os TAEs encaminharam novo pedido de reunião à reitora, reivindicando o que foi prometido: debate. Eles querem que a jornada de trabalho seja discutida em toda a universidade, envolvendo professores, técnicos e estudantes. É a comunidade que deve decidir sobre o atendimento da instituição. Isso seria o exercício pleno da democracia, conforme reza a Constituição. Mas, a administração insiste em continuar ignorando a greve - embora o chefe de gabinete tenha usado publicamente o argumento da greve para negar algumas demandas de estudantes - e segue se comunicando através de memorando e portarias, em clara resposta aos passos dos trabalhadores. Na UFSC o clima é de muito descontentamento com a forma autoritária como as coisas estão se desenvolvendo. É a primeira vez na história da instituição que uma administração ameaça com corte de ponto, sendo que o mais inusitado é o fato de todo mundo estar trabalhando.
Elaine Tavares. Jornalista. Humana, demasiado humana. Filha de Abya Yala, domadora de palavras, construtora de mundos, irmã do vento, da lua, do sol, das flores. Educadora, aprendiz, maga. Esperando o dia em que o condor e a águia voarão juntos,inaugurando o esperado pachakuti. Contato: eteia@gmx.net / tel: (48) 99078877
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